11 nov, 2017
Depois dos “Panama Papers”, temos agora os “Paradise Papers”. Em ambos os casos se trata de documentação subtraída electronicamente de computadores de sociedades de advogados, envolvendo dinheiro (muito) aplicado em “off-shores”.
Milhões de documentos que um consórcio internacional de jornais (onde figura o “Expresso”) e de jornalistas de investigação decidiu analisar a fundo.
Mas há uma diferença: enquanto os “Panama Papers”, revelados em Maio de 2016, versavam sobretudo o chamado dinheiro sujo (dinheiro da droga, do tráfico de armas, do crime organizado, etc.), os “Paradise Papers” dizem respeito, quase todos, a esquemas legais, ou na fronteira da legalidade, de fuga aos impostos.
Por isso, a maioria das pessoas “apanhadas” nos paraísos fiscais pelos “Paradise Papers” são gente da elite social, económica e política, que não associamos ao mundo do crime. Até a Rainha de Inglaterra, Isabel II, lá figura…
Aliás, a firma de advogados de onde são originários muitos dos documentos divulgados nos “Paradise Papers”, a Appleby, baseada nas Bermudas, procura manter-se dentro da legalidade formal o mais possível, para não prejudicar a sua reputação. Já o mesmo não se passava com a sociedade de advogados do Panamá, Mossack Fonseca, da qual veio o grosso dos “Panama Papers”.
O que é ainda mais chocante, pois revela que grandes empresas multinacionais e gente muito rica podem recrutar advogados de alto calibre para aproveitarem os alçapões das leis e torneá-las, visando não pagarem impostos, ou pagarem somas mínimas.
Por isso afirmou o economista-chefe da Tax Analysts: “Não há nada de ilegal quanto a deter uma conta bancária nas Bermudas. Só haverá problema se não incluir o dinheiro depositado na sua declaração de impostos”.
Legal, talvez, mas imoral certamente
É verdade – mas é óbvio que a grande maioria dos que colocam dinheiro em paraísos fiscais pretende mesmo pagar menos impostos do que pagaria se não recorresse a tais “off-shores”. Os quais até podem ter algumas vantagens, como evitar a dupla tributação (que seria injusta) ou facilitar a circulação internacional do dinheiro.
Só que nada disso compensa a falha ética: o dinheiro que os ricos evitam pagar aos seus Estados acaba por vir de impostos sobre os menos ricos, que não têm meios para contratarem um batalhão de juristas capazes de descobrirem a maneira legal, ou quase, para não pagarem os impostos em princípio devidos.
Numa época de crescentes desigualdades de rendimentos, o chamado planeamento fiscal agressivo agrava essas desigualdades. É imoral.
Numerosas grandes multinacionais têm departamentos específicos para programarem a deslocação de grandes lucros obtidos em países de fiscalidade alta para filiais em países de impostos baixos. Ou para criarem sociedades-écrans ou “trusts”, dissimulando os ganhos reais. A Irlanda e a Holanda são muito procuradas para esse efeito.
Acabar com os paraísos fiscais
Mas porque não se acaba de vez com os paraísos fiscais? Porque eles dão jeito a muitas pessoas e empresas que influenciam o poder político. Tem havido alguns progressos, é certo, porque a opinião pública está cada vez mais chocada com os “off-shores”.
Por exemplo, têm-se multiplicado as pressões de entidades internacionais, como a UE e a OCDE, para aumentar a transparência dos paraísos fiscais.
A UE pretende ter concluída até o final deste ano uma “lista negra” dos paraísos fiscais opacos, por isso pouco ou nada controlados. O comissário Pierre Moscovici também quer obrigar os intermediários financeiros a serem transparentes nas propostas que fazem aos seus clientes.
Já a OCDE parece demasiado permissiva: na sua lista negra só se encontram Trinidad e Tobago. Ora, existem vários paraísos fiscais nos Estados Unidos e no Reino Unido. A UE admite aplicar sanções à Ilha de Man por esquemas de fuga ao fisco.
A luta contra a fraude e a evasão fiscal não é nada fácil. E só poderá ser ganha se a opinião pública a impuser aos políticos, não se contentando com meras declarações de intenção.