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Reportagem

"Gregos portugueses". Restaurante põe Syriza como ingrediente do futuro, farmacêutico não o receita

20 jan, 2015 • João Carlos Malta (texto) e Inês Rocha (vídeo)

A nacionalidade une aquilo que os separa na hora de traçar os cenários que podem sair das eleições de domingo. Um olhar para a Grécia feito por gregos que vivem em Portugal, a mais de quatro mil quilómetros de distância.

"Gregos portugueses". Restaurante põe Syriza como ingrediente do futuro, farmacêutico não o receita
A menos de uma semana das eleições na Grécia, a Renascença falou com dois elementos da comunidade grega em Portugal. Duas visões opostas com um elo comum: a certeza de que futuro do país que os viu nascer terá um capítulo decisivo no próximo domingo.

O tema central das eleições gregas de domingo é a possível vitória do Syriza, da esquerda radical, as ondas de choque e as réplicas que essa mudança poderá provocar em Atenas e na Europa. Por isso, primeiro, as declarações de interesses de Konstatinos e de Fillipos. "Não acho bem o governo da Grécia ser comandado pelo Syriza", diz o primeiro. "Se for eleito, não vai ser bom para a Grécia. Vai ser bom para todo o Sul da Europa", diz o segundo. Em comum, estes dois gregos têm a escolha que fizeram por Portugal para constituir família ou crescer no mundo dos negócios.

Há ainda outro factor determinante que junta estes dois homens, um denominador comum que partilham com a sociedade que os acolheu: desconfiam dos políticos. "Foram feitas muitas promessas, mas as coisas não vão mudar de um dia para o outro. E o não cumprimento das mesmas pode levar a uma situação extrema e a uma instabilidade ainda maior para o país", defende Konstantinus, um dos 150 gregos que actualmente vivem em Portugal.

"Os políticos dizem muita coisa, mas quando chegam lá...", atira Filippos. De imediato, voa através da retórica até à América Latina e aterra no Brasil para dar o exemplo de Lula: alguém que prometeu muito antes de alcançar o poder e que lá chegado não foi assim tão diferente, diz.

"Para mim os políticos são todos iguais. Antes de serem eleitos prometem muitas coisas, mas quando chegam ao Governo vêem qual é a realidade", critica.

Nenhum deles votará no próximo dia 25 de Janeiro porque não o poderiam fazer em Portugal. Teriam de se deslocar a Madrid.

Aventura ou panaceia?
Mas comecemos por Konstantinos Saccas, um grego que chegou a Portugal no ano em que também o FMI aterrava no país pela segunda vez. Estávamos em 1983. Veio para estudar engenharia, completou o curso e casou em Portugal. Teve dois filhos. Mas, apesar das três décadas em Portugal, este gigante grego (tem mais de dois metros de altura) mantém uma ligação umbilical à Grécia que se molda pela família que lá mantém.

Sente que domingo é um dia decisivo para o futuro, numa altura em que as sondagens dão o Syriza como o grande candidato à vitória.

"Nos contactos com a família, eles falam de uma situação completamente diferente, só comparável à que se viveu [na década de 1980] quando o poder mudou da Nova Democracia para o PASOK. Neste momento, está-se a viver uma situação paralela", revela.

"O povo grego pode ser levado numa aventura", diz Saccas. Refere-se a uma possível vitória do partido de Tsipras. Mas deixa um augúrio para o futuro: "A instabilidade existirá sempre porque nenhum partido vai conseguir ter maioria absoluta", afirma este engenheiro, que é director de produção da farmacêutica Lusomedicamenta, que tem uma unidade fabril que emprega mais de 350 pessoas em Queluz.


Konstatinos Saccas está em Portugal há 30 anos. Teme que os gregos entrem num aventura chamada Syriza. Foto: Inês Rocha

O mesmo facto tem outra leitura se passarmos a palavra ao dono do restaurante Ilhas Gregas, na Madragoa, em Lisboa. "Pior do que já passamos não será, independentemente de quem ganhar", acredita Filippos Gavriilidis, que além do negócio de restauração é também responsável por uma importadora de produtos gregos para o mercado nacional.

E Fillippos estrutura esta ideia com base no interesse alemão. "Têm interesse que a Europa vá para a frente porque os produtos deles se vendem em Portugal e na Grécia. Se não os pudermos comprar, as fábricas deles não vão poder funcionar", acrescenta.

Syriza, sim. Mas com linhas vermelhas
A confiança de Fillippos no Syriza e na mudança prometida é, no entanto, comedida. Ganha força sobretudo nos limites que uma coligação lançará a Tsipras. E não é tanto pelo que Alexis promete. "O governo grego será feito com outros partidos que têm limites vermelhos para cooperar com o Syriza. Esses limites não podem ser ultrapassados. Se forem, não haverá governo", adianta.

Gavriilidis lembra, no entanto, que não há grande tradição dos gregos para governarem em coligação. O sistema eleitoral, que lhe merece muitas críticas, favorece a formação de maiorias. Este grego explica que um partido com pouco mais de 35% pode ter maioria absoluta. Isto porque o vencedor recebe à partida 50 deputados, só por ganhar as eleições.

Avança ainda que para eleger um representante para o parlamento helénico é necessário no mínimo 3% dos votos. Isto quer dizer que se houver, em limite, três partidos com menos de 3%, mas que alcancem uma votação percentual a rondar 10%, os representantes correspondentes a essa votação são distribuídos pelos dois partidos mais votados.

Filippus acredita que uma vitória do Syriza levará a negociações entre partidos porque quem ganhar "não vai resolver o problema sozinho". Apesar da falta de experiência e tradição grega nesta matéria, o empresário afirma que terá de haver coligações. É através da negociação entre partidos que o problema grego poderá ser resolvido, acredita.

E justifica-o com a vontade que 70% da população grega tem em permanecer no euro. Uma situação que, defende, é do interesse da Europa e da Grécia. A dívida nos moldes actuais é impagável, segundo diz, mas é do interesse de todos que seja paga. "A desvalorização de 30% que resultará do regresso ao dracma [antiga moeda da Grécia] fará com que essa quantia nunca seja paga", reflecte.


O dono do Ilhas Gregas garante que desta vez não é só conversa de políticos: há mesmo uma crise humanitária na Grécia. Foto: Inês Rocha

Konstantinus lamenta se a Grécia sair do euro porque o que se seguirá não tem outra definição: "Será um desastre". "A Grécia vai entrar numa situação em que não tem indústria pesada, não tem matérias-primas, tem apenas 10 a 15% do que precisa. Será muito complicado dar a volta", resume, garantindo ainda que a renegociação da dívida não levará a nenhum lado. "Será apenas empurrar com a barriga", rotula.

Crise humanitária? Entre o "nem por isso" e o "sem dúvida"
Alexis Tsipras baseia muito do seu discurso sobre a necessidade de a Grécia quebrar com alguns dos compromissos acordados com a Europa com a existência de uma crise humanitária, para a qual o seu programa de governo prevê dois mil milhões de euros.

Também aqui as visões de Saccas e Gavriilidis se separam. O engenheiro reporta-se à última estadia na Grécia durante o Verão do ano passado. Pensa que muito do que passa para fora do país é empolado pela comunicação social. "Vi as pessoas a viverem normalmente. Há situações extremas, muitas pessoas na rua, mas muitas delas não são gregas. Vêm de outros países", sublinha.

Já o dono do Ilhas Gregas não tem dúvidas: a crise humanitária, desta vez, não é só conversa de político. É mesmo a valer. "Os gregos eram um povo muito alegre e uma parte deles perdeu o trabalho, perdeu a esperança, pelo menos nas grandes cidades. Há 25% de desemprego, em cada quatro gregos um não tem trabalho. Sabe o que é isso?", questiona.

Olhar para a frente
Mas e o futuro como será, depois de domingo? Que Grécia será possível? "Defendo que na Grécia sigamos um modelo parecido com o que se fez na Islândia. Para que é que precisamos de 300 deputados e de 40 ministros?", pergunta Konstatinus Saccas. Seguir o programa do Tsipras, garante, só levará a que mais empresas e divisas saiam do país e se desloquem para a vizinha Turquia.

"Pior do que já passamos não será, independentemente de quem ganhar", contrapõe Fillipus Gavriilidis, que diz que, mesmo que não ganhe o Syriza, o poder de negociação de qualquer partido que vença as eleições com a Europa será maior.

Uma Europa que tem forçado um discurso repletos de avisos para o resultado das eleições gregas. Como é que um grego olha para essas declarações dos dirigentes alemães, franceses, mas também de instituições internacionais como o FMI?

O empresário da restauração diz que quando a situação na Grécia não estava tão polarizada o registo era até pior. "Eram mais brutais, os alemães até escreviam que os gregos tinham de votar na Nova Democracia."