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No futuro ter um emprego será a excepção?

06 mai, 2016 - 07:00 • Ricardo Vieira , João Carlos Malta , Teresa Abecasis (imagem) e Rodrigo Machado (gráficos)

Esta semana, a Renascença olhou para o drama do desemprego estrutural. Lídia, António, Justiniano e Rosário deram a cara por uma ferida social cada vez mais profunda. Mostrámos o presente. Mas que futuro haverá num mundo em que desemprego e desigualdade não param de aumentar?

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Um mundo em que uma parte cada vez maior da população em idade activa está condenada a não ter emprego, com milhões de homens e mulheres sem trabalho remunerado, empurrados para um destino incerto. O cenário é hipotético e pré-apocalíptico, mas tem pontos de contacto com o presente. E, não poucas vezes, a ficção é o anúncio dos tempos que estão para chegar.

Um estudo do Fórum Económico Mundial alerta: a quarta revolução industrial em curso vai destruir cinco milhões de empregos nos próximos cinco anos. Mais de 2.700 pessoas são despedidas por dia, só nas principais economias mundiais.

Ninguém pode dizer que não foi avisado e os diagnósticos estão feitos. Os especialistas alertam que os governos mundiais vão ter que enfrentar um “aumento constante do desemprego e da desigualdade” e defendem “medidas urgentes e concretas” para mudar este estado de coisas.


A Universidade de Oxford, em Inglaterra, prevê que quase metade das profissões (47%) podem estar em vias de extinção nas próximas décadas.

Basta olhar em volta para constatar que o processo já está em marcha. Da automatização das portagens às caixas dos supermercados e às encomendas entregues por “drones”, das bilheteiras electrónicas às viagens à distância de um clique, passando pela banca “online”, a cultura do "self-service" está em todo o lado.

Mas antes de o futuro chegar, o problema já está a ser vivido no presente. E ainda sem medidas eficazes para o resolver. Esta semana, na Renascença, Lídia, António, Justiniano e Rosário deram a cara por esta ferida social, cada vez mais profunda.

Lídia Oliveira trabalhava no sector das vendas e retalho, um dos mais ameaçados por uma revolução tecnológica imparável que coloca taxistas contra motoristas da Uber e homens contra máquinas.

Esta avó de 59 anos nunca mais conseguiu encontrar trabalho desde a falência do grupo Moviflor. Critica um sistema que trata os desempregados como fora da lei.

A luta de Lídia. Sou desempregada, não sou criminosa
A luta de Lídia. Sou desempregada, não sou criminosa

Mas o desemprego não mexe só com a dignidade social, transforma muitas vezes as relações pessoais. António Gomes perdeu o emprego e o amor. Trabalhava nas obras até que veio a crise e a bolha da construção rebentou com estrondo. Ele e milhares de outros operários perderam o ganha-pão.

Separou-se da companheira, emigrou para a Escócia, regressou a Portugal e ficou sem subsídio de desemprego. Agora, ninguém lhe dá trabalho. Dizem-lhe que está velho.

Para António, perder o trabalho foi perder o amor
Para António, perder o trabalho foi perder o amor

O problema está identificado e mesmo o patrão dos patrões o reconhece. Em entrevista à Renascença, o presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal admite que, na hora de contratar, as empresas podem ter tendência a preferir um jovem em detrimento de um trabalhador mais velho.

“Quem está hoje no desemprego, com honrosas excepções, são pessoas com competências que estarão desadequadas à nova economia que temos em desenvolvimento. Vamos ter a quarta revolução, que é a digitalização da economia, e para esta economia digital há competências que têm de ser melhoradas”, diz António Saraiva.

Enquanto as políticas continuam na gaveta ou não surtem efeitos, o desemprego de longa duração tem vindo a crescer nas últimas décadas e transformou-se num “monstro” durante os anos da troika. Novos e velhos, há quase 300 mil portugueses desempregados há mais de dois anos, cerca de metade das pessoas sem trabalho.

Justiniano Neves faz parte deste clube indesejado. Começou a trabalhar ainda menino, mas não há lugar para ele na nova economia digital. Desde que foi despedido da antiga Cerâmica de Valadares, em Vila Nova de Gaia, há quatro anos, não conseguiu encontrar nada. Resta-lhe esticar cada cêntimo ao máximo e dar o salto para a reforma.

Ele saiu da Valadares, mas ela ficou-lhe no corpo. Restou-lhe o salto para a reforma antecipada
Ele saiu da Valadares, mas ela ficou-lhe no corpo. Restou-lhe o salto para a reforma antecipada

A crise e a transformação económica abriram uma ferida em Portugal: o desemprego estrutural. Mas, afinal, que conceito é este?

O presidente da Faculdade de Economia do Porto, José Varejão, resume-o a um desencontro: o que os patrões procuram em determinado momento é diferente daquilo que os trabalhadores têm para oferecer.

Desemprego estrutural. Sabe o que é?
Desemprego estrutural. Sabe o que é?

Há todo um mundo de novos problemas. O sociólogo Renato Carmo, do ISCTE, alerta que o aumento do desemprego está a gerar novos pobres e um mundo laboral cada vez mais precário. E muitos dos que têm trabalho não ganham para pagar todas as contas.

As desigualdades estão a aumentar. Rosário Ferreira levava uma vida simples e remediada, mas, desde que foi despedida da Panrico, já desceu abaixo do nível mínimo de dignidade. Não quer viver da caridade. Quer trabalhar e já bateu a muitas portas, mas ninguém abriu.

Rosário atingiu o “rés-do-chão” da dignidade. Mas ainda vai ficar sem subsídio
Rosário atingiu o “rés-do-chão” da dignidade. Mas ainda vai ficar sem subsídio

Rosário está a entrar na recta final do subsídio social de desemprego. Não sabe como vai fazer depois para sobreviver.

O problema é partilhado por milhares de pessoas sem trabalho e a solução não é fácil. Para não deixar ninguém para trás, o sociólogo Renato Carmo defende que é preciso avançar para apoios inovadores aos desempregados que já não têm direito a qualquer prestação social, uma ideia também advogada pelo partido PAN. Falta saber é quem vai financiar medidas deste tipo.

Os especialistas dizem que novas formas de repartição do trabalho existente, como a redução dos dias de trabalho por semana e a aposta no trabalho a tempo parcial, podem ajudar a criar novas vagas no mercado laboral.

Mas para Lídia, Rosário, António e Justiniano, apanhados pela crise, pela transição económica e por uma revolução tecnológica imparável, estas soluções podem chegar tarde demais. Só esperam que para as novas gerações não haja um futuro em que o emprego é um bem escasso.

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  • vasco
    08 mai, 2016 Viseu 22:04
    Talvez venha a acontecer que os computadores os robôs e afins acabem por substituir a mão de obra humana em todas as áreas e aí o dinheiro deixará certamente de ter qualquer utilidade e consequentemente o ser humano terá de viver mais para o lado espiritual, quiçá, teremos finalmente direito ao paraíso, ou então e em sentido diametralmente oposto quando a fome e a miséria imperam, mais tarde ou mais cedo a coisa rebenta e como a história tem tendência a repetir-se lá teremos a versão dois da Revolução Francesa, agora bem mais a sério, podem crer. De qualquer modo não será já amanhã, talvez depois. Não sei porquê mas inclino-me bastante mais para a segunda hipótese, queira Deus me engane.
  • vasco
    08 mai, 2016 Viseu 20:38
    Talvez venha a acontecer que os computadores os robôs e afins acabem por substituir a mão de obra humana em todas as áreas e aí o dinheiro deixará certamente de ter qualquer utilidade e consequentemente o ser humano terá de viver mais para o lado espiritual, quiçá, teremos finalmente direito ao paraíso, ou então e em sentido diametralmente oposto quando a fome e a miséria imperam, mais tarde ou mais cedo a coisa rebenta e como a história tem tendência a repetir-se lá teremos a versão dois da Revolução Francesa, agora bem mais a sério, podem crer. De qualquer modo não será já amanhã, talvez depois. Não sei porquê mas inclino-me bastante mais para a segunda hipótese, queira De
  • Manuela Brilhante
    07 mai, 2016 Zambujeiro-Cascais 14:36
    É muito triste o desemprego, até porque já passei pela mesma situação aos 35 anos e aquando da procura obtive respostas como " tem os requisitos que desejamos, mas é velha para trabalhar". Isto é horrível só no nosso país. Neste momento estou a viver a situação da minha filha que não consegue emprego, é formada em comunicação social-jornalismo com mestrado e tudo o que aparece é estágio. Este país quer tudo a trabalhar de borla e bem. Pena é que foi cá que eu investi para eles ficarem com o dinheiro.
  • Pinto
    07 mai, 2016 Custoias 01:02
    Pessoas que não tenham um emprego na vida é crime. o modelo económico em Portugal deixou de ter a pessoa como preocupação, há gerações que se multiplicam na pobreza devido à falta de trabalho, as desigualdades económicas são abismais devido aos salários baixos. Os empresários têm de responder pela crise e falta de trabalho criada por eles, ( alguém que enriquece à custa dos baixos salários e da exploração dos trabalhadores, um dia descobre que está rico e já não precisa dos que lhe deram tudo pelo trabalho e dedicação, então esquece tudo isto e abre falências fraudulentas e começa a despedir aqueles que perderam os melhores anos da vida dedicados ao trabalho) , esse patrão não tem responsabilidades sobre a vida desses trabalhadores? A vida social da pessoa não tem valor? Sabendo que a maioria dos patrões fogem ao fisco, desviam dinheiros para paraísos fiscais....são 69 milhões de euros que têm em paraísos fiscais, 2 milhões de euros fogem por dia de Portugal, foram perdoados 5,7 milhões de euros de dívidas diversas, e não são responsáveis pelo desemprego das pessoas? Aproveitaram-se se subsídios para formações, criação de postos de trabalho, inovações, substituições e renovações para modernizar instalações e compra de maquinaria e quantos não abriram falências logo a seguir, quantos não fecharam e abriram empresas sempre com os mesmos trabalhadores, estes não têm que responder pelo desemprego em Portugal? Não são estes os culpados juntamente com gestores corruptos?
  • Lídia Oliveira
    06 mai, 2016 Seixal 12:36
    Há sempre um "viriato" pronto a mostrar as suas certezas, feitas de casos pessoais que não demonstram a generalidade, e com elas dar o assunto por encerrado. Meu caro "viriato" a MOVIFLOR não foi à falência - com CENTO E CINQUENTA MILHÕES (MILHÕES, SABE O QUE ISSO É!?) DE DÍVIDAS - porque o senhor comprou material rasca - porque não quis pagar o valor do material bom que também o havia! - e quanto ao ser mal atendido, pois...depende dos critérios!, eu também diria, pelo que lhe li, que não gostaria de dar de caras consigo no meu emprego, mas isto são critérios pessoais e muito subjectivos, certo?! Mas vamos ao que importa: a falência da MOVIFLOR - os milhões de passivo acumulado - não resultou nem dos valores pagos em vencimentos a funcionários incompetentes como o "senhor" acha, nem das reclamações de clientes como o "senhor" que iam à MOVIFLOR convencidos que o sonho do 'barato e bom' existia...burrice a sua, claro! Foi à falência porque esse passivo foi - digamos, eufemisticamente, alegadamente - DESVIADO!!! Qualquer offshore - digamos, eufemisticamente, alegadamente - bem investigada, qualquer investigação de - digamos, eufemisticamente, alegadamente - 'gestão danosa' bem feita...demonstraria como as suas certezas são, assim a modos, como trampa de quem vive no seu mundinho achando que é O mundo. Passe bem e continue a fazer bons negócios, mas um dia...será você e os da sua espécie, os riscados! Quem o avisa... :=>
  • ZÉTUGA
    06 mai, 2016 LISBOA 09:47
    UMA EMPRESA TEM DÍVIDAS AO FISCO. NEGOCEIA COM O MESMO PAGAR EM PRESTAÇÕES!! CUMPRE, CUMPRE, CUMPRE. COMO NÃO TEM DINHEIRO PORQUE JÁ ESTÁ EM DIFICULDADES NÃO APRESENTA GARANTIA BANCÁRIA. APESAR DE CUMPRIR NÃO FALHAR UMA ÚNICA PRESTAÇÃO O FISCO DE VEZ ENQUANDO MANDA CARTAS AOS CLIENTES A PENHORAR A FACTURAÇÃO!!! PARA ALÉM DA MÁ IMAGEM PERANTE OS CLIENTES, COMO SE PODE PAGAR VENCIMENTOS??? SE PAGAMOS A PRESTAÇÃO E NÃO RECEBEMOS DOS CLIENTES PORQUE O FISCO PENHOROU A FACTURAÇÃO APESAR DE AS PRESTAÇÃO NÃO TEREM QUALQUER ATRAZO??? É ASSIM QUE SE PROMOVE O EMPREGO??? É ESTE O ESTÍMULO ÀS EMPRESAS????? ESTA É UMA DAS CAUSAS DO DESEMPREGO O GARROTE FISCAL FEITO ÀS EMPRESAS!!!
  • TUGA
    06 mai, 2016 LISBOA 09:18
    O FISCO É UMA NOVA PIDE!!!! EMPRESAS A CUMPRIR PLANOS PRESTACIONAIS, ESTÃO A VER A FACTURAÇÃO PENHORADA!!! OS CLIENTES FICAM A SABER E A TER UMA MÁ IMAGEM DE QUEM ESTÁ A CUMPRIRI!! É ASSIM QUE QUEREM QUE AS EMPRESAS CONSIGUAM IR PARA A FRENTE E DAR EMPREGO???? MESMO A CUMPRIR OS PLANOS DE PRESTAÇÕES SE NÃO HOUVER GARANTIA BANCÁRIA VÊEM A FACTURAÇÃO PENHORADA!!! DEPOIS VÊEM OS SINDICATOS EXIGIR DIREITOS E DIREITOS A QUEM TEM A CORDA NA GARGANTA!!! COM TUDO PENHORADO COMO SE PAGAM OS ORDENADOS???? O FISCO RECEBE AS PRESTAÇÕES ACORDADAS MAIS A FACTURAÇÃO A CLIENTES PENHORADA!!! COMO SE PAGA AOS TRABALHADORES??????
  • Joaquim
    06 mai, 2016 Coelho 08:53
    Provavelmente está a chegar a altura de os governantes repensarem as ajudas que dão aos desempregados e começarem a procurar reorienta-los de forma diferente. Em vez de lhes darem formações em áreas que já se sabe que de nada servem, deveria ser pensada uma política de repovoamento do interior, com famílias desempregadas, dando-lhes formação e apoio na área da agricultura biológica, fruticultura etc de modo a retirá-los da pobreza e dar-lhes uma nova forma de valorização na sociedade actual e futura. Quanto mais se adiar a criação deste tipo de programas, mais as grandes cidades se vão encher de pessoas desempregadas, desocupadas e sem forma de subsistência.
  • Tiago Cosme
    06 mai, 2016 Massamá 08:44
    "Os especialistas dizem que novas formas de repartição do trabalho existente, como a redução dos dias de trabalho por semana e a aposta no trabalho a tempo parcial, podem ajudar a criar novas vagas no mercado laboral." Ai vem a nova vaga de trabalho precário e mau pago! O que o sistema tem que fazer é preparar estas pessoas para o mercado de trabalho pois nem tudo será digital! O IEFP e outros tem que dar formação enquadrada com as necessidades do mercado de trabalho. É necessário protocolar vagas com as empresas para canalizar estas pessoas e dar seguimento ao investimento feito nelas. É preciso incentivar a criação de mais pequenas e médias empresas por conta própria mas com menos burocráticos e com custos menores na sua implementação. É preciso o estado identificar e incentivar mercados emergentes que fujam aos grandes monopólios criando novos mercados internos, permitindo posteriormente que em conjunto concorram lá fora! Não apresentem como alternativas o referido na reportagem, todas estas pessoas mais tarde ou mais cedo vão cair nos subsídios e reformas da segurança social e mais tarde em muitos casos extremos vão começar a perder a cabeça e começar a fazer asneiras...todos nós conhecemos casos destes! um bem haja a todos
  • viriato
    06 mai, 2016 porto 08:38
    Grande coincidência!!!!! parece incrível, mas duas das empresas da qual deram o exemplo, foram empresas que risquei do mapa!! Moviflor, fui mal atendido e tinha produtos horríveis. Valadares, precisei de fazer um negócio para um grande fornecimento de louça sanitária (mesmo grande), contactei um comercial da Valadares, e apareceu-me mal preparado e arrogante, risquei-o como é óbvio! Claro que assim o desemprego aparece, com profissionais daquela qualidade.... as situações não aparecem por acaso....

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