11 jan, 2017 - 09:00 • Pedro Rios
Obama com Jacob Philadelphia, de cinco anos. Foto: Pete Souza/Casa Branca
JOÃO MIGUEL TAVARES, jornalista
Não há grande originalidade na escolha desta fotografia: ela é há muito uma das favoritas do pessoal da Casa Branca e está ainda hoje em cima da secretária de David Axelrod, um dos principais conselheiros políticos do primeiro mandato de Obama e um dos grandes responsáveis pela sua dupla eleição. Foi tirada em 2009, o rapaz na foto chama-se Jacob Philadelphia e na altura tinha cinco anos. O seu pai estava prestes a deixar de ser funcionário da Casa Branca, e como é costume acontecer nessas ocasiões, ele pediu uma foto de família com o Presidente.
No final do encontro da família Philadelphia, Jacob pediu a Obama: "Gostava de saber se o meu cabelo é como o teu." Obama respondeu: "Porque é que não lhe tocas e vês por ti próprio?" Foi um momento inesperado, e por isso o enquadramento da fotografia está longe de perfeito. O fotógrafo Pete Souza cortou a cabeça ao pai e o irmão mais velho aparece desfocado. Mas isso pouco importa perante o imenso simbolismo da imagem: o político mais poderoso do mundo a dobrar-se diante de uma criança de cinco anos, para ela poder mexer no seu cabelo. Está lá tudo. A questão da raça. O significado mais profundo da democracia. A espontaneidade de Obama. O seu sentido de família. O seu sentido de humor. A sua humildade. E a ressonância bíblica, que certamente diz muito a qualquer cristão: “Deixai vir a mim os pequeninos; não os impeçais, pois deles é o Reino de Deus.”
ROBERT SHERMAN, embaixador dos Estados Unidos em Portugal
Adoro esta fotografia do Presidente Obama porque diz muito sobre ele enquanto homem, líder, e também enquanto um forte símbolo do que é possível nos EUA. Primeiro, este é um homem que se importa genuinamente com pessoas de todas as idades. Também mostra uma certa humildade – aqui está o Presidente dos EUA a dobrar-se para que uma criança possa tocar no seu cabelo. Para aquele menino, que queria saber se o cabelo de Presidente era como o seu, este foi um momento para confirmar que uma pessoa parecida com ele era Presidente, e sim, também ele poderia ser Presidente um dia.
Michelle Obama no Dia Internacional da Rapariga, em conversa na Casa Branca com jovens dos Marrocos e da Libéria. Foto: Amanda Lucidon/Casa Branca
SOFIA BRANCO, jornalista e presidente da Direcção do Sindicato dos Jornalistas
Escolho Michelle. Não por não reconhecer o valor de Barack, nem a relevância de se ter sido eleito o primeiro Presidente afroamericano dos Estados Unidos. Tive o privilégio de estar em Chicago quando Obama foi consagrado Presidente e nunca esquecerei as lágrimas nos olhos dos muitos negros e negras que souberam, a partir daquele dia, que podiam. Afinal, podiam. Podiam ser presidentes da principal potência mundial. Obama abriu esse caminho e ficará na História por isso (e por algumas coisas mais). Michelle podia ter sido apenas a mulher do Presidente. Mas foi muito mais. Motivou, inspirou, sensibilizou, empenhou-se em causas várias, fez campanha por uma sociedade melhor. Não tenho especial fascínio por dinastias nem clãs familiares, mas assumo que, por mim, Michelle teria sucedido a Barack. Seria a primeira mulher no cargo, o que, para uma feminista como eu, é, desde logo, muito simbólico. Mas, sobretudo, seria, acredito, uma grande Presidente.
Maio de 2016. O Presidente antes de um discurso. Foto: Pete Souza/Casa Branca
VIRIATO SOROMENHO-MARQUES, professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
O poder nunca pertence a um homem. Ele é uma propriedade de um povo que pode ser exercida temporariamente por um líder. Nesta imagem, Obama parece expressar o cansaço e a frustração da sua tarefa inacabada, e brutalmente interrompida por um sucessor que ameaça destruir a sua herança. Obama representou a esperança de que a vontade e a inteligência políticas fossem capazes de interromper, ou até inverter, o declínio do poderio mundial dos EUA. A vitória de Trump mostra os limites da vontade. E isso faz de Obama um herói solitário e trágico. O futuro global é mais sombrio e incerto do que nunca.
Um discurso à chuva em Glen Allen, no Estado da Virgínia. Foto: Pete Souza/Casa Branca
LUÍS FILIPE CATARINO, antigo fotógrafo oficial do Presidente da República Cavaco Silva
Esta fotografia feita durante a campanha de reeleição de 2012 incorpora, para mim, três fortes características do Presidente americano: determinação, solidariedade e informalidade. Depois de esperarem à chuva por ele, Obama insistiu em discursar para os seus apoiantes debaixo do dilúvio, ficando totalmente encharcado. Resulta este momento numa imagem simbólica, quase religiosa, evocadora de Martin Luther King e da luta pelos direitos dos negros na América.
Com maiores ou menores dificuldades, os mandatos de Barack Obama foram inspiradores e motivadores para quem preza a tolerância e a igualdade.
Obama cumprimenta um trabalhador da Casa Branca. Foto: Pete Souza/Casa Branca
LUÍS PEDRO NUNES, jornalista, director do "Inimigo Público"
Ele desconstruiu a imagem e a solenidade sem perder a ‘gravitas’ da Casa Branca. Desconstruiu a solenidade, não perdendo com isso as competências que lhe atribuímos. Sabemos que ele tem saber e competência. Trouxe brincadeira, romantismo, amor lá para dentro. E isso foi captado pela imagem do Pete Souza. Carinho, amor, uma infantilidade pura, uma capacidade de brincar. O reverso disso é o que aí vem – o que nos faz olhar para essas imagens com mais ternura.
O pequeno Nicholas, de três anos, prende Obama na sua teia. Halloween de 2013. Foto: Pete Souza/Casa Branca
JOSÉ GOMES ANDRÉ, professor auxiliar na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, investigador de Filosofia Política
Obama é um dos Presidentes mais eloquentes e cultos da história norte-americana. Estudou em Harvard, domina tópicos de política internacional, escreveu dois livros – um corte com o passado recente e com o futuro próximo. Todavia, nunca enveredou por uma atitude de condescendência intelectual ou arrogância elitista. Percebendo o poder da simbologia em política, cultivou um estilo descontraído, até brincalhão. Numa era de tecnocracia cinzenta e agressividade latente, mostrou que é possível manter a pose de Estado e ainda assim revelar uma sincera humanidade.
Barack e Michelle Obama saúdam a multidão no 50.º aniversário do histórico discurso “Eu tenho um sonho” de Martin Luther King. Washington, 28 de Agosto de 2013. Foto: Pete Souza/Casa Branca. Foto: Pete Souza/Casa Branca
LUIZ HUMBERTO MARCOS, director do Museu Nacional da Imprensa, jornalista e professor universitário no ISMAI
Esta foto expressa uma luta que creio será cada vez mais necessária. Em 2013, ninguém imaginaria que a era pós-Obama estaria tão ameaçada em valores fundamentais como trabalho-liberdade. Era tempo de verdades. Hoje, tempo da dita “pós-verdade”, impõe-se um novo olhar jornalístico sobre o que dizer do mundo e dos discursos dos protagonistas, para que a mentira não venha a construir muros contra a democracia.
Enfrentar os problemas com o afeto e a frontalidade que o casal Obama patenteava vai ser uma imagem muito recordada.
Obama e o Presidente chinês no fim de uma cimeira dedicada à segurança nuclear, em Washington, em 2016. Foto: Pete Souza/Casa Branca
PEPE BRIX, fotojornalista, vencedor do Prémio Gazeta de Fotojornalismo 2016
A estrutura sobre a qual gira a figura do Presidente dos Estados Unidos da América é de tal forma complexa e tão cheia de interesses que, cada vez mais, tenho a sensação de toda a informação que nos chega ser demasiada em quantidade e demasiado manhosa no seu tratamento e verdadeiro objecto. Dou por mim num exercício permanente para evitar que cegue em teorias da conspiração, procurando da melhor forma fazer uma leitura limpa dessa figura.
Numa análise mais humana à figura de Obama, à sua linguagem corporal, ao seu discurso, políticas e às consequências das suas mais elementares acções, não consigo deixar de sentir esse seu lado humanista e a forma eficaz como estabelece uma ligação tão profunda com todos os que cruzam o seu caminho, mesmo nas situações mais fugazes e protocolares.
Escolher uma única fotografia de Pete Souza em tantos anos de registos não é tarefa fácil. Contudo, depois de uma pequena pesquisa na sua página oficial, escolhi esta. A fotografia, registada com uma grande-angular, permite-nos mergulhar na sala imensa que acolheu mais uma Conferência Internacional para a Segurança Nuclear e mostra na expressão de Obama, o anfitrião do evento, a diplomacia e simpatia que o caracteriza, enquanto cumprimenta o líder chinês Xi Jinping.
No seu delicado contexto, esta imagem evoca acima de tudo a assertividade com que liderou as políticas externas durante os seus mandatos e a empatia que partilhou com todos os que constam agora do seu legado político.
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