Emissão Renascença | Ouvir Online
Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
A+ / A-

​Incêndios e desertificação

23 out, 2017 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


Os incêndios florestais desertificam o interior. E a desertificação aumenta o risco de incêndios.

No sábado o Governo apresentou um grande número de medidas com três finalidades: indemnizar as famílias das vítimas e ajudar a recuperar o que os incêndios destruíram (casas, empresas, culturas, etc.), melhorar a eficácia do combate aos fogos e reformar a floresta. Este último ponto foi agora o menos tratado, devendo em breve ser objecto de medidas estruturais.

Não se dissipou a dúvida sobre se tudo isso será concretizado. As pessoas sabem que o Pinhal de Leiria é do Estado, que o desprezou, ardendo 80% dos pinheiros. E as leis sobre limpeza das matas, em particular junto às estradas, já existiam (embora menos exigentes do que as anunciadas no sábado), mas quase ninguém se preocupava com o seu cumprimento. É a nossa velha tendência de fazer muitas leis e não cuidar de saber se são ou não cumpridas.

Também não contribui para a credibilidade do Governo a fraca atenção que deu à seca extrema, que agravou os incêndios florestais. Há muito que, pelo menos, deveriam ter sido lançadas campanhas para a poupança no consumo de água. E impostas restrições na utilização desse bem cada vez mais escasso.

Os enormes incêndios deste ano vão agravar o despovoamento do interior. E prejudicam o turismo rural, sobretudo na zona centro do país. É um ciclo vicioso: como diminui a população no interior, aumenta o risco de os fogos alastrarem antes de começarem a ser combatidos; e os fogos afastam as pessoas que ainda vivem no interior.

A questão de fundo, porém, é outra: como travar o despovoamento do interior? A tendência para viver em cidades é universal. É dramática a situação dos idosos que sobrevivem em aldeias com meia dúzia de habitantes, ou ainda menos.

Essas pessoas devem ser apoiadas. Mas não se vê que as aldeias, na sua grande maioria, possam manter-se durante muito tempo. Ali não há ensino secundário, nem comércio, nem serviços públicos, nem empregos.

Terá então que se desenhar uma estratégia, e não apenas no papel, para tentar agrupar aldeias em cidades que tenham escala suficiente para nelas se instalarem serviços públicos e empresas privadas. Tarefa difícil que custará muito dinheiro.

Mas sem uma estratégia clara e coerente não vale a pena invocar a importância de combater a crescente desertificação do interior. Já chega de belos discursos sem consequências – por isso o último discurso do Presidente da República foi tão justamente aplaudido.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • mara
    25 out, 2017 Portugal 09:03
    Não sou de partidos nem de extremas, a meu ver algo destruiu esta infeliz Nação, um vinte e cinco em que se apregoava desamor ao lema: "Deus, Pátria e Família," depois o destruir da agricultura o que contribuiu para a desertificação, o desejo que os pais tiveram de dar uma vida melhor aos filhos, quantos comeram miseras sopas de pão para dar cursos aos filhos, como recompensa tiveram: o desprezo, o abandono, porque eram demasiado humildes e simples para serem pais dos senhores drs...os filhos partiram quem tinha bocadinhos de terra desinteressou-se, os pais ficaram velhos, outros morreram e o interior está a morrer vitima da maldade humana, porque as árvores só ardem quando acendem os fósforos e são vitimas do ódio e da indiferença...Falta cá um D. Dinis!
  • Vasco
    23 out, 2017 Santarém 22:59
    Os governantes estão todos de costas voltadas para o interior, dá poucos votos! Veja-se que o senhor ministro da agricultura entrevistado sobre o desaparecimento do pinhal de Leiria respondeu que estava informado de que a limpeza estava em ordem, não percebo o que é que este senhor está a fazer no governo pois se fosse um ministro a sério certamente de vez em quando ia dar uma voltinha pelo país num carrinho do Estado pago à nossa conta e com motorista e ir-se-ia inteirar do que na verdade se passa, normalmente é assim que qualquer empresário faz na sua empresa para que esta funcione em condições, como isto não é dele está-se borrifando!. Uma pergunta haveria ainda a fazer ao senhor ministro, se a mata estava limpa como o informaram certamente o Estado avançou com verbas para tal e se na prática assim não era, onde se passou esse dinheiro? Quem fala verdade?.
  • Pedro Silva
    23 out, 2017 Lisboa 14:25
    Despovoamento do interior... algo que o seu grande amigo e ex-primeiro-ministro, Aníbal Cavaco Silva não foi capaz de travar.
  • 23 out, 2017 13:03
    Muito pertinente! A desertificação impede a prevenção. O desinvestimento no interior e nas potencialidades agrárias levaram ao despovoamento e à quebra de natalidade. A retirada de serviços públicos das vilas e aldeias é um exemplo do que se não devia fazer. Há 47 mil jovens desempregados atualmente, aos quais poderiam ser dados incentivos a fixar-se em zonas regredidas do País. Apesar do esforço financeiro, é necessário começar a apoiar casais novos, ainda que faseadamente. Claro que estou a pensar em nacionais e não em grupos imigrantes, pois a colocação desses em zonas de escassa densidade seria bastante perniciosa.