Emissão Renascença | Ouvir Online
A+ / A-

Reportagem multimédia

“Se disser que sou agricultor, já sou visto como uma pessoa normal"

23 set, 2015 - 18:26 • Dina Soares , Joana Bourgard

Afonso e José Maria Lebre começaram há um ano a produzir romãs. Filhos de agricultores, o regresso à terra da família foi a saída natural quando outras portas se fecharam. A cada ano, há três mil novos agricultores. Muitos são jovens, têm formação superior e usam novas tecnologias.

A+ / A-

Todos os meses há cerca de 300 jovens que decidem ser agricultores. Por opção ou por falta dela, três mil pessoas engrossam, todos os anos, o sector primário. São, em regra, jovens, qualificados e com ideias modernas para uma agricultura que continua maioritariamente entregue a homens com 65 anos ou mais.

O último Inquérito à Estrutura das Explorações Agrícolas, feito pelo Instituto Nacional de Estatística em 2013, revela que o campo está a viver, nestes últimos anos, uma revolução silenciosa e lenta. Muito lenta.

João Machado, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), reconhece que o sector está mais pujante do que há cinco anos.

O progresso, diz João Machado, deve-se à crise – que levou muitos jovens e alguns menos jovens a voltarem-se para a terra – mas também ao próprio reposicionamento do sector e à maior afluência de fundos comunitários, complementados com os correspondentes fundos nacionais.

cap
cap

Em Portugal, cerca de 80% do território (7 milhões de hectares) estão ocupados pela agricultura e pela floresta. 3,6 milhões de hectares (39,5% do território) constituem a superfície agrícola utilizada.

São números que se mantêm estáveis, apesar de, nos últimos quatro anos, terem desaparecido mais de 40 mil explorações. As “vítimas” são normalmente pequenas propriedades, o que significa que as que ficam se tornam maiores: no mesmo período, a dimensão média das propriedades portuguesas passou de 12 para 13,8 hectares.

Propriedades maiores, maior recurso às novas tecnologias e culturas mais adaptadas ao clima e ao solo resultam em mais produção. Portugal ainda é deficitário em termos agrícolas, mas, em 2014, o défice de produtos agrícolas e agro-alimentares diminuiu 465 milhões de euros.

As mais recentes Estatísticas Agrícolas do INE revelam que as importações caíram 4,3%, enquanto as exportações cresceram 4,7% face ao ano anterior. As vendas de frutas e legumes foram as que mais aumentaram.

Romã, a fruta que veio da Pérsia

José Maria Lebre é um dos muitos jovens recém-chegados à agricultura. Arquitecto paisagista de formação, entrou no mercado de trabalho exactamente nos piores anos para a arquitectura.

Filho de uma família de agricultores, trabalhar a terra surgiu como a alternativa óbvia. Em parceria com o seu irmão Afonso, lançou-se na cultura de romãs.

A Torre D. Gayão, na região de Tomar, está a ser gradualmente transformada num pomar. O investimento total ronda os 400 mil euros, com uma comparticipação comunitária de 158 mil euros e uma comparticipação nacional que passa os 50 mil euros.

No ano passado plantaram 22 hectares de romãzeiras e dentro de dois anos esperam estar a produzir 600 toneladas de romãs por ano. Este ano, a produção ainda é pequena - ainda não dá para viver. Das 350 mil pessoas que se dedicavam à agricultura no segundo trimestre deste ano (dados do INE), apenas 6,2% viviam exclusivamente da actividade na exploração agrícola, enquanto 81% possuíam outros rendimentos, sobretudo pensões de reforma.

O mercado externo é a grande aposta de José Maria e Afonso. Para poderem exportar, associaram-se a uma cooperativa de produtores que já vende grande parte das suas produções no estrangeiro. E se é certo que, em Portugal, a romã ainda não entrou muitos nos hábitos de consumo, a nível internacional está na moda, sobretudo devido à fama de alimento antioxidante.

Para já, o objectivo é vender os frutos frescos, muito embora a romã se preste a múltiplos usos, como sumos, xaropes, chás e até cosméticos.

zemaria
zemaria

Combater pragas com o telemóvel

A entrada em força das novas tecnologias nos campos tem sido um dos principais motores de desenvolvimento da agricultura. Afonso Lebre já rega as romãzeiras através de um sistema operado por controlo remoto, que lhe permite saber, mesmo a milhares de quilómetros de distância, quais as árvores que precisam de mais água. Na agricultura, sete em cada dez pessoas têm o ensino básico e só 5,5% têm habilitações de nível superior. São estes que fazem a diferença.

Afonso estudou na Escola Agrícola de Santarém. Foi lá que conheceu dois dos três sócios com quem se juntou para criar uma aplicação informática destinada a detectar pragas nas culturas.

Foi com a ajuda de um programador que criaram a OPEN PD, uma aplicação que chegou este mês ao mercado e que, mediante a fotografia da planta e uma breve descrição, permite fazer o diagnóstico e aconselhar o tratamento.

O projecto está a ser financiado pelo 7º Programa Quadro da União Europeia e funciona em rede com empresas e distribuidores de fito-fármacos, técnicos, comunidade académica e organizações de produtores e agricultores.

afonso agricultor
afonso agricultor

São tecnologias do século XXI que convivem, na mesma propriedade, com memórias do século XII. Os pomares de Afonso e José Maria partilham a propriedade com a Torre da Murta, uma construção que remonta à época da reconquista cristã, conhecida na região por Torre D. Gayão em memória do gigante que, segundo a lenda, se escondia ali para roubar o ouro a quem passava. Hoje, dá nome à propriedade.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • maria jose galvão lucas
    30 set, 2015 Estoril 11:40
    Parabéns pelo projecto Eu acredito na agricultura liderada pelos jovens formados agricultores Adoro Româs
  • alberto sousa
    26 set, 2015 portugal 09:43
    Hoje está na moda o "empreendedorismo" na agricultura, é louvável e tudo muito bonito mas tem um enorme problema, o escoamento dos produtos. As grandes superfícies, principalmente por serem os maiores potenciais clientes, estão-se marimbando se o produto é português ou não, por isso apostam na compra de produtos vindos de espanha ou do norte de áfrica, que vêem muito mais baratos. Já vi muitos agricultores honestos (não os pseudo agricultores de sofá que vivem de subsídios) a irem à falência porque não conseguem mais de 10 cêntimos por quilo da cebola, 7 cêntimos pela courgette ou 5 cêntimos pelas pencas, entre outros produtos, o que não dá sequer para as despesas de produção. Infelizmente os sucessivos governos não fiscalizam nem adotam regras que os protejam, então assim de que serve andar a dar milhões, muitos milhões, para projetos que não duram mais do que 4-5 anos e depois fecham?
  • Armando Cotrim
    25 set, 2015 Ferreira do Zêzere 12:39
    É em Ferreira do Zêzere. Não é na "região de Tomar".
  • mara
    24 set, 2015 Portugal 23:09
    Um dia uma senhora que por acaso ganhou a sua fortuna à custa duns "humildes lavradores" disse a uma jovem: Não penses que descendes de famílias ilustres, porque não descendes, o teu bisavô paterno, não era ilustre! E os teus avós não passavam de humildes lavradores, a jovem respondeu: O meu bisavô, um Monárquico que salvou um Padre morrer, tenho orgulho nele por isso, os meus avós foram uns humildes e honrados lavradores que deram o ser a muita gente...Foram estas humilhações que infelizmente tiraram muitas pessoas da agricultura
  • Zé das botas
    24 set, 2015 Alentejo 21:58
    Ainda dizem que não há trabalho, em vez de financiarem estágios para servir cafés e arquivar papelada metam a malta a trabalhar a terra. O que não falta é mão de obra (1 milhão no desemprego mais precários e estágios da treta) e propriedades abandonadas. E se esses não querem há quem queira, os refugiados não tarde estão ai a bater à porta...
  • Jose Machado
    24 set, 2015 Santo Tirso 19:08
    O que devo fazer para que as romãs não rachem ao meio .Gosto desta fruta e tenho três árvores .
  • Pedro
    24 set, 2015 Bencatel 18:53
    São subsídios a cair aos trambolhões, esta nova vaga de pseudo-agricultores são os agricultores que deitaram mão às casas agrícolas para as transformar em turismo rural a muitas não receberam um único turista mas estavam sempre cheias. Na minha zona os agricultores são agricultores de mesa de café e recolectores de subsídios, o Zé Povinho esta cá para pagar.
  • Zé-Povinho
    24 set, 2015 Lisboa 18:48
    Este país, tem potencialidades que a maioria desconhece. Preferem ir para a grande cidade, armados em chics, a ganhar salários qua afinal, nem são "por aí além" e fazerem de conta que são modernos, quando na verdade, é muito mais nobre estar no campo e puxar pelo empreendorismo. Já há muito anos que os Espanhóis e outros estrangeiros, descobriram as potencialidades que este país tem, em produzir produtos de base.

Destaques V+