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​Funeral das primeiras seis vítimas de Pedrógão. Uma dor maior

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​Funeral das primeiras seis vítimas de Pedrógão. Uma dor maior

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21 jun, 2017 - 00:17 • João Carlos Malta (texto) e Joana Bourgard (fotos)

Foram as primeiras cerimónias fúnebres dos 64 mortos dos fogos no centro do País. Seis foram a enterrar. Nenhum político nacional esteve nas cerimónias.

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Os seis caixões estavam já ali colocados a poucos metros do altar. Em frente um jovem, familiar das vítimas, com menos de 30 anos. Mal se sustinha nas pernas. O olhar vazio. Perdido. Circulava à volta dos corpos, abraçado a outra pessoa para não cair. Uma dor maior do que se pode imaginar e impossível de descrever.

O funeral das primeiras seis vítimas dos fogos de Pedrógão Grande, que vitimaram 64 pessoas, ocorreu esta terça-feira em Sarzedas de S. Pedro, em Castanheira de Pêra.

Muito antes de os corpos chegarem já centenas de pessoas estavam nas imediações da igreja. Por todo o lado, havia uma comunhão de abraços, de lágrimas, de murmúrios, de pequenas orações, de uma profunda tristeza.

O consolo chegava numa cara conhecida, num afago, num beijo. Um penso rápido para o sofrimento. Mas mesmo sem falarem, as pessoas tinham estampadas no rosto a perda, as perdas, que a aldeia sofreu. Demorará a passar. Muito.

Os pensamentos paravam em seis rostos. Os das vítimas. E nas histórias que os levaram até o trágico desfecho. Eliana Damásio, de 38 anos, e o marido António Nunes, de 41 anos, o irmão deste, Nélson de 33 anos e um amigo, Paulo Silva de 36 anos morreram asfixiados pelo fumo depois de terem decidido abandonar a aldeia num carro que deixaram próximo do cemitério, tendo sido encontrados no chão com o cão, um labrador.

As outras duas vítimas, Manuel Bernardo e Maria Odete dos Santos, na casa dos 60 anos, tinham ido à aldeia passar o fim-de-semana com familiares. Despistaram-se à saída durante a fuga das chamas, sendo que no local ainda se encontra o carro em que morreram.

Já pouco faltava para as 18h00, quando os carros funerários chegaram com os corpos. E se as lembranças já levavam a prantos, o choro desenfreado, os gritos, a raiva contra o absurdo solta-se quando se vêem os caixões a chegar à igreja.

Muitos seguem para dentro para ouvir a homília, mas não cabem todos lá dentro. Há quem nem sequer aguente a emoção, os nervos, a angústia. Saem para as imediações, e ficam distribuídos à volta do recinto da igreja.

Há crianças, muitas crianças. Dois meninos com menos de 12 anos estão de mãos no rosto. Lágrimas nos olhos. Vão respirando aos solavancos. O apoio psicológico do INEM e da PSP não tem mãos a medir. São muitos os que precisam de auxílio. As conversas sucedem-se, prolongam-se. Todos têm uma história. São monotemáticas, ou começam ou acabam no fogo.

Há quem não aguente suster a revolta que lhe corrói o corpo. Uma mulher num grupo com mais cinco amigos não tem papas na língua. "Para aqui não veio ninguém acudir-nos. Deixaram-nos morrer aqui assados. Sabes porquê? Porque não mora aqui ninguém. Não querem saber. Agora evitam mesmo de aparecer".

No funeral das primeiras vítimas dos fogos que estão a assolar o centro do país não compareceu nem o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, nem o primeiro-ministro, António Costa, nem qualquer outro elemento do Governo. Marcelo enviou uma palma de flores às famílias.

Durante a homília proferida pelo bispo de Coimbra, sob um calor tórrido de cerca de 40 graus, D. Virgílio Antunes ressalvou a dificuldade de não ficar perturbado perante uma situação da magnitude da que está a ser vivida nos últimos dias. Mas quis deixar uma mensagem de esperança a todos os que ali foram: "Estamos uns com os outros e por todo o lado há uma onda de caridade dos que estão perto e dos que estão longe", enunciou.

Para o bispo de Coimbra, as várias acções que muitos têm levado a cabo são uma manifestação de caridade e da "presença de Deus no meio de nós".

A noção de que cada um de nós não é substituível esteve nas palavras do bispo de Coimbra. "Ninguém substitui ninguém. Os que partem vão faltar no coração e nas relações. A vida é assim e temos de encará-la dessa forma", enfatizou D. Virgílio Antunes.

No exterior, as conversas eram sobre essa mesma vida e a forma como os campos não são tratados. "Épa, a pagar 12 euros por hora e para roçar meia dúzia de metros quadrados, quem é que tem dinheiro para isso?", perguntava um homem a um amigo. "E mesmo assim há poucos para o fazer e quem o queira fazer", responde o outro. Passado um bocado ambos concordam que se o Estado apertar ainda mais as exigências no cuidado e limpeza das matas vai levar "a que muitos entreguem as terras".

Passadas duas horas, as cerimónias fúnebres das primeiras seis vítimas terminaram. O caminho para o cemitério, ali perto, é longo. Os sentimentos não estão apenas à flor da pele, estão em toda a envolvente. Em Sarzedas, uma aldeia já pequena e com poucas pessoas, o fogo foi impiedoso e retirou mais vida(s) ao lugar.

Comentários
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  • Renato
    21 jun, 2017 Castanheira de Pera 14:40
    Eu queria apenas apelar a que tirassem a foto da criança em lágrimas. Para preservação da sua intimidade. Tirem essa ao menos, por favor.
  • novas
    21 jun, 2017 evora 08:33
    Que foram os senhores lá fazer, dar uma palavra de conforto, um afeto ou então e como sempre fotografar os momentos de dor dos outros, lastimável

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