21 mai, 2018 - 10:22
Dizem que o leque nasceu quando o Cupido, deus do amor para os romanos, encantado com a beleza da sua amada, Psique, roubou uma asa a Zéfiro, deus do vento, para a refrescar enquanto dormia. Mas o leque ganhou asas próprias, fez parte da mística da Idade Média e dominou o universo feminino em várias zonas por todo o mundo.
Mais do que para refrescar a mulher, o leque - ou abanico, como é conhecido na América Latina - pode servir para tornar as mentalidades mais frescas, com novas brisas de cultura. Pelo menos, é isso que a exposição “Brinquedos para Ícaro” pretende mostrar.
Tudo começou em Cuba, quando a criadora da Bienal de Arte de Havana, Llilian Llanes, recebeu um abanico personalizado por um artista e amigo pessoal para a proteger do calor. O que começou como uma brincadeira ganhou outros contornos. Mais artistas se juntaram ao desafio: “Inicialmente, quando inaugurou em Havana, a exposição tinha apenas 45 leques. Depois, foi para Valência, para o Museu Nacional de Cerâmica. Isto já foi há 20 anos”.
Hoje, o espólio apresentado no Museu da Quinta de Santiago, em Leça da Palmeira, conta com 205 leques, de cerca de 140 artistas diferentes. A coleção reúne trabalhos de fotógrafos, pintores, gravadores, escultores, de países como Cuba, Uruguai, Argentina, Espanha ou República Dominicana, que utilizam as mais diversas técnicas e materiais. Há, ainda, obras exclusivas de artistas que já morreram, de uns mais velhos e outros mais jovens. Até Yoko Ono está no lote, depois de ter personalizado o seu próprio leque, inspirada pela tónica da exposição.
Cada leque é uma história
“Fazemos questão de que sejam obras de arte absolutamente identificáveis, de que as pessoas vejam e percebam logo de quem é”, reflete a filha de Llian Llanes, Lilian Boti Llanes. Mais do que isso, “cada um tem uma temática e uma forma de se expressar”.
Usando o leque como um suporte que encerra vários aspetos da arte contemporânea, todos os artistas têm “uma história para contar”. “O que nos une a todos é o amor pela arte. Arte é arte”, acrescenta Lilian Boti Llanes. Por isso, os temas das criações artísticas são vários, desde o erotismo ao papel da mulher, passando pela ecologia e pelas migrações.
Há, também, influências das artes afro-cubanas e até do domínio da União Soviética: “Isso reflete-se na técnica do artista cubano, mais rigorosa, porque tinham professores de pintura russos.”
Questionada sobre o valor monetário do espólio que apresenta, Lilian Boti Llanes, não sabe responder. Diz que o valor emocional se sobrepõe e que esta é “uma coleção de amigos, porque temos uma relação muito pessoal com os artistas”.
Trazer a exposição “Brinquedos para Ícaro” até Portugal faz todo o sentido para a filha da colecionadora, porque “em Portugal não há grande conhecimento acerca dos artistas contemporâneos da América Latina. Partindo de um objeto como o leque, pode tornar-se mais apelativo”.
Também aqui as histórias se interligam, porque a dona da casa da Quinta de Santiago, Maria Carolina Magalhães, era uma colecionadora de leques.
E, se Gabriel García Márquez escreveu “à merda o leque que o tempo é de brisa”, “Brinquedos para Ícaro” vem mostrar que também as brisas que o abanico agita são necessárias, para trazer novos valores culturais, conhecer raízes e construir novas formas de pensar a arte.
“Brinquedos para Ícaro” vai estar patente no Museu da Quinta de Santiago, em Leça da Palmeira, até 9 de setembro, sempre de terça a domingo. Uma oportunidade para conhecer nomes como Alfredo Sosabravo, Manuel Mendive, Roberto Fabelo, Rene Francisco Rodríguez, Eduardo Ponjuán, Jose M. Fors y Pedro de Oraa, todos vencedores do Prémio Nacional de Artes Plásticas de Cuba.