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Fora da Caixa

Santana recomenda bom senso negocial. "Portugal não tem que ser o bom aluno de ninguém"

27 fev, 2015 • José Pedro Frazão

O antigo primeiro-ministro diz que Portugal melhorou as notas, mas precisa do "encorajamento" que a Comissão Europeia dá a países como a França para o cumprimento das metas do défice. Já António Vitorino saúda a flexibilidade de Bruxelas a bem de toda a zona euro.

Santana recomenda bom senso negocial. "Portugal não tem que ser o bom aluno de ninguém"
O antigo primeiro-ministro diz que Portugal melhorou as notas mas precisa do "encorajamento" que a Comissão Europeia dá a países como França para o cumprimento das metas do défice. António Vitorino saúda a flexibilidade de Bruxelas a bem de toda a zona Euro.

Com a flexibilidade dada a França para cumprir a meta de défice e a renegociação grega em curso, parece haver um novo ambiente negocial na zona euro. Pedro Santana Lopes pede às autoridades portuguesas uma ponderação "séria, serena e rigorosa" da situação. 

"A preocupação de Portugal não deve ser a do bom aluno ou de ter boas notas da parte de seja quem for. Deve dar à Europa uma imagem de sentido de responsabilidade, seja qual for o Governo. Fazer um justo equilíbrio entre aquilo a que está obrigado, aquilo que os outros têm e o que considera ser o seu entendimento das políticas adequadas para conciliar, em simultâneo, a consolidação orçamental e o crescimento", defende o antigo primeiro-ministro, no programa "Fora da Caixa", uma parceria Renascença/Euranet.

Dado por muitos analistas como um possível candidato à Presidência da República, Santana Lopes diz que Portugal "tem que encontrar esta 'bissectriz' do bom senso, no meio deste 'confusionismo' europeu. Tem que encontrar por si próprio e, aí, sim: partir para a negociação. Não por imitações, 'revanches', subserviências, não por nenhum sentimento menor".

No programa "Fora da Caixa", debate com António Vitorino, o antigo chefe de Governo comentou também a "vigilância" a que Portugal está agora sujeito no plano da zona euro. "É bom sairmos do 'mau' para o 'suficiente menos'. Cada país que está neste regime continua a ter pressões, que vão quase todas no mesmo sentido. Aliás, na carta grega, está lá referida também a legislação laboral, mas não diz em que sentido. A questão da rigidez coloca-se a todos os países europeus. Na prática, o que está em causa é o equilíbrio orçamental. Esperemos que sejam tão encorajadores connosco e não castigadores", afirma Santana Lopes.

António Vitorino assinala que Portugal saiu de um regime excepcional para o normal, próprio do chamado "semestre europeu", com os seus próprios critérios. "No caso português, não é difícil de adivinhar que foram encontrados desequilíbrios macro-económicos: a questão da dívida pública, que está ainda muito elevada e que não desceu tanto quanto se previa que pudesse descer. E, sobretudo, a questão do desemprego, que não é um problema exclusivo português, mas que é um elemento de desequilíbrio fundamental", assinala o antigo comissário europeu.

Défice à francesa
No programa que marcou o primeiro ano de emissões semanais, os comentadores do "Fora da Caixa" comentaram a flexibilidade dada pela Comissão Europeia a França, em matéria de cumprimento da meta do défice. Paris tem até 2017 para baixar da fasquia dos 3%, se respeitar um plano de reformas estruturais.

Não foi isso que a troika pediu a Portugal, exigindo a mesma fasquia? "Portugal tinha o acesso aos mercados financeiros vedado em 2011. Não conseguia financiar-se", responde Vitorino, lembrando que a França nunca foi confrontada com uma situação desse tipo.

"Isso significa o relaxamento do cumprimento das metas a partir daqui? Significa que as circunstâncias que levaram a não sancionar a França por não ter cumprido a meta dos 3% no prazo previsto também terão que se aplicar a outros países, desde que adoptem as medidas de trajectória da consolidação orçamental", questiona Vitorino.

Se há dois pesos e duas medidas, "a resposta terá que vir em 2016, quando a União Europeia for chamada a decidir o que é que faz ao caso português, se eventualmente este ano forem ultrapassados os 3%", defende o socialista.

Santana Lopes acredita que há países mais iguais que outros na Europa, lembrando a situação com que se deparou quando liderou o Governo. "Vamos supor que não havia estas intervenções externas nas economias que aconteceram. Se França tivesse falhado, não teria na mesma um comportamento tolerante [por parte da UE]? Teria. Lembro-me que, em 2004, violaram o tecto de 3% e passou-se a puxar mais pelo Pacto de Estabilidade na vertente do crescimento. Aí, quem violou o PEC foi a França e a Alemanha e Portugal teve um procedimento por défice excessivo. Quando eles passaram [dos 3%], fez-se ali uma renegociação do quadro geral. Isso é desconfortável, para usar uma palavra simpática".

Medida acertada
Ainda assim, Santana Lopes e António Vitorino concordam com a decisão de Bruxelas em relação a França. "Acho que este é o caminho correcto, de encorajar em vez de castigar", reconhece Santana, para logo desabafar: "O que nós teríamos adorado ouvir isto aqui há uns anos. Mas pronto, a vida é o que é...".

Vitorino considera que aplicar sanções, agora, só iria agravar uma situação económica europeia que já é de si muito vulnerável. "Não é um problema de ser laxista. É ser razoável. A razoabilidade e o bom senso são dos bens mais raros existentes à face da Terra. Não creio que nos devamos enredar numa lógica de pequenos contra grandes - 'isto é assim porque os grandes estão em causa e não é assim com os pequenos' - porque, quando a solução é a mais razoável para garantir que o conjunto da União Europeia beneficia, devemos apoiá-la".

O antigo comissário europeu sublinha que a interpretação com flexibilidade do Pacto de Estabilidade e Crescimento passa por considerar a evolução do ciclo económico. "Hoje, a Europa está numa situação à beira da deflação, numa situação de crescimento muito anémico e, nalguns casos, até de crescimento negativo. Nesse sentido, a decisão que a Comissão tomou faz sentido, na medida em que não visa agravar por si uma situação já difícil, mas criar alguma margem adicional para que os países consigam recuperar a sua trajectória económica".

O programa Fora da Caixa é uma parceria Renascença/Euranet, para ouvir depois das 23h00 de sexta-feira.