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Conversas Cruzadas

O que tem a Taxa Social Única a ver com a Liga dos Campeões?

19 abr, 2015 • José Bastos

Baixar a Taxa Social Única resolve os problemas das empresas? “Não, mas ajuda”, defende Álvaro Santos Almeida, no Conversas Cruzadas desta semana. É como o FC Porto corre mais que o Bayern: ajuda, mas nada garante. Já Carvalho da Silva admite: será a “machadada final” na Segurança Social.

O que tem a Taxa Social Única a ver com a Liga dos Campeões?
Mexer na Taxa Social Única resolve os problemas das empresas? “Não, mas ajuda”, defende Álvaro Santos Almeida. Já Carvalho da Silva admite “ser machadada final” na Segurança Social.

O que tem o decisivo Bayern-FC do Porto da Allianz Arena, dentro de dois dias, a ver com a Taxa Social Única? O economista Álvaro Santos Almeida recorre ao universo futebolístico para enquadrar os prováveis efeitos de uma descida da Taxa Social Única (TSU).

“Deixe-me fazer uma metáfora: se me perguntarem o que é preciso para o Futebol Clube do Porto ser campeão europeu este ano... Era preciso ter melhores jogadores? Melhor treinador? A equipa treinar mais? Mas, e se eles correrem muito na terça-feira, isso vai ajudar? De certeza que sim!”, garante o economista.

“Se, na próxima terça-feira, os jogadores do F.C. do Porto correrem mais que os do Bayern, isso, só por si, não resolve os problemas todos, mas ajuda”, faz notar Álvaro Santos Almeida.

“É a mesma coisa com os custos do trabalho. É verdade que se tivéssemos produtos de maior qualidade, se não houvesse endividamento nas empresas, se o nível de gestão fosse melhor em Portugal... tudo isso faria com que as empresas portuguesas fossem mais competitivas”, reconhece. “Mas em função dos jogadores que temos, em função do treinador que temos, em função da equipa que temos, correr mais vai ajudar. Neste caso, baixar os custos do trabalho vai ajudar.” É a opinião de Álvaro Santos Almeida, antigo quadro do FMI em Washington.

A questão da descida dos custos do trabalho foi recolocada no debate público pelo primeiro-ministro, mas a meio da semana a ministra Maria Luís Albuquerque garantiu não ter ainda um plano detalhado para concretizar a descida dos custos laborais sobre as empresas.

A ministra das Finanças – não usando nunca a expressão “TSU” – garantiu, ainda assim, não se tratar da reedição da solução polémica apresentada em 2012 a implicar um aumento dos descontos dos trabalhadores.

Mas é a mexida na TSU o factor-chave para as empresas? “Não resolve os problemas todos, mas ajuda”, é a resposta de Álvaro Santos Almeida, professor de Economia na Universidade do Porto.

“O facto de haver outros problemas que têm de ser resolvidos não impede que a redução dos custos de trabalho não seja um factor positivo”, afirma, na edição do Conversas Cruzadas deste domingo.

Carvalho da Silva: “Perder 1% de TSU exige 165 mil trabalhadores a 514 euros”
Já Manuel Carvalho da Silva questiona o que diz ser “o terceiro round” nas tentativas para mexer na TSU. “Os custos do trabalho pesam em média, no plano nacional, 21% do global dos custos de produção”, defende o sociólogo.

“O efeito indirecto é muito mais que 20%”, contrapõe Álvaro Santos Almeida.

Carvalho da Silva sustenta que parte do debate deve ser feita à volta de um dos “ciclos viciosos” a afectar as empresas portuguesas. “Se a qualidade de gestão é baixa a rentabilização do trabalho menos qualificado ainda é menor. Quanto mais trabalho de baixa qualificação e baixa remuneração, maior é o convite a uma gestão frágil”, observa.

“Como nós sabemos a redução da taxa social única incide em cada trabalhador. Quem são as empresas mais beneficiadas? São as empresas de utilização de mão-de-obra intensiva. Quem são? São os call-centers, os grandes centros comerciais, as grandes superfícies, as estruturas que por aí andam a alimentar trabalho pouco qualificado.”

“Era preciso ir proteger certos sectores da indústria que têm estas características? (e que podem continuar a ter). Sim senhor. Era preciso, mas não só. Mas e as empresas com alta tecnologia, com altos salários?” interroga o histórico sindicalista português.

Álvaro Santos Almeida objecta. “A TSU é proporcional aos salários. Uma empresa que tenha trabalhadores qualificados e que, por isso, pague salários mais altos, também paga mais TSU e tem mais redução de custos”, afirma.

Carvalho da Silva concede, mas amplia a discussão: estará em risco o sistema de protecção social? “As contas não são minhas, mas são de vários estudos e relatórios: são precisos 6% da TSU para se conseguir 1% nos custos de trabalho. Só efeito directo?”

“Admito que se multiplique o factor por uma potência de 3 e o efeito não se distancia muito. Ainda esta semana, vi que a compensação em termos de receitas na Segurança Social pela perda de 1% da TSU exigia que houvesse mais 165 mil trabalhadores com salários de 514 euros a contribuir para a Segurança Social”, prossegue.

“Como diz o António Bagão Félix, se isto for para a frente é a machada final no sistema de protecção social. Não sou eu que digo é o António Bagão Félix que diz”, afirma o professor da Universidade de Coimbra. “Mas tem que ser compensado. Não há hipótese”, é o argumento agregado ao debate por Álvaro Santos Almeida.

Carvalho da Silva adiciona mais uma inquietação: “Mas quem vai compensar? É o factor trabalho? Quando falo do factor trabalho não estou só a falar dos trabalhadores por conta de outrem. Estou a falar do factor trabalho na sua globalidade.”

Álvaro Santos Almeida concorda: “Isso é o que falta saber. Não é necessariamente o factor trabalho. É o que falta saber...”, conclui, talvez com a inquietação do adepto portista que, provavelmente, conhecerá muito antes o desfecho do jogo do Allianz Arena.