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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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Tentar perceber

A dança dos preços do petróleo

18 nov, 2017 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


A prazo, o petróleo perderá importância como fonte energética. Mas até lá predomina a incerteza.

Na segunda-feira passada os combustíveis, gasóleo e sobretudo gasolina, subiram de preço em Portugal. Ora, na próxima segunda-feira voltarão a descer os preços dos combustíveis. Esta volatilidade segue, embora não paralelamente, o que se passa no mercado de petróleo bruto (“crude”).

O barril de “brent”, que serve de referência para o petróleo que Portugal importa, chegou quase a 150 dólares em 2008, depois baixou. Entre 2011 e 2015, porém, situou-se em geral acima dos 100 dólares. Mais recentemente, baixou até perto de 45 dólares em Junho, mas depois disso subiu para um pouco mais de 60 dólares. Não é barato, mas está longe de configurar um novo “choque petrolífero”.

Dir-se-á que, tendo em conta o forte crescimento das energias renováveis (sobretudo a solar e a eólica), a anunciada entrada em força no mercado dos veículos movidos a electricidade e, ainda, os progressos conseguidos na eficiência energética (nos automóveis, nomeadamente), seria de esperar que o preço do petróleo fosse mais baixo.

Factores de alta

Talvez, mas há que contar com pelo menos dois factores que apontam no sentido da alta. Primeiro, a produção de electricidade em centrais termoeléctricas também frequentemente consome petróleo - fuel (além de carvão, muito poluente e ainda utilizado da China à Polónia, e do gás natural, menos poluente). Na reunião de Bona sobre clima, esta semana vários países prometeram deixar de produzir electricidade a partir do carvão dentro de alguns anos – França, Reino Unido, Itália e também Portugal. Já a Alemanha (que vai abandonar o nuclear), a Polónia e a Espanha não assinaram esse compromisso.

Por outro lado, a OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo), acompanhada pela Rússia, tem em curso, e certamente irá renová-lo, um acordo de cortes na produção, para não deixar cair os preços do “crude”. Um acordo que tem revelado uma certa eficácia, ao contrário de acordos anteriores.

Um dos motivos que fez e faz pressão no preço do barril, no sentido da baixa, tem sido a produção petrolífera nos Estados Unidos, utilizando a técnica do “fracking” – o chamado petróleo de xisto, obtido através da perfuração de rochas xistosas (técnica com perigos para o ambiente). Segundo estimativas da Agência Internacional de Energia, o aumento da produção petrolífera americana até 2025 será o maior jamais registado.

Os EUA tornam-se, assim, o primeiro produtor mundial de “crude” e gás natural. Graças a aperfeiçoamentos técnicos, os americanos conseguiram aguentar a guerra de preços desencadeada pela Arábia Saudita (que, entretanto, já desistiu), quando estes estavam muito baixos. A Agência Internacional de Energia prevê que os EUA sejam os líderes na produção de petróleo e gás durante as próximas décadas.

Instabilidade no Médio Oriente

Esta evolução tem importantes consequências geopolíticas. Mas, inversamente, há evoluções políticas em curso no Médio Oriente susceptíveis de encarecer o barril de “crude”.

Agravou-se o conflito entre dois grandes ramos do islamismo – xiitas e sunitas. Os primeiros liderados pelo Irão, os segundos pela Arábia Saudita. Não é certo que Trump mantenha os EUA no acordo sobre armamento nuclear entre o Irão e os cinco países membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e ainda a Alemanha, o que poderá reforçar os fundamentalistas iranianos, em prejuízo dos moderados, como o presidente Rohani.

Porventura mais grave é o que se passa na Arábia Saudita. O príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman, de 32 anos, é quem de facto hoje manda no país. Por ordem sua foram recentemente feitas dezenas de prisões, incluindo de príncipes. Mohammed quer modernizar a Arábia Saudita, tornando-o menos dependente do petróleo. E, pelo menos nas palavras, pretende uma sociedade plural e tolerante, sem extremismos religiosos.

Até aí, nada a objectar – tirando a maneira brutal como foram conduzidas as purgas de altos personagens. É no plano externo que as opções do príncipe herdeiro são menos simpáticas.

A Arábia Saudita mantém desde há quase três anos uma sangrenta guerra contra os Houthis do Iémen, muito ligados ao Irão. A Arábia Saudita, aparentemente com a bênção de Trump, desencadeou um isolamento ao Qatar por parte dos outros países da região – levando o Qatar a ligar-se ainda mais a Teerão. Com este cerco ao Qatar deixou de funcionar o Conselho de Cooperação para os Estados Árabes do Golfo.

Aumentaram, assim, os riscos de graves conflitos árabes no Médio Oriente, incluindo no interior da Arábia Saudita. Cresce a tensão entre xiitas e sunitas, bem como entre iranianos e sauditas. O que poderá prejudicar a produção petrolífera, fazendo subir os preços do “crude”, principal fonte de riqueza daquela região.

Concluindo: por muito que seja provável, a longo prazo, uma descida do peso do petróleo no abastecimento energético mundial, há inúmeras incertezas que, a confirmarem-se algumas delas, poderão provocar subidas pontuais. Daí que a aposta sensata para países consumidores de petróleo como Portugal seja continuar a apostar nas energias limpas e melhorar a eficiência energética.

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