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Ricardo Salgado

O "workaholic" que mandava no banco dos regimes

25 jul, 2014 • Pedro Rios

Ascendeu e caiu. Um novo livro, "O Último Banqueiro", conta a história de Ricardo Salgado, o "Dono Disto Tudo", o banqueiro de que o país mais tem falado nos últimos meses.

O "workaholic" que mandava no banco dos regimes

As hiperligações da Wikipédia para a “nota biográfica” de Ricardo Salgado levam-nos agora para a mensagem do seu substituto, Vítor Bento, aos clientes. Mas a carreira do ex-homem forte do BES não se apaga: está presente em múltiplos momentos da vida política e económica recente da história do país.

“Há uma diferença entre Ricardo Salgado, Carlos Santos Ferreira, Fernando Ulrich e Fernando Faria de Oliveira: um é banqueiro e os outros estão à frente de um banco”, escrevia o “Diário Económico” quando, em 2011, Salgado recebeu o sexto prémio nos galardões “CEO em Destaque”.

A história de Ricardo Salgado é alvo de um livro acabado de editar, “O Último Banqueiro – Ascensão e Queda de Ricardo Salgado”, das jornalistas do “Jornal de Negócios” Maria João Babo e Maria João Gago.

“Workaholic”, pouco dado a férias, Salgado “nasceu para ser banqueiro”, escrevem as jornalistas. Era “conhecido nos meios financeiros lisboetas por DDT, abreviatura de Dono Disto Tudo”. “Construiu e cultivou a aura de todo poderoso – o que lhe valeu ainda mais poder”.

“Um banco de todos os regimes”
Diz-se que era o banqueiro do regime. Mas era mais do que isso, como ele próprio admitia. Porque Salgado era o líder de um banco de origem familiar quase a completar 150 anos de existência, “um banco de todos os regimes”, pois “tem de dialogar com todos os governos e todos os regimes” – da monarquia à ditadura, do Portugal com sonhos vindos da Europa ao país da crise. Mas, dizia, tinha amigos “em todos os partidos”.

“[Salgado] Tem a secreta missão de ajudar a construir o país, e isso levou-o sempre a ser o banqueiro do regime, aquele que está sempre disponível para colaborar com os governos”, escreveu o “Diário Económico”.

O nome Espírito Santo – “a mais antiga família da alta finança do país”, lembrava o Económico no mesmo artigo - esteve sempre ligado aos regimes vigentes.

Ricardo Espírito Santo Silva, avô de Ricardo Salgado, era visto como o banqueiro do Estado Novo. O tio-avô de Salgado, Manuel Espírito Santo, chegou a ser convidado por Marcello Caetano, presidente do Conselho, para ser embaixador de Portugal nos Estados Unidos. Richard Nixon, príncipes e reis eram visitas de casa de Manuel Espírito Santo.

Até à revolução de 1974 (que obrigou o clã a sair do país – foi para o Brasil e a Suíça), os Espírito Santo estavam presentes nos mais diversos sectores da economia nacional (dos pneus ao gás, da celulose às cervejas, do cimento ao tabaco), lemos em “O Último Banqueiro”.

Com as nacionalizações de 1975, perderam quase tudo. Mas regressaram a Portugal nos anos 1980 e conseguiram recuperar ou construir de raiz diversos negócios em múltiplas áreas, da banca aos seguros, do imobiliário à energia.

Mário Soares ajudou a família a voltar em Portugal e a reaver o controlo do banco, perdido nas nacionalizações de 1975, favorecendo diplomaticamente a aliança com a francesa Crédit Agricole.

Elogios a Sócrates e Passos
Salgado frequentava os círculos do poder, era ouvido por ministros e primeiros-ministros. Foi por duas vezes convidado por Francisco Pinto Balsemão para as reuniões do grupo de Bilderberg, que, desde 1954, reúne os maiores representantes da elite política e empresarial mundial. Salgado ouviu-os, mas não discursou.

José Sócrates criticou Passos Coelho, Passos Coelho criticou José Sócrates. Mas Ricardo Salgado gostava dos dois.

Ricardo Salgado gostava do impulso modernizador de Sócrates. Foto: Lusa

De Sócrates elogiou a vontade de fazer grandes obras (a ligação de TGV até Espanha, o novo aeroporto de Lisboa, o Plano Tecnológico, o PEC IV). De Passos disse que estava a “actuar de forma excelente”, apenas dois meses volvidos sobre as eleições legislativas.

Sócrates ouviu os seus conselhos quando, em 2011, resistia a pedir a ajuda externa.

“Não me embarace”
O BES era muitas vezes mais rápido do que a Caixa Geral de Depósitos a aprovar financiamentos ao sector empresarial do Estado. Um banco privado que “não deixa de ser um instrumento de apoio ao desenvolvimento da economia”, disse um banqueiro concorrente de Salgado às autoras de “O Último Banqueiro”.

Sob a sua presidência executiva, que durou entre 1992 e Junho de 2014, Salgado construiu um banco voluntarista. Um banco que, mesmo sem interesse económico, admitia “estudar” a hipótese de ajudar a recuperar o Banco Privado Português “se o Estado o solicitar”.

Ajudou a PT a derrotar Belmiro de Azevedo aquando da OPA (oferta pública de aquisição) à empresa de telecomunicações. Sem nomear, Belmiro de Azevedo apontou o dedo ao BES, em entrevista ao “Público”: “A vitória é tristemente a dos bloqueadores do progresso, de uma instituição que tem uma longa história de relações especiais com quase todos os governos.”

Manuel Pinho, um dos muitos governantes com "marca" BES. Foto: Lusa

Dezenas de quadros do BES passaram por vários governos (um em cada, refere “O Último Banqueiro”) – tal como acontece com outros bancos, refira-se. Dois exemplos: o social-democrata Durão Barroso foi conselheiro do BES, o socialista Manuel Pinho era administrador e assumiu o cargo de ministro da Economia de Sócrates.

“Tente não dar muito nas vistas. E não me embarace”, terá dito o banqueiro a Pinho, refere o livro. Quando saiu do Governo, teve direito a um lugar simbólico na administração do BES África.

O inédito puxão de orelhas
Um episódio relatado no livro ilustra o seu poder na sociedade portuguesa.

Salgado tinha manifestado, a 3 de Junho de 2013, dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida pública. Vítor Gaspar, então ministro das Finanças, não gostou e, numa reunião com a Associação Portuguesa de Bancos, “puxou as orelhas” a Salgado (que não estava presente – Amílcar Morais Pires, seu braço direito, representava o BES no encontro).

Diz o livro que os sete membros da direcção da Associação Portuguesa de Bancos e o ministro da Economia Álvaro Santos Pereira “paralisaram perante o inédito da situação. Nunca um governante tinha censurado de forma tão implacável o decano dos banqueiros portugueses”.

Mas a influência fez-se acompanhar de tensões múltiplas: casos de justiça (em Portugal e no estrangeiro), guerras com José Maria Ricciardi, Pedro Queiroz Pereira e Álvaro Sobrinho, um buraco no banco em Angola, alegadas irregularidades nas contas da Espírito Santo International e o alegado envolvimento no caso Monte Branco, no qual foi constituído arguido esta quinta-feira.

Em Maio de 2013, a poucas semanas de fazer 69 anos, Salgado dizia ao “Diário de Notícias” estar disponível para ser reeleito presidente do BES quando o seu mandato acabasse, no final de 2015.

“Esta crise é uma crise que requer experiência. Passei por vários temporais e sempre ouvi dizer que os marinheiros mais experientes são os que conduzem melhor as embarcações quando há um temporal muito grande”.

A crise e os escândalos ditaram a queda de Salgado, em Junho de 2014. O barco de Salgado não resistiu.

Fonte: “O Último Banqueiro”, de Maria João Babo e Maria João Gago (Lua de Papel, 2014)