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Entrevista

CEO da Bulldog. O gin está a ganhar a guerra com a vodka em Portugal

24 out, 2014 • João Carlos Malta

Em Portugal para falar a alunos de MBA, Anshuman Vohra, dono de uma das mais conhecidas marcas de gin no mercado português, concedeu uma entrevista à Renascença. O gestor, de 36 anos, já consegue servir o gin britânico em 55 países e deseja triplicar, em dois anos, o número de mercados. A ideia inicial para a Bulldog foi simples: ocupar uma falha de mercado.

CEO da Bulldog. O gin está a ganhar a guerra com a vodka em Portugal
Joana Bourgard/RR
Pode um dia um gin ser o Jack Daniels do seu segmento? Pelo menos a ambição de lá chegar existe. Pertence a Anshuman Vohra, director executivo (CEO) da Bulldog. E que é que significa? Estar em todos os bares do mundo.

O objectivo ainda está muito longe, mas mais perto do que em 2007 quando Vohra saiu da banca de investimento (trabalhava para a JP Morgan). Em sete anos multiplicou por 15 a facturação da empresa, que já está em 55 países. O mercado português está no "top 5" das vendas da Bulldog.

Anshuman Vohra esteve esta semana em Portugal para uma palestra aos alunos do Lisbon MBA. Em entrevista à Renascença, aconselha a não pedir dinheiro emprestado à família ou amigos quando se está a começar um negócio: aumenta o peso de responsabilidade e o medo de fracassar. Admite ainda que esteve para fechar em 2009 e a dificuldade que teve em resistir à crise e dá conselhos aos empreendedores portugueses. Há algo grátis quando se monta um negócio: o erro dos outros.

Na batalha com a vodka, bebida com quem compete no sector "premium", esta destilação de origem britânica composta por 12 botânicos, com elementos que têm origens tão distantes como Espanha ou a China, está a ganhar, segundo Anshuman Vohra.

Começou a vender o Bulldog de porta-a-porta. A visão e as perspectivas que tinha no início coincidem com o actual estádio em que a empresa está?
Sim e não. Nos últimos anos não, mas no próximo ano penso que chegaremos lá. Acho que ainda estamos a um ou dois anos atrás, comparado com o nosso plano de negócios. Mas não quero saber. As previsões eram diferentes numericamente, mas acredito que a profundidade e a visão da marca, e a nossa presença no mundo está perto do que em pensava.

Para construir uma marca, quais são as principais etapas a percorrer?
Em primeiro, ter um produto que seja bem diferenciado do que existe no mercado, e que rapidamente consiga criar uma ligação emocional com o consumidor. Isto é em relação ao produto. Depois, temos de nos concentrar numa distribuição inteligente. Mas temos sempre de ter dinheiro para informar os consumidores, numa base constante, que existimos. Tudo para mostrar o porquê de o produto ser bom e se enquadra no estilo de vida de quem nos compra.

Já disse que é um erro tentar angariar financiamento junto de familiares e amigos. Porquê?
Não disse que era um erro, apenas que seria uma faca de dois gumes. É o mais natural a fazer, porque são os que estão mais perto. Mas o reverso da moeda é que acabamos por ver essas pessoas sempre e se as coisas não correrem bem e se se perder dinheiro é muito complicado. O dinheiro é algo que as pessoas levam de forma muito pessoal. Olhar para elas e pensar que perdi o dinheiro que lhes pertencia é muito duro. Tudo isso faz com que, no caso de falharmos, as coisas se tornem mais pessoais.

Em Portugal estamos a viver um extraordinário "boom" de vendas de gin. Como é que explica o fenómeno?
Não queria ofender os portugueses, mas penso que essa moda começou em Espanha. Depois chegou a Portugal e ao resto da Europa. No caso português, há condições para esse sucesso. É um país historicamente líder na gastronomia e as pessoas estão disponíveis para gastar dinheiro em produtos de qualidade, mesmo com as condições económicas tão degradadas. Portugal têm ainda água tónica de grande qualidade também, o que é muito importante no segmento "premium". Ou seja, há condições para o sucesso e os consumidores percepcionam que vão ter um sabor e uma experiência superiores ao que tinham no passado.

Como é que se explica que um país tão pequeno como este seja o vosso segundo maior mercado?
Isso era no ano passado, mas continua no "top 5". Não sei como explicar. Apenas posso agradecer a Deus. Para mim, é espectacular vir a Portugal. É um país encantador, com pessoas e uma comida extraordinárias. Também penso que se tratou de uma questão de "timing", fomos os primeiros a chegar. Penso que aqui não é preciso passar muito tempo a explicar o porquê de o Bulldog ser bom e por que é que se deve gastar dinheiro numa garrafa. As pessoas experimentam e em 99% dos casos voltam a comprar.

OTrabalhou muitos anos na JP Morgan. Há alguma similaridade entre a banca de investimento e ser dono de uma empresa de gin?
Ambos são extremamente stressantes. Todas as decisões ou escolhas que tomamos agora vão ter impacto num espaço de cinco anos. Temos de ter uma visão de longo termo. O plano financeiro é crucial para nós agora, como era na banca. O pensamento estratégico também. E na banca aprendi o que é que interessa aos investidores, bem como a forma como avaliam um negócio.

Também em Portugal há alguns empreendedores que estão a começar negócios nesta área. Que conselhos tem para eles?
Fico muito feliz sempre que vejo aparecer um empreendedor mesmo que se trate de um competidor. Penso que essa é a forma de sair mais depressa da crise. O meu conselho é que se foquem no produto e que saiam para o dar a conhecer e explicar o que é que o faz especial. Penso que estamos a assistir a um fenómeno em que muita gente está a lançar novos gins, apenas porque é moda. Isso é um problema. Eu lancei o Bulldog porque havia uma falha no mercado e queria mudar a maneira como as pessoas pensavam e experienciavam o gin. Agora lançam-se gins sem nenhuma diferenciação e sem razão para existirem. Por isso, penso que se devia pensar no porquê de lançar a bebida e como é que ela se poderá inserir no estilo de vida das pessoas.

Em Portugal começamos a ter algumas marcas de gin. Já provou alguma?
Sim, já provei a maioria. São interessantes, óptimas bebidas. Gosto do sabor. Para mim, um gin não é, no entanto, apenas o sabor, é também a experiência e como está construída. E igualmente a ligação emocional.

Acha que conseguiu fazer uma revolução neste mercado?
A história dirá quem fez ou não uma revolução. Essa é uma expressão é muito forte. Mas estou contente por ter tido uma ideia que está a ser bem-sucedida e em que as pessoas se mostram disponíveis para gastar dinheiro.

Acaba por fazer muitas comparações entre o gin e a vodka. O gin está a ganhar esta guerra?
Sem dúvida. Na Península Ibérica e no Sul da Europa então não há sequer comparação. Nos Estados Unidos já não sei se será verdade. Mas não estou à espera do dia em que o gin venda mais do que a vodka, apenas estou preocupado em que as pessoas gostem de Bulldog. Mas se acredito que o gin "premium" vende mais do que a vodka "premium"? Não há dúvida. Os números confirmam-no. Mas no quadro geral, penso que a vodka tem maior dimensão, pelo que há um longo caminho a percorrer. Mas o nosso percurso está a ser feito com a forma como estamos a reinventar a forma de beber.

Consegue dizer o que é mais importante na construção de uma marca: a qualidade ou o estilo de vida que se lhe associa?
É muito complicado dizer o que é mais importante. Posso dizer que num primeiro nível, se não se tiver um produto com qualidade é difícil ser líder num mercado "premium". As pessoas podem comprar uma vez, mas não compram mais. Pode-se enganar uma vez [as pessoas], mas não duas. Mas o marketing e a comunicação sentimental são muito importantes. Quando gastamos 27 euros numa garrafa de Bulldog, que é uma marca aspiracional, queremos que isso diga alguma coisa sobre o cliente e sobre a forma como este se vê.

No vosso caso em que é que estão mais focados?
A nossa receita para o Bulldog nunca mudou. Não vou dizer que somos melhores, mas não há ninguém melhor. Nós agora queremos que toda a gente nos conheça e estar em todo o lado para explicar o que é que faz de nós especiais.

Num mercado cada vez mais concorrencial como aquele em que o gin se está a tornar, o que é que o protege de uma empresa que copie o vossa receita e o venda mais barato?

Não somos uma mercadoria. Por que é que as pessoas compram Ferraris e eles não estão assustados que passem a comprar Hondas? Não se pode comparar um gin do tipo da Bulldog com uma bebida "standard". Nunca poderão competir uma com a outra. É o mesmo produto mas são mercados diferentes. Não estou preocupado com isso, porque ao nosso cliente não é motivado pelo dinheiro. É a qualidade e o aspiracional que estão no topo da pirâmide. E está disposto a pagar mais por isso.

No início da experiência como empreendedor qual foi a maior dificuldade que teve e como o resolveu?
"Wow", tivemos tantas. A principal é que eu não sabia bem o que estava a fazer. Senti que não estávamos a conseguir angariar dinheiro suficiente. Como o resolvi? Arranjei mais. Os erros dos outros são a forma mais barata de aprender, e a melhor. Eles fazem o erro, as consequências ficam com eles, mas nós podemos analisá-las e beneficiamos com isso. Também não sabia o quão difícil é construir uma marca neste mercado. Não estudei o suficiente este negócio.
 
Qual foi a decisão mais complicada desde que é CEO da Bulldog?
[Pausa] Não fechar a empresa em 2009. Uma parte de mim dizia: "Isto não está a funcionar, o mercado está em quebra, vou devolver o dinheiro aos investidores e voltar para a banca". Pensava que eram dias negros de que não mais sairíamos. A decisão difícil foi continuar, e pensar que melhores dias viriam. Apesar de o sentimento geral ser muito negativo para continuar.

Uma das características que associa ao gin que produz é ser "sexy". Mas Bulldog não é um nome muito "sexy"...
O nome é motivado pela minha paixão pelo Winston Churchill [tinha a alcunha de "Bulldog"]. Ele era o bulldog inglês original. E que representa a autoconfiança, a integridade e a perseverança. Era esse espirito de independência que precisamos todos os dias para tornar a Bulldog uma marca.