20 anos da Expo 98

Um cadáver a sério e três a fingir

11 mai, 2018 - 08:00 • Dina Soares , Joana Bourgard

Durante a construção da Expo 98, o engenheiro Miguel Castelão encontrou um cadáver junto à lixeira de Beirolas. De repente, viu-se a braços com um assassinato. Sem saber de nada, Francisco José Viegas escrevia, semanalmente, as aventuras do inspetor Jaime Ramos na investigação de três crimes na exposição.

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Foi de manhã, bem cedo, junto à lixeira de Beirolas, que Miguel Castelão deu com o macabro achado. “Pareceu-me ver um corpo no meio do lixo. Vi umas pernas a aparecerem por trás do lixo e fiquei muito aflito, sem saber o que fazer. Nessa altura, apareceu um jipe da GNR. Os guardas foram lá baixo, espreitaram e eu só os ouvi dizer que era preciso chamar a Polícia Judiciária.”

Miguel tinha razão. Era mesmo o cadáver de um homem, aparentemente baleado e deixado na lixeira. Para Miguel, o caso estava entregue às autoridades e, assim sendo, seguiu com a sua vida.

Engenheiro de profissão, Miguel Castelão era um dos responsáveis pela recuperação ambiental dos terrenos onde ia ser construída a Expo 98, daí a sua presença, naquela manhã, na zona da lixeira de Beirolas, onde prosseguiu o seu trabalho sem pensar mais no cadáver. Mal sabia o que o esperava. “Passado uns tempos, estava em casa, tocou o telefone, a minha mulher atendeu e ouviu do outro lado: Departamento de Homicídios da Polícia Judiciária. Ela nem hesitou: Miguel, é para ti!”

Um crime onde menos se esperava

Entretanto, sem nada saber deste caso, o escritor Francisco José Viegas, metia a ombros a tarefa de escrever um folhetim por entregas sobre a exposição, para o jornal Diário de Notícias. O seu compromisso era escrever um capítulo por semana, durante um ano, para a página 2 do jornal.

O tema ficou por sua conta e, como autor de livros policiais, escolheu o crime. “O habitual é que o cenário do crime seja um local degradado, sórdido. O que tem graça é cometer um crime onde menos se espera. E onde menos se espera é num local como era a Expo, um paraíso prometido.” Para não defraudar os leitores, em vez de um único assassinato, o escritor avançou logo com três.

Francisco José Viegas inventou os crimes, mas foi buscar os cenários e algumas personagens à vida real. “Entra o nosso primeiro-ministro, que na altura era o ministro responsável pela Expo, e aparece a dar uma conferência de imprensa. Entra o Presidente da República, à época líder do PSD, que entra a pedir a demissão de alguém, não me lembro de quem”. Os cenários também eram reais. O escritor andou pelo recinto, ainda em obras, no meio da lama e dos andaimes, a ver onde iam ficar os pavilhões e como iam ser, para poder situar a ação.

Miguel viveu dentro de um livro policial

Enquanto os políticos se agitavam, semana após semana, nas páginas do jornal, na vida real Miguel Castelão, o engenheiro que encontrou o cadáver, sentia-se a viver dentro de um romance policial. “Como tinha sido eu a descobrir o corpo, era o principal suspeito. Ainda andei uns bons anos às voltas com este processo até descobrirem o autor do crime.”

O assassino foi apanhado e a história deslindou-se. Era mais um ajuste de contas entre gangues rivais. Uma história sem grande enredo, que nem chegou à comunicação social. Miguel Castelão estava livre das suspeitas que o tinham perseguido durante anos. Francisco José Viegas só agora soube deste crime na exposição. “O que esse cadáver real vem provar é que a realidade imita perfeitamente a ficção.”

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