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Prostitutas, notícias falsas e dados. Como a Cambridge Analytica se propõe influenciar eleições

20 mar, 2018 - 11:36 • Rui Barros

Uma investigação do Channel 4 News mostra como é que a empresa por detrás do sucesso eleitoral de Donald Trump se propõe a influenciar o resultado de eleições.

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Os diretores da Cambridge Analytica, a empresa de comunicação estratégica a que Donald Trump recorreu para as eleições de 2016, foram acusados de recorrer à divulgação de notícias falsas, armadilhas sexuais e aos serviços de ex-espiões para influenciar eleições.

Numa investigação do canal de televisão britânico Channel 4 News, na qual os jornalistas se fizeram passar por um representante de um cliente abastado que tinha interesses em influenciar as eleições no Sri Lanka, a empresa de consultoria oferece-se para criar uma estratégia para denegrir o adversário. As sugestões apontavam para a oferta de subornos ou para a tentativa de apanhar o candidato num escândalo sexual.

“Vamos oferecer uma grande quantidade de dinheiro ao candidato para financiar a sua campanha. Vamos gravar tudo, ocultamos o rosto da nossa pessoa e publicamos na internet”, pode ouvir-se na gravação oculta recolhida pelos jornalistas do canal britânico.

Noutro momento, Alexander Nix, diretor-executivo da Cambridge Analytica, oferece-se para enviar prostitutas para a porta do candidato, de forma a tentar encurralar o adversário numa armadilha sexual. “Acho que funciona muito bem”, diz Nix, que também abre a possibilidade de recorrer a ex-espiões com quem a empresa trabalha para facilitar o processo.

Apesar dos planos concretos, a gravação mostra Nix a ressalvar que tudo se tratava de “cenários hipotéticos” baseados em experiências noutros países. “Por favor, não liguem muito ao que estou a dizer, porque estou só a dizer exemplos do que pode ser feito, daquilo que já foi feito”, esclarece o diretor-executivo da Cambridge Analytica.

“Sei que parece uma coisa terrível de se dizer, mas estas coisas não precisam necessariamente de ser verdade, desde que acreditem”, diz Nix aos jornalistas, sem saber que está a ser gravado.

“Estamos habituados a operar através de diversos meios, nas sombras, e mal posso esperar para que possamos construir uma relação muito longa e secreta consigo”, pode ouvir-se Nix dizer na primeira conversa com os jornalistas disfarçados de clientes.

A reportagem do Channel 4, em inglês.

De acordo com o canal de televisão, os encontros entre os repórteres do canal e os representantes da Cambridge Analytica aconteceram entre novembro de 2017 e janeiro de 2018.

Confrontados com as gravações do canal britânico, a Cambridge Analytica refutou, em comunicado, todas as alegações, dizendo que a empresa não recorre a subornos, batota ou atividades ilegais nas suas atividades de consultoria.

“Big data is watching you”

Esta não é, no entanto, a primeira vez que a empresa de comunicação estratégica se vê envolta em polémica. Este fim de semana, a empresa que foi contratada pela campanha de Donald Trump para influenciar as eleições foi acusada de ter recorrido ilegalmente aos dados de 50 milhões de utilizadores do Facebook. Será a maior fuga de informação desta rede social.

O episódio foi denunciado por um ex-funcionário da consultora à publicação semanal do britânico The Guardian – o The Observer – que explicou que a empresa terá usado os dados de uma aplicação criada pelo Aleksandr Kogan, professor de psicologia da Universidade de Cambridge, para criar um modelo estatístico que está na base na maior arma da Cambridge Analytica.

Vídeo promocional da Cambridge Analytica.

Aleksandr Kogan terá criado, em 2015, uma aplicação chamada “thisisyourdigitallife”, que oferecia às pessoas que autorizassem o acesso aos seus dados um teste de personalidade, justificando-se perante as normas de utilização da empresa como sendo uma “aplicação de investigação usada por psicólogos”. Estima-se que 270 mil pessoas terão autorizado que a aplicação recolhesse informação sobre si e sobre todos os seus amigos na rede social.

O facto de os utilizadores terem autorizado a utilização dos dados, que eram depois partilhados com a Cambridge Analytica, é o principal argumento que o Facebook usa para dizer que não se trata de uma fuga de informação mas sim uma violação das normas da comunidade por um programador de aplicações na plataforma.

No mesmo comunicado onde a empresa refuta as alegações de uma fragilidade no seu sistema de segurança, a empresa de Zuckerberg anunciou que cortará todas as relações com a Cambridge Analytica. A própria fonte do The Observer, Christopher Wylie - que já não trabalha mais na empresa – viu a sua conta suspensa na rede.

Na segunda-feira as ações em bolsa do Facebook sofreram uma queda de 6,8%.

Facebook, Cambridge Analytica e Kogan assumem responsabilidades, mas negam ter culpas do uso de dados
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Na entrevista ao meio de comunicação social britânico, Wylie explica como a Cambridge Analytica foi pensada especificamente para influenciar as eleições britânicas. O mesmo alega que, em 2016, a empresa lhe pediu para apagar os dados que tinha recolhido, mas que isso nunca aconteceu.

A Cambridge Analytica era, nesta altura, gerida por Steve Bannon, antigo conselheiro sénior de Donald Trump. A empresa é detida por um fundo de investimento associado ao multimilionário Robert Mercer, que terá sido um dos maiores financiadores da campanha pelo Brexit.

Durante a conversa com os jornalistas do Channel 4, Alex Tayler, um dos líderes da equipa de dados da Cambridge Analytica, reconhece que recorreram a dados para procurar influenciar eleições nos Estados Unidos e no Quénia. Mark Turnbull, diretor da CA Global Political, uma das empresas associadas à Cambridge Analytica, acrescenta que o mesmo terá sido feito no México, na Malásia e na Austrália. “Agora vamos para o Brasil”, diz.

De acordo com o site oficial, a empresa tem sucursais em Nova Iorque, Washington, Londres, Brasil e Malásia.

Para além dos lugares já referidos, acredita-se que a empresa terá tido também um papel preponderante no Brexit. A comissão de eleições do referendo está a investigar o Facebook e a Cambridge Analytica pelo eventual papel que desempenharam no referendo para a saída do Reino Unido da União Europeia.

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