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"Pelas ruas a apitar. O amolador anda por aí"

05 mai, 2014 • Olímpia Mairos

José Loureiro é amolador e há quase meio século percorre o país de lés-a-lés a exercer a sua profissão. Natural de Samora Correia, faz da arte de afiar a sua vida e da pedra de amolar a sua fonte de rendimento - uma vida “dura” que tem os “dias contados”.

"Pelas ruas a apitar. O amolador anda por aí"
José Loureiro é um dos poucos amoladores do país. Tem uma velhinha bicicleta como oficina e percorre Portugal de Norte a Sul a amolar facas, tesouras, alicates, etc. Natural de Samora Correia, com morada em Almada, passa a maior parte do tempo fora de casa. Os clientes, que chama com a ajuda de uma gaita, ajudam a ultrapassar as saudades da família.
O som é característico e assinala a sua chegada. José Loureiro é um dos poucos amoladores em Portugal. Natural de Samora Correia, mas com residência em Almada, passa a maior parte do tempo “fora de casa”.

“Ando pelas ruas a apitar com uma gaitinha. Como é uma tradição muito antiga, as pessoas ouvem essa gaitinha e já sabem que o amolador anda aí, pelas ruas”, conta à Renascença

Com 50 anos, há muito que percorre o país de lés-a-lés, com passagem obrigatória por Chaves, onde ainda conserva clientes.

Amolar é uma arte que se pratica na família Loureiro há pelo menos três gerações e José não nega a herança. Desde criança são já “muitos milhares de quilómetros” percorridos “de Norte a Sul, do Minho ao Algarve”, a afiar alicates, facas, tesouras de costura ou de podar, e outros objectos de corte, bem como arranjar varetas de guarda-chuvas ou até panelas.

“Anda-se muito quilómetro e isto também satura muito. Muito mesmo. Apanha-se calor, frio… Tudo! É tipo trabalho do campo. Quilómetros e quilómetros a pé, a empurrar uma burra carregada”.

Oficina móvel
José Loureiro desloca-se pelas aldeias, vilas e cidades, na sua velha bicicleta, carregada com todo o tipo de ferramentas essenciais às tarefas.

Com um tripé fixa a roda traseira ao chão e depois ata-lhe uma correia, que une o pneu à mesa de afinação. E, conforme vai pedalando, as pedras de afiacção começam a girar na “bancada” da sua "oficina móvel".

“Ela é que é o meu ganha-pão. Ela é a oficina e é com ela que eu faço o meu trabalho, a montagem, o descanso – que é o que o alentejano gosta mais. Tenho aqui todo o meu material. Tudo o que é preciso está aqui, na bicicleta”, atesta.

Para chamar os clientes, José serve-se de uma gaita-de-beiços, de cor verde, que produz um som que se faz ouvir longe.

“As pessoas já conhecem o som e, se precisam, vêm. Aqui até tenho tido muito trabalho” diz, enquanto afia a primeira de três facas que uma senhora lhe acabara de entregar.

O preço que pratica varia de peça para peça. Afiar uma tesoura de costura, por exemplo, pode ficar entre dois e quatro euros, “tudo depende do estado”.

Segundo José Loureiro, a profissão de amolador ambulante tem os “dias contados”, porque “os mais novos têm vergonha de andar pelas ruas, numa bicicleta, a apitar”.

É em Almada que José Loureiro tem a mulher, filhas e netas. A vida itinerante que leva obriga-o a “dormir numa velha carrinha, onde também guarda a sua bicicleta”, e a longos períodos longe do convívio familiar. Por norma, só vai a casa de mês a mês e confessa que, por vezes, “as saudades apertam”.

“Custa estar fora da família, mas tem que ser”, declara José Loureiro, para concluir que “a vida é dura e, às vezes, custa um bocado a mastigá-la”, mas “tem que ser, para ganhar algum”.