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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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​A demissão do Estado

18 out, 2017 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


O Governo tem agora um discurso neoliberal no combate aos incêndios.

Anda muita gente a reclamar a demissão da Ministra da Administração Interna. Mas ocorreu já uma demissão mais importante: a do Estado, que deveria proteger a vida e os bens dos seus cidadãos e não o fez.

A tragédia de Pedrógão foi considerada um caso excepcional, único. Mas quatro meses depois voltou a acontecer uma tragédia de dimensão semelhante. Só que, entretanto, seguindo a programação feita em Janeiro e apesar de os meteorologistas alertarem para um Outubro muito quente, foram dispensados importantes meios. Ignorando que as alterações climáticas têm efeitos, incluindo na seca extrema. Com mais gente no terreno e mais meios aéreos a recente tragédia não teria sido evitada, mas as suas consequências teriam sido bem menos dramáticas.

Perante a sua própria impotência e incapacidade de prevenir, os governantes passaram a um novo discurso: apelar à sociedade civil que trate do assunto. Decerto que muitos incêndios têm origem em negligência de pessoas. Mas a primeira obrigação de um Estado digno desse nome é proteger as populações.

O primeiro-ministro, como é seu hábito, chutou para canto e agarrou-se ao relatório da Comissão de peritos – o qual critica severamente, entre outras coisas, o ataque ao incêndio de Pedrógão. Ora as linhas básicas desse ataque, e dos outros, seguiu as orientações traçadas por António Costa quando ministro da Administração Interna no primeiro governo de Sócrates.

Costa avisou que haverá mais incêndios. Como quem diz “habituem-se!”. A ministra pediu aos portugueses maior “resiliência” perante as catástrofes. E o secretário de Estado das Florestas aprofundou a nova política neoliberal do governo: “Têm de ser as próprias comunidades a ser proactivas e não ficarmos todos à espera de que apareçam os nossos bombeiros e aviões para nos resolver os problemas. Temos de nos autoproteger, isso é fundamental”. Como se milhares de populares não tivessem dado um contributo enorme no ataque aos fogos dos últimos dias.

Ou seja, é para a Governo aceitável que aconteçam coisas como a relatada ontem à Renascença por um empresário. A Sanindusa, empresa de cerâmica sanitária situada na Tocha, que utiliza tecnologia de ponta e exporta 70% da produção, ardeu totalmente. O seu administrador queixa-se de não ter recebido ajuda de ninguém para combater as chamas, apesar dos pedidos de socorro. E de a empresa ter fornos a trabalhar a altíssimas temperaturas e toneladas de gás armazenadas.

Por este andar, lá chegará o dia em que A. Costa pedirá que milícias populares combatam o crime. E entregue prisões a privados. Para já, mostrou a sua dificuldade em governar quando o vento está contra.

Comentários
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  • F.Almeida
    19 out, 2017 Porto 02:21
    Quem sopra o vento contra o que, comprovadamente, tem corrido bem?
  • Alexandre
    18 out, 2017 Lisboa 18:56
    Em vez de criticar o governo sobre esta calamidade pública, porque razão não se interrogou em relação às chamadas «queimadas» que muitas pessoas fizeram nesta zona do país, sabendo que se avizinhava chuva? Porque razão não critica aqueles que andaram a atear fogos na zona? O primeiro-ministro Mariano Rajoy culpou os mesmos criminosos, por atearem fogos na Galiza e com essa culpabilização foi desculpado. Trata-se uma vez mais e apenas de incriminar e culpabilizar um primeiro-ministro que não gosta, porque este pertence a um partido em que não vota. Caso o visado fosse Aníbal Cavaco Silva, o senhor Sarsfield Cabral aparecia aqui com um texto em sua defesa.
  • Andre Sousa
    18 out, 2017 vila pouca de aguiar 18:15
    Caro FSC, obrigado por mais um interessante artigo de opinião. Triste povo que se deixa manipular por uma "raposa manhosa", até o silêncio dos jornalistas é constrangedor....
  • No país da diversão
    18 out, 2017 Lisboa 11:12
    Falta uma parte importante, a demissão da imprensa/comunicação social. A imprensa/comunicação social deveria proteger os mais fracos dos abusos dos poderes que funcionam na opacidade, mas em vez disso prefere divertir o povo pois sabe que ele gosta muito disso. Há comentadores para comentar tudo, mas pouco do mais importante e parece que há assuntos proibidos.