20 nov, 2017
A catástrofe dos incêndios que queimaram uma parte significativa da floresta portuguesa levou muitos actores políticos e mediáticos a acusar o(s) governos) e ter(em) esquecido o interior. Digamos que Portugal a sério, para essa gente, é o que gira e circula em torno da auto-estrada que liga Moledo a Setúbal. O resto são outras auto-estradas que atravessam o país e levam os habitantes da costa à terra natal ou para circular a caminho de Espanha. Há um outro Portugal: o daqueles que ficaram, muitas vezes condenados à solidão e ao esquecimento.
Mas os mesmos media que denunciam o abandono dos idosos em lugarejos improváveis em que medida não são também corresponsáveis por esse abandono? Que motivos os fazem dar a conhecer quem são, como vivem e o que sonham ou descrêem esses que ficaram ou tiveram de ficar? É preciso haver Pedrógão(s)? E será que, passado o primeiro aniversário da tragédia, algo de diferente se verificará?
São dois países Portugal, se não mais. E achamos que a nação é una e indivisível. Como caracterizava recentemente o reitor do seminário de Angra do Heroísmo, nas jornadas diocesanas de comunicação social que decorreram nas Lajes do Pico, vivemos em sociedades “tribalizadas”, em que “metade das pessoas não sabe nada sobre as outras pessoas”.
Já nos perguntámos o que diz a essas periferias geográficas e sociais – que por vezes cercam mesmo os grandes centros urbanos – o telejornal do dia e os de todos os dias?
Hoje é, de vários pontos de vista, mais fácil acompanhar o que se passa em Washington, Bruxelas ou Lisboa do que o que acontece na freguesia ou concelho o lado. E, no entanto, tudo sugere que o que se passa nessas periferias de solidão, desemprego e má-sorte de sobreviver em “lugares mal situados” seja crucial para perceber as acções e inacções de quem pode, quer e manda.
Tenho para mim que um dos maiores dramas do mundo que construímos é o ruído (inclusive informativo) que impede de escutar o silêncio dos segregados e esquecidos.
Para voltar aos incêndios e ao rasto de destruição e dor que deixaram: é perverso o tratamento jornalístico que segue esse rasto na medida em que ele permite alimentar um outro fogo, que não conhece nem verão nem Inverno e que é o da guerrilha e da futilidade. Dará porventura combustível para as jogadas políticas dos salões. Não dá é nada a quem precisa para se levantar do chão.