Tempo
|

Álvaro acusa Portas de dar "jobs for the boys"

05 dez, 2014 • João Carlos Malta

Ex-ministro da Economia escreveu um livro sobre a passagem no Governo. Há de tudo: intriga política (Portas é personagem principal), luta contra lóbis e revelações dos bastidores das negociações com a troika.

Álvaro acusa Portas de dar "jobs for the boys"
O ex-ministro da Economia Álvaro Santos Pereira revela que era bem conhecida no Governo a forma como o líder do CDS fazia questão de "negociar ao milímetro as nomeações com o aparelho do PSD". E dá casos concretos em que diz que o PSD nem queria intervir, mas o CDS quis influenciar: a Anacom (sem êxito, afirma), a ANA e a Metro/Carris.

As críticas estão no novo livro de Álvaro Santos Pereira, "Reformar Sem Medo: Um Independente no Governo", que já está nas bancas. No texto há críticas à troika, aos lóbis, ao "país que venera formalismos" e a Paulo Portas.

Numa das passagens do terceiro capítulo, "Um ministério ingerível", o autor conta um episódio que ilustra a sua percepção sobre de onde vinham as criticas para a ingovernabilidade do ministério. E desvenda-lhes o sentido.

Começa com a conversa com um colega de Governo: "Disse-me uma vez que havia a percepção de que as coisas não andavam no ministério da Economia e do emprego. Perguntei que coisas eram essas. As reformas? Não, disse ele, as reformas estavam a ser feitas e até tínhamos feito um bom trabalho. Os cortes nas rendas e o combate aos interesses instalados? Não, isso, nós também tínhamos feito. A reforma do Estado no que dizia respeito ao ministério e a reestruturação das empresas públicas? Não isso também foi alcançado e bem, respondeu-me. Então o que é que falta?, perguntei. 'Sabes', respondeu ele, 'o partido queixa-se que as nomeações nunca mais arrancam, que vocês demoram muito a substituir os socialistas que lá estão'".

Este é o momento em que o ex-ministro da Economia assume que percebeu que as ineficiências estavam na demora de nomear os "correligionários" dos partidos. Assume que aí falhou.

"Os aparelhos dos partidos ficaram deveras inquietos pelos seus não terem tido devida e atempadamente recompensados num ministério que poderia dar emprego a tanta gente cujo único mérito era um cartão de militante partidário. Uma chatice de facto", ironiza.

Da constatação parte para a defesa e para o ataque. Defende Passos Coelho, que "sempre teve a postura de tentar escolher os melhores e não mover-se por interesses e pressões partidárias".

E ataca Portas: "Mas era bem conhecido internamente que o líder do CDS fazia questão de negociar ao milímetro as nomeações com o aparelho do PSD".

Álvaro dá a estocada final com uma tirada mortal para quem queira dizer que não houve "jobs" para os "boys": "No entanto, de certa forma e até certo ponto, é natural que isso aconteça. Contrariamente ao PSD e ao PS, o CDS é um partido pequeno, com acesso menos frequente ao aparelho de Estado, pelo que, quando tem essa oportunidade, tenta aproveitá-la para recompensar os seus".

Os bons, os maus e o vilão
"Reformar Sem Medo: Um Independente no Governo" não é um romance. Mas tem tudo o que os clássicos devem ter.

Tem intriga, tem os "bons" (o próprio Álvaro e a equipa que liderou), os "maus" encarnados pelos lóbis que aparecem personificados em sectores da energia, às PPP, com passagem pelos casinos. Mas acima de todos há um vilão, um maior do que todos e que paira por quase toda a passagem do "independente sem medo" pelo Governo: Paulo Portas.

A intriga que Álvaro nos conta no livro não é palaciana, mas de um subgénero derivado: o político. Reserva-lhe um capítulo. O ataque a Portas é frontal e sem tréguas. De intriguista a chantagista, sem esquecer o epíteto de quem não olha a meios para atingir o seu fim: ficar com o Ministério da Economia. Está lá tudo.

O homem que agora trabalha na OCDE até começa por dizer que a intriga, apesar de a abominar, é intrínseca à política. Faz parte do jogo. Mas tem de ter regras. E é aqui que começa a destapar a cortina sobre o especialista que encontrou na arte de intrigar no Governo. Não sem antes citar Churchill numa apropriação livre: os adversários estão na oposição, os inimigos dentro do Governo.

O "clímax" da intriga, segundo Álvaro, tem uma data marcante: Julho de 2013. Refere-se ao episódio do "irrevogável", que classifica de "absolutamente inaceitável e que poderia ter lesado dramaticamente o país".

Álvaro diz que, durante os dois anos em que esteve no Governo, foi alvo de um ataque cerrado com vários capítulos: a tutela da AICEP (agência de promoção do investimento externo), a Concertação Social ou o ataque que promove aos lóbis. Diz que desde cedo percebeu de onde vinha o "fogo amigo".


Episódio do "irrevogável" "poderia ter lesado dramaticamente o país", escreve Álvaro. Foto: Lusa

Na luta política dentro do Governo até tinha outros inimigos, entre os quais Vítor Gaspar. Mas logo separa águas. O ex-ministro das Finanças é "uma pessoa íntegra e honesta". "Ao contrário de outros."

O "outros" tem um destinatário, o mesmo que lhe ligou no início de Julho para comentar a saída de Gaspar. Nessa chamada telefónica, Paulo Portas terá dito que ficou desapontado com a escolha de Maria Luís, "mas estava descontraído", recorda. Álvaro conta ainda que o líder do CDS lhe confidenciou que "não conhecia bem" a nova ministra das Finanças e que preferia Paulo Macedo.

Mais tarde, esta escolha de Passos Coelho foi dada como argumento decisivo para Portas querer abandonar o Governo. Foi a gota de água, disse-se.

Álvaro coloca o leitor dentro do cenário que rodeou o momento em que soube da demissão de Portas. Em Berlim, numa reunião, com a ministra do Emprego alemã, cai-lhe a bomba pelo telemóvel. Entramos, logo de seguida, na cabeça de Álvaro: "Pensei que tínhamos acabado de deitar o trabalho dos últimos dois anos para o lixo… os sacrifícios dos portugueses tinham ido para o lixo… tudo".

Daí em frente descreve toda a apreensão com que os parceiros europeus presentes na reunião olharam a atitude de Portas. O passo seguinte é uma reflexão pessoal. Sai da capital da Alemanha a pensar que era muito provável que Portas reivindicasse o Ministério da Economia. Mas ele já tinha uma decisão: com Portas nunca mais. "Não havia condições para continuar no Governo se Paulo Portas permanecesse no Executivo. Há limites que não devem ser ultrapassados".

O telefonema de Passos Coelho que lhe promete anunciar as conclusões das negociações com o CDS lá acontece. Santos Pereira já sabe o que iria ouvir, até porque os jornais já o noticiavam, mas pede ao primeiro-ministro para a conversa ser presencial. A descrição do encontro é que Passos foi "esclarecedor e cordial".

O académico que dois anos antes tinha vindo de Vancouver disse-lhe duas coisas: não seria ele a contribuir ainda mais para a instabilidade, mas achava que o Ministério da Economia devia ficar com o PSD. Não ficou.

Um "sapo" difícil de engolir
No fim deste capítulo, Santos Silva deixa duas passagens arrasadoras para o seu "vilão". Um "sapo" que sempre lhe custou engolir.

A primeira: "Eu sei que a política é política. E que, por vezes, é preciso engolir sapos para atingirmos os nossos objectivos. Contudo, há limites. Por isso, uns dias mais tarde, no debate, da Moção de Censura apresentada pelos Verdes, quando a presidente da Assembleia da República anunciou que Paulo Portas ia discursar, eu sai do Hemiciclo e só voltei a entrar quando o discurso acabou. Na tomada de posse dos novos ministros optei igualmente por não ir, pois recusei-me a apertar a mão a alguém que tinha feito algo tão prejudicial ao país."

Acaba a dizer: "O que me é insuportável é a intriga pela intriga, é os políticos fazerem tudo o que está ao seu alcance, sem olhar a meios, para ter mais poder ou ganhos. Isso é profundamente lamentável, errado…. Em qualquer outro país minimamente avançado e democrático essas acções nunca seriam perdoadas, nem pela opinião pública, nem pela imprensa e muito menos pelo próprio partido. Por isso, é chocante e é pena que os agentes políticos e a imprensa não tenham actuado em conformidade com alguém que assim agiu".

E, por fim, interroga: "Porque será?".