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De que precisa para trabalhar melhor? Saúde mental está a deixar de ser tabu nas empresas

05 ago, 2018 - 09:13 • Marta Grosso

Um trabalhador doente não é um trabalhador produtivo. E o problema "não se resolve com descontos no ginásio". A Renascença ouviu dois especialistas dedicados ao bem-estar profissional.

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A dificuldade em conciliar a vida pessoal com a profissional está a ter efeitos negativos na produtividade dos trabalhadores e, como consequência, nos resultados das empresas.

Num mundo competitivo como aquele em que vivemos não há margem para perdas desnecessárias e algumas empresas estão a começar a perceber isso.

"No fundo, está a passar-se para outro paradigma", afirma à Renascença Tiago Santos, cofundador da Workwell, uma empresa pioneira em Portugal no setor do 'corporate wellness', que promove o bem-estar nas empresas para potenciar resultados positivos. Esse bem-estar engloba corpo, mente e até uma nova organização do trabalho. Tudo depende dos problemas diagnosticados e dos objetivos que cada empresa pretende alcançar.

"Até aqui [o paradigma era] 'há uma doença e há uma medicina', ou seja, há uma doença e a saúde passa por curar essa doença. Hoje, o novo paradigma quer apostar na prevenção, seja na alimentação seja através do exercício físico", explica Tiago Santos.

Para o cofundador da Workwell, nos últimos três a cinco anos as empresas despertaram para a necessidade de apostar no bem-estar dos seus trabalhadores, até "porque há uma maior divulgação [do tema 'burnout' e bem-estar] na comunicação social" e através de organizações internacionais de referência, entre elas a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Em Portugal, adianta, a própria Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) "está a envolver-se na política da promoção de atividade física", o que também tem ajudado a passar a "informação às empresas de que é importante trabalharem o bem-estar dos seus colaboradores e a perceber que têm de fazer esse esforço, porque no fundo eles [colaboradores] estão a fazer um esforço em prol da empresa".

Pessoas, empresas e bem-estar

São as pessoas que fazem as empresas avançar. Um trabalhador doente não é produtivo e, tendo em conta as exigências do atual mercado de trabalho, pode ser proveitoso apostar no bem-estar dos funcionários dentro da empresa.

José Soares dedica grande parte da vida a ajudar as empresas a serem mais funcionais. Professor catedrático de Fisiologia na Universidade do Porto, leva para o mundo corporativo as regras do mundo do desporto para que as empresas melhorem a sua performance.

"Acho que há três ou quatro aspetos que caracterizam a forma como estamos a trabalhar", explica à Renascença. "O primeiro é aquilo a que chamo 'never offline' – estamos sistematicamente ligados. O segundo é a pressão para obtenção de resultados em qualquer área. O terceiro são as longas horas de trabalho. E o quarto é aquilo de que sofro muito, que é a questão das viagens."

Ao 'burnout' junta-se a "enormíssima mobilidade das pessoas", que ficam rapidamente "cansadas passado pouco tempo" de entrarem nas empresas e então "saem, procuram outro emprego, entram para outro, depois saem", uma situação que tem elevados custos para as empresas.

Tudo isto, aponta o especialista, "tem um preço", na forma de stress e fadiga. "As duas coisas estão ligadas e potenciam-se e isto tem duas consequências: uma na 'performance' das pessoas no trabalho e a outra na saúde e bem-estar", explica José Soares.

É neste contexto que se enquadra o 'corporate wellness', que "vem exatamente quase apaziguar a consciência dos responsáveis das empresas relativamente a este ambiente".

Massagens e prazos mais alargados

“A melhor forma de ficarmos mais calmos não é com massagens ou natação ou descontos no ginásio, é aumentarem os 'deadlines'. Se nos derem mais tempo para fazer as coisas, nós não vamos ficar tão stressados” – foi isto que José Soares ouviu uma vez de uma pessoa com quem trabalhava.

No entender desde especialista em ‘performance’, não é com massagens e descontos no ginásio que as coisas mudam e os problemas se resolvem. “Isso é uma visão muito simplista do que é ‘wellness’”, diz à Renascença.

“Embora eu não seja especialista em wellness, se estamos a pensar numa perspetiva muito mais 360 graus, por mais massagens que as pessoas façam, por mais ginástica que as pessoas façam, se a disfunção se mantém, o cansaço vai continuar”, defende.

Por isso, a primeira coisa a alterar é o ambiente altamente disfuncional. O professor de Fisiologia, orador e formador trabalha ao nível do “’middle management’ para cima. Ou seja, pessoas com um grau de diferenciação relativamente elevado” dentro da empresa. “Trabalho com equipas de 20, 30 ou 40 pessoas que são importantes na organização”. Objetivo: ser mais funcional e demorar menos tempo a resolver problemas.

Como? Ajudando, por exemplo, numa questão fundamental que é a recuperação entre os dias – ou seja, no sono, “hoje talvez o fator mais perturbador da saúde e na performance nas empresas”, afirma.

Outro exemplo tem a ver com os e-mails: “Ter muito mais cuidado nos CC; as pessoas estarem nos CC só de facto quando é necessário, porque há pessoas hoje que recebem 300 e 400 emails por dia. É uma coisa completamente louca!”

E “fixar horas para responder e ver e-mails – há muitas empresas que só respondem, por exemplo, das 9h00 às 10h00 da manhã”, indica à Renascença.

As medidas a adotar dependem da empresa, da sua natureza e necessidades.

Tiago Santos, co-fundador da Workwell, trabalha a outro nível. Concorda que reorganizar o modo como se trabalha numa empresa é muito importante, mas considera que “não conseguimos chegar ao ponto de mudar a cultura da empresa”.

No fundo, José Soares e a Workwell trabalham em patamares diferentes: o primeiro nas “camadas” intermédias e alta da organização de uma empresa; os segundos, mais junto aos trabalhadores base. E os resultados têm sido positivos para ambos.

“Sabemos perfeitamente que as pessoas passam grande parte da sua vida no local de trabalho e, pior do que isso, é passar grande parte da sua vida infeliz. Portanto, o que queremos é, de uma forma holística – ou seja, trabalhando a parte física, de hábitos de vida saudáveis, trabalhando também a parte da mente saudável – poder ajudar as pessoas a serem mais felizes e mais saudáveis”, afirma Tiago Santos.

São as empresas que pedem ajuda. E, perante os problemas e objetivos apresentados – e depois do diagnóstico feito – é apresentado um plano.

“Nunca trabalhei tanto como agora, nunca tive tantas solicitações”, admite José Soares. “As pessoas percebem que este é um tema”, diz, mesmo havendo clientes que cumprem melhor e outros pior as orientações recebidas. “Para uns, muitas vezes é um rebate de consciência, fazem qualquer coisa...”.

Tiago Santos tem a mesma perceção: cada vez mais as empresas estão conscientes da importância de criar bem-estar entre os trabalhadores. A Workwell leva o bem-estar à empresa. Os colaboradores não têm de se deslocar. O programa e a frequência das atividades depende do que é pedido pelos empregadores.

“Sem tirar a produtividade à empresa – antes pelo contrário – [o corporate wellness] acaba por acrescentar níveis de produtividade maior, níveis de stress mais baixo, aumento da atenção/concentração, porque as pessoas acabam por fazer uma pausa ativa e regeneram todos os níveis de energia”, explica empresário.

Saúde mental = saúde física

A equação é de António Horta Osório, CEO do britânico Lloyds Bank. Vítima de um esgotamento que o obrigou a parar (em 2011), o gestor aprendeu com a sua experiência e implementou um programa no banco para apoio psicológico a quem precisa.

No Lloyds, saúde mental já não é assunto tabu nem objeto de olhares estranhos. Como escreve num artigo publicado no jornal “The Guardian” (1 de maio), “o local de trabalho continua a ser onde mais se luta contra os impactos de uma má saúde mental: e os custos são devastadores”.

Neste artigo, o gestor português admite que “aprendeu várias lições ao longo da vida” e defende uma liderança atenta a estes problemas para se mudar para melhor. “Temos de apagar quaisquer traços de estigma” sobre a saúde mental.

O tema do bem-estar no trabalho e da saúde mental foram mais recentemente abordados num documento da OMS, que na terça-feira publicou um guia para preparar reuniões saudáveis e sustentáveis.

A disposição das cadeiras, a comida e o exercício físico são alguns dos pontos aflorados no documento.

Comentários
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  • Anónimo
    05 ago, 2018 11:49
    Do que preciso? De um patrão que seja um ser humano e não um incompetente que teve a sorte de ter papás ricos. É tanto que exigem para dar emprego que não vejo um único patrão em condições de ser empregado.

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