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João Ferreira do Amaral
Opinião de João Ferreira do Amaral
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​Paradoxos do europeísmo

13 out, 2017 • Opinião de João Ferreira do Amaral


Desenganem-se os europeístas da supremacia europeia. O mundo deixou irreversivelmente de ser uma coutada dos “civilizados”, dos “europeus”

É sempre estranho e ao mesmo tempo fascinante constatar os múltiplos casos da política em que os extremos se tocam.

A estranheza e o fascínio vêm acompanhados por um imenso enjoo quando o tocar dos extemos se esconde debaixo de uma profunda hipocrisia.

É o que se verifica com o chamado europeísmo. Um dos pontos essenciais da visão do europeísmo extremista, adoptado pelas concepções federalistas europeias é o que defende que a Europa se deve tornar numa superpotência, com a forma de um estado federal, que exerça uma verdadeira soberania europeia. Isto para que a Europa tenha uma voz determinante no mundo.

Na verdade, o que está aqui em causa não é mais do que um resquício da supremacia do homem branco, patacoada que a Europa do século XIX chocou, que durou por quase todo o século XX e que deixa marcas no XXI. Pois quê? Um mundo que não seja governado por brancos europeus ou norte-americanos, onde Chineses, Indianos, Africanos, Latino-americanos partilhem a governação do globo? Temos de novo a invasão dos bárbaros? Não sabemos nós que todos eles são consabidamente ineptos para respeitar os direitos humanos que nós, Europeus, temos respeitado escrupulosamente, desde a cruzada contra os Albigenses até ao nazismo, passando pelo colonialismo e pela escravatura em massa?

A ironia da situação é que este tipo de raciocínio coincide exactamente com os do outro extremo, a extrema-direita xenófoba. A diferença está em que estes últimos afirmam-no às claras (sem que com isso mereçam qualquer simpatia) enquanto os outros adoptam uma atitude hipócrita para respeitar o politicamente correcto.

Desenganem-se os europeístas da supremacia europeia. O mundo deixou irreversivelmente de ser uma coutada dos “civilizados”, dos “europeus”. E ainda bem, porque isso significa que não é coutada de ninguém.

Comentários
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  • Carlos
    13 out, 2017 Lisboa 22:17
    Uma Europa forte nada tem a ver com supremacia branca, tem a ver é com economia e criação de riqueza pois só assim os países europeus podem continuar a ter os melhores estados sociais do mundo.
  • MASQUEGRACINHA
    13 out, 2017 TERRADOMEIO 19:18
    Mas concordará que todos os povos do mundo tenderão a civilizar-se - no sentido forte do termo - pela adopção de alguns valores básicos que, hipocrisia ou não, os ditos ocidentais teorizaram universalmente, ainda que muito fracamente (ainda) os pratiquem. Porque há coisas instituídas que não são admissíveis (repito: não são admissíveis) em nenhuma cultura, em nome de nenhuma cultura: mutilações, violações, execuções, exclusões, segregações, tráficos, explorações, tortura, fome, doença, guerra - suponho que dê para perceber a ideia geral. Relembro o triste "Tristes Trópicos" de L.-Strauss, e o seu profundo desencanto com as tretas do bom selvagem... Ou seja: de inventiva ocidental ou não, fruto de filosofias ou de integração de influências, os valores a que chegámos são, ao que me parece, o melhorzinho que a humanidade já alcançou - e muito, exatamente, pela abertura a influências externas e pelo culto (já excessivo?) da tolerância. Nós, que tanto temos ainda para melhorar, sabemos, mais e melhor do que nunca, distinguir o certo do errado. E seria, não hipocrisia, mas cobardia, aceitar que outros seres humanos sejam sujeitos ao errado por pretensos motivos "culturais". Quem não sabe, nem quer saber, nada disto, é a economia e os financeiros, e os megalómanos sempre de serviço - a esses é que as hordas de encurralados em taras culturais servem, a começar pelos tais de extrema-direita no nosso seio, e a continuar nas meninas excisadas, tão felizes por serem, enfim, mulheres...
  • couto machado
    13 out, 2017 porto 15:01
    A determinada altura do seu artigo, lembrei-me que " o politicamente correcto continua sendo o melhor disfarce para o intelectualmente estúpido. Não resta dúvida Cumprimentos ...
  • Augusto
    13 out, 2017 Lx 09:00
    Porque razão não emigram, estas pessoas que detestam a Europa civilizada, ocidental. Vão experimentar viver em Carachi, Pequim, Caracas e formem uma opinião.