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Luís Cabral
Opinião de Luís Cabral
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​Economia: os fins e os meios

03 nov, 2017 • Opinião de Luís Cabral


É perfeitamente possível ser-se favorável ao fim (a melhoria do bem-estar dos menos favorecidos) e opor-se a um determinado meio (por exemplo, o salário mínimo).

A relação entre o Estado e a economia é frequentemente caracterizada no mesmo espaço em que se colocam as opiniões políticas: esquerda e direita. Por outras palavras, a esquerda propõe que o Estado tenha uma posição activa, o que tipicamente significa: tributação progressiva; serviços gratuitos (saúde, educação, etc); regulação directa dos mercados; propriedade colectiva dos meios de produção; e por aí fora.

A direita, pelo contrário propõe que o Estado garanta apenas o mínimo necessário para o funcionamento da economia: segurança pública, direitos de propriedade, e pouco mais.

Claro está que esta é uma visão simplista: há muitos tons de cinzento entre o preto e branco dos extremos da extrema esquerda e da extrema direita. Há muito poucas pessoas que se identificam com as perspectivas radicais do parágrafo anterior. O que me parece mais grave, no entanto, não é tanto o simplismo com que a esquerda caracteriza a direita e a direita caracteriza a esquerda. O que me parece mais grave é que, num espaço de opiniões unidimensional, facilmente caímos no erro de confundir meios com fins.

A solidariedade social pode ser atingida de várias formas: aumentando os salários dos mais pobres; criando um sistema de rendimento mínimo; fornecendo transportes gratuitos ou habitação subsidiada — e muitas outras possibilidades. Neste contexto, é perfeitamente possível ser-se favorável ao fim (a melhoria do bem-estar dos menos favorecidos) e opor-se a um determinado meio (por exemplo, o salário mínimo).

Nos últimos dias, discutiram-se vários exemplos relacionados com esta dicotomia entre meios e fins: o vale mobilidade (subsídio de transporte); a habitação social (possivelmente com propriedade pública); o PREVPAP (Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública); a regulação, por parte da Autoridade para as Condições de Trabalho, das desigualdades salariais em empresas com mais de 100 trabalhadores; manuais gratuitos até ao 12º ano; abertura de novas creches; e mais.

Para bem do debate público, seria bom que distinguíssemos entre fins e meios; e compreendêssemos que a oposição a algumas destas medidas não implica que o opositor "não tenha coração" ou seja um "economicista" para quem "apenas interessam os números".

Há meios e há fins.

Comentários
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  • MASQUEGRACINHA
    04 nov, 2017 TERRADOMEIO 20:49
    O problema com os fins e os meios não se coloca nesses termos algo folclóricos de ultraje perante intenções tão boas. Pegando no exemplo que apresenta, o salário mínimo, vejamos: por que motivo tem que existir a imposição legal de uma retribuição mínima garantida? Porque os fins dos patrões (o lucro) levam a considerar o trabalho como um factor de produção (um custo) igual a qualquer outro, que quanto menor, melhor, pelo que tendem a pagar sempre o mínimo possível. Numa perspectiva de direita, dir-se-á que os mecanismos de oferta e procura, e uma filosofia de premiar o mérito, e a responsabilidade social das empresas, e mais a necessidade de garantir o consumo, manterão tudo a andar sobre rodas. Mas então, o que pensar dos níveis de trabalho precário, provisório e parcial, que existem dentro de empresas saudáveis e afluentes, com grandes necessidades permanentes de força de trabalho e altíssimos índices de rotação de pessoal? O problema, o verdadeiro problema, reside na inversão dos meios e dos fins: o desenvolvimento social devia ser o fim último de todas as actividades humanas, incluindo as puramente económicas; e a remuneração, seja do trabalho, seja do capital, o meio para o atingir. A realidade da economia é perversamente inversa: o fim último é o lucro; um dos meios é a utilização do tempo e saber da vida humana, ao menor custo possível - incluindo grandes clamores e regateios com o pobre salário mínimo e com a taxa da segurança social, esses entraves "esquerdistas".
  • João Lopes
    03 nov, 2017 Viseu 10:22
    Excelente análise de LC. É verdade: «num espaço de opiniões unidimensional, facilmente caímos no erro de confundir meios com fins».