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ENTREVISTA

“Sou trigo minhoto, preparado no forno alentejano”

26 jun, 2014 • Rosário Silva

Do Alentejo para o Minho, D. Francisco Senra Coelho, em entrevista à Renascença fala do seu percurso de vida, dos desafios que se colocam na missão que agora abraça e da necessidade de a Igreja ter capacidade para seguir a “pedalada” do Papa.

“Sou trigo minhoto, preparado no forno alentejano”
D. Francisco José Senra Coelho é ordenado bispo auxiliar de Braga às 16 horas deste Domingo, dia 29, festividade de S. Pedro e S. Paulo, na Sé de Évora. D. José Alves é o arcebispo ordenando principal e concelebram D. Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz de Braga e D. Maurílio de Gouveia, Arcebispo emérito de Évora.

Antes da sua ordenação episcopal esteve em retiro na Cartuxa de Évora, que sentimento o invade neste momento?
Eu sinto neste momento uma gratidão muito grande a Deus pela sua bondade e pela sua misericórdia. Esta é uma grande convocatória que o Senhor me faz, a aprofundar a maturidade da minha fé, a cristianizar evangelizando a minha vida, para conseguir ser a presença do Senhor. Ter o sinal do seu amor em mim para os meus irmãos a quem vou ser enviado porque são os discípulos do Senhor, que Ele também chamou e por isso, para eles, eu tenho de levar o amor do Mestre.

Escolheu como lema episcopal “Que Ele cresça e eu diminua”. Porquê?
Eu fui ordenado diácono em Dezembro de 1985. Nesse tempo vivíamos com muita intensidade o pontificado de João Paulo II que desafiava a uma Europa que precisava de se reencontrar, que deixou secar as raízes da sua origem cristã. Fazer a nova evangelização da Europa, com novos métodos, com novo ardor, com novos meios, era o desafio do Papa. Fui ordenado diácono neste contexto e escolhi como frase: “Que Ele cresça e eu diminua”. No fundo a evangelização faz-se neste espírito de serviço, nesta doação, nesta entrega.

Quando cheguei ao dia 29 de Junho de 1986, ao ser ordenado presbítero, voltei a escolher a mesma frase, porque não estava ainda suficientemente assimilada por mim. Passaram 28 anos. Ao surpreender-me com esta chamada ao episcopado, eu compreendi que ainda estou muito longe de viver esta palavra. Decidi não mudar a frase porque ainda sou um principiante, um aprendiz de cristão. Vamos ver se no fim da minha vida, na hora da partida para a casa do Pai, eu serei capaz de dizer que fui crescendo na dádiva e que fui morrendo no egoísmo.

No Domingo faz 28 anos de sacerdote, como disse. Está no Alentejo há mais de 30 anos. O que leva daqui?
Eu estou no Alentejo há 34 anos. Cheguei à região para os seis anos de formação sacerdotal no Instituto Superior de Teologia de Évora e no Seminário Maior. Nasci, fui baptizado e fiz a catequese em Moçambique. Vim de lá com 14 anos para viver em Braga até aos 18. Questionava-me, na altura, sobre o meu regresso para uma experiência missionária. Propuseram-me, então, o Alentejo como terra missionária. Vim encontrar uma igreja muito autêntica, muito verdadeira. O que me marcou no Alentejo, nesses tempos austeros, num pós-25 de Abril ainda próximo, foi a autenticidade dos cristãos. Não eram muitos. Nessa altura a prática religiosa situava-se em cerca de 6%, mas a verdade da Igreja prendeu o meu coração. Eu diria, recebi a fé na minha família, com cultura minhota, mas essa fé foi amadurecida no Alentejo. Portanto, eu sou trigo minhoto, preparado no forno alentejano. Sou pão alentejano de trigo minhoto.

É curioso, este envolvimento e experiência de vida porque o que levo do Alentejo, parece-me que é a verdade purificada da fé de uma Igreja que está para servir com muita autenticidade, que não tem triunfalismos. Quem vai é porque tem fé. Não é o peso da tradição, a dimensão meramente social do parecer bem, do ser importante, mas é a convicção. É esta Igreja missionária, de levar Cristo, de sair de si, de partir e estar sempre atento às periferias. Eu levo este testemunho no meu coração. Eu vivi a Igreja do Alentejo que me moldou na fé que eu recebi no Minho e é assim que eu regresso ao Minho.

E o que espera encontrar na Arquidiocese de Braga?
Eu quando lá vou sei andar nas estradas, nos caminhos principais, mas quando mergulho na cidade de Braga eu tenho de usar o GPS. Braga cresceu muito. Claro que eu conheço a identidade daquele povo, eu sou aquele povo, faço parte dele. Penso encontrar, por aquilo que acompanho e nas visitas que faço à minha família, uma igreja renovada, que procura assumir o Concilio Vaticano II e os desafios do Papa Francisco.

Tenho a certeza que vou encontrar uma comunidade diocesana que me vai receber de braços abertos. Senti isto na pessoa do senhor D. Jorge Ortiga, num encontro que tive com ele, onde me franqueou o seu coração, a sua amizade e me mostrou a alegria de me acolher como seu colaborador no episcopado. Senti que a Casa Episcopal de Braga não é apenas uma estrutura, mas são pessoas que me acolhem e que são o reflexo da Arquidiocese. O Cabido de Braga fez o favor de me enviar uma saudação e vou encontrar um povo com uma profunda história cristã, de grande religiosidade e com tradições cristãs vinculativas para todo o país. Tenho a certeza que vou receber muito mais do que vou dar. Vou aprender muito. Esta é a minha preocupação: ir com humildade, com verdade, como quem serve e preparado para crescer e amadurecer com os desafios.

A minha programação de vida é muito simples. Pretendo inserir-me nos planos da Arquidiocese e apoiar e colaborar com o senhor Arcebispo com toda a lealdade e amizade naquilo que ele entender que eu lhe possa ser útil.

Uma mensagem para a Igreja?
A Igreja tem grandes desafios, em primeiro lugar e desculpem o termo, acompanhar a “pedalada” o Papa Francisco que tive oportunidade de conhecer e cumprimentar no Domingo da Santíssima Trindade, em Roma. O Papa está a levar-nos às origens do Evangelho, ao Jesus de Belém que nasceu na pobreza simples, quotidiana e despojada dos pastores e morreu no meio de homens com muitos problemas, condenados à morte. Nós estamos perante o mistério maravilhoso de Cristo que o Papa nos está a colocar à frente. Está a convidar a Igreja à simplicidade, à pobreza, ao despojamento, ao presépio, ao Gólgota, à comunidade de Jesus com os seus, ao amor a todos nas suas diferenças. Este é um desafio muito grande.

Que toda a Igreja tenha a capacidade de aceitar o desafio do Papa porque só na medida em que a Igreja desmontar os andaimes que a cerca, que foram colocados pela História, ela pode mostrar a sua beleza, a verdadeira Igreja de Cristo, uma vez que esta, na sua autenticidade original, é o que os homens do nosso tempo procuram. A verdade, o amor, a transparência, a serenidade que brota da paz de coração. Só assim a Igreja será apreciada, será abrigo, será uma árvore frondosa que dá fruto e flor, e que muitos escolherão a sua sombra para se abrigar. O Papa quer levar-nos por este caminho. O nosso regresso à origem, ao Evangelho.

Custa-nos muito desmontar andaimes, porque alguns são seculares e tapam a beleza da árvore e escondem o edifício maravilhoso que Jesus construiu que é a casa de todos. Não é fácil porque não vamos à profundidade do desafio do Papa, ficamo-nos nos acessórios, nas maquilhagens, mas isto é uma questão de interior de coração, de conversão intima que cada um de nós tem de fazer. Este é um desafio que sinto para mim e compartilho com todos. Vamos acompanhar Francisco, vamos fazer o percurso que nos propõe, de uma conversão profunda ao Evangelho e acontecerá, por consequência, a evangelização.