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Opinião

Vencedores e vencidos

02 out, 2017 • Opinião de Graça Franco


Rui Moreira venceu, mas terá de ter cuidado, não vá o balão rebentar. Cristas afirmou-se como líder. A CDU vai querer desforra e o Bloco "empatou". O grande derrotado é mesmo Passos Coelho.

Eleições autárquicas 2017:


Prognósticos só no fim do jogo. A regra aplicou-se como uma luva às autárquicas de Domingo. Sabia-se de cor o que esperar. As sondagens, como sempre, preparavam os espíritos para aquelas mudanças que, como sempre, nos pareceriam no decorrer da noite simples exageros. E deixaríamos cair uma a uma entre explicações vagas dos autores dos estudos de opinião.

Preparamo-nos para o habitual. Mas fomos ultrapassados pelo vendaval dos resultados e foi à pressa que refizemos análises e arranjámos explicações para o sucedido:

Vencedores e vencidos?

1. Rui Moreira venceria a Câmara do Porto a não ser que se verificasse um volte-face final com Pizarro a puxar-lhe o tapete. A coisa andava ali na margem de erro. Dificilmente com tanta arrogância se previa que ganhasse a maioria absoluta. Ganhou. E claro se isso acontecesse Cristas haveria de se lembrar de cantar vitória!. Lembrou.

Até aqui nada de especial, excepto a previsível inutilidade dos velhos parceiros; o candidato da Foz, arrogante como sempre, ou mesmo mais do que nunca, ainda assim surpreendeu quando quis incluir na lista dos derrotados Rui Rio e Paulo Rangel que, não fazendo parte do filme foram chamados à liça para tentar colar à derrota de Passos a antecipada derrota de dois putativos sucessores.

O discurso da vitória fez lembrar o último amargo e infeliz discurso de Cavaco Silva, reeleito pela última vez. Um ajuste de contas extemporâneo. A começar assim não auguro grande coisa para o futuro do autarca nos próximos quatro anos. Quando os balões são frágeis e incham demais podem rebentar com estrondo.

Igualmente inesperado o discurso de derrota de Pizarro que as sondagens davam ali taco-a-taco com o vencedor. O deputado do PS que antes parecia o número dois e amigo fiel de Rui Moreira foi aumentando a toada da divergência e acabou num comício pós-derrota em que mais parecia que ganhara. Moreira que se cuide e Costa também. Pizarro talvez tenha gostado um bocadinho demais do exercício do poder, e não parece disposto a sair de cena.

2. De Cristas já se sabia que teria provavelmente muito melhor resultado do que Portas (uns míseros 7% em Lisboa em 2013) e reforçava a liderança ganhando mais algumas freguesias de Lisboa. Certamente manteria as cinco câmaras já conquistadas pelo partido nas eleições anteriores e empatava, ou quase, com Teresa Leal Coelho. Isso bastava para que não se desembainhassem durante a noite de ontem as espadas que alguns empunham contra ela no seu próprio partido continuando a cumprir o papel da menina bonita e líder de transição até que Nuno Melo voltasse a cavalo de Bruxelas vindo na bruma do fantasma de Portas, para o reconquistar.

Nada disso. Cristas impôs-se por Lisboa esmagando o PSD com quase o dobro dos votos, e manteve todas as câmaras e ainda ganhou mais uma.

Erro colossal dos analistas. Cristas ganhou a noite como nunca se esperara. Não foi apenas a segunda em Lisboa, bateu aos pontos Teresa Leal Coelho do PSD e deixou amargos de boca em todos os que esperavam que a nova líder continuasse com cabeça a prémio.

Os cavaleiros andantes podem “tirar os cavalinhos da chuva” que a líder veio para ficar. Até às legislativas não haverá discussão. Já andava a fazer tirocínio para líder da oposição e agora não foi só em Lisboa que ganhou estatuto. Ou se encontra nome forte no PSD ou a agonia social-democrata irá continuar como exclusivo culpado dos anos da troika. Cristas já nem se lembra desse tempo e “tem raiva” a quem ainda o guarda na memória.

3. O Bloco poderia fazer mossa ao PC entrar de novo em Lisboa e reequilibrar à esquerda a geringonça. Afinal teve um empate (feliz expressão de Lucas Pires aqui na Renascença). Entra no executivo camarário com o jovem Robles, não consegue nem retomar Salvaterra nem conquistar Torres Novas. Não perde, mas não ganha (excepto o excelente aproveitamento de todos os tempos de antena em que aplicou abundantemente a simpatia mediática que sempre conquistou…)

4. E o PCP ameaçado pelo Bloco e nalguns pontos pelo PS iria ou não retomar algumas lideranças de câmara perdidas e reforçar as ganhas em 2013 quando capitalizando a crise passou de 28 para 34 autarquias sob o seu controle? A análise preparada saiu ao lado e o adversário não foi o BE, foi o próprio PS. E a queda foi a pique. Os ganhos de 2013 foram-se e o partido ficou-se perto dos resultados de 2009. Devolveu Beja ao PS, perdeu Barreiro, Almada e Peniche e muitas outras que pelo simbolismo que acarretam aumentam a dor da perda. Jerónimo percebeu na mesma noite os erros cometidos e acredito que a paz prometida ao PS vai parar por aqui. Pode António Costa tentar partilhar os louros, mas os comunistas que consideram o PS “farinha do mesmo saco” da direita a derrotar só irão na conversa na estrita medida em que isso lhes seja útil. Não será já, mas o PCP tirará desforra da derrota.

5 E o PS? Costa veria ou não legitimada nas urnas a sua sucessão na câmara (Medina perdeu a maioria mas ganhou com vantagem!) e a sua fórmula de Governo tão contestada pelo defunto PAF vencedor das últimas legislativas. Teve um resultado histórico. Pode cantar de galo e ser mesmo generoso com os parceiros. Fez a leitura nacional que se impunha em vésperas de Orçamento e repetiu todas as vitórias económicas que pretende capitalizar. Não fosse o caos no PSD retirar o mediatismo da vitória e seria o grande da noite.

6 E o PSD? A grande incógnita tinha leituras diferentes para pessimistas e optimistas. Ora se falava da ruralização para disfarçar a perda esperada das grandes capitais de distrito ou do efeito benéfico da economia nas carteiras dos portugueses. O que ninguém acreditava é que à humilhação esperada no Porto (Álvaro Santos Almeida é excelente economista, mas não é homem de partido e de jogadas locais) somou-se o penoso desastre de Lisboa onde Passos teve a oportunidade de se juntar a Cristas a tempo e horas e preferiu sacrificar uma das suas melhores. Foi penoso ver José Eduardo Martins a assumir uma derrota pela qual terá sido provavelmente o menos responsável no partido. Ele que sempre foi critico e não se escondeu atrás das vagas de fundo que ou não chegam ou chegam fora de tempo ou nunca mais virão, não vá provar-se afinal que não há Rio que apague os erros de discurso de pose e de ausência de programa dos últimos anos. Passos foi ontem como sempre um homem só. Demasiado. A fazer lembrar Sócrates em estado de negação, a barrar o caminho e a afundar o partido com ele por uma coerência que ninguém lhe exige nem agradece.

Se Cavaco era acusado de gerar à sua volta um eucaliptal de talentos, Passos deixou o fogo entrar no próprio eucaliptal. Quantos como Poiares Maduro aceitarão de novo voltar à politica e acreditar. Terça-feira as facas em São Caetano serão mais do que muitas. Por todo o país concelhias e distritais quererão tirar desforra. É muito emprego que ficou em causa com este resultado e essa é a pior das notícias. Passos terá de fazer um esforço para ouvir o partido. O povo já lhe disse várias vezes o que havia a fazer. A social democracia se ainda não morreu totalmente por aqueles lados tem o direito a ver-se representada no actual espectro partidário. Excepto se se pretender acabar com o “centro” e abrir caminho à esquerda e à direita aos vários populismos que inevitavelmente surgirão. Passos terá uma palavra a dizer. O que já não é certo é que além de “Yes Boys” ainda lhe sobrem verdadeiros amigos.

Comentários
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  • CF
    03 out, 2017 Oeiras 13:07
    Terão sido estas ultimas eleições ao menos um sinal de esperança de que alguma coisa mudou ou poderá mudar na copiosa e reincidente classe política do nosso país? Pelo comportamento exibido pelos campeões de uma noite, não. Alguns dos outros, os perdedores, até assumiram uma parte dos erros. Trabalhem todos corretamente durante os próximos quatro anos para desfazer esta má sensação.
  • Cidadao...
    02 out, 2017 Viseu 21:58
    Os unicos que ganham ou perdem sao os que votam, apenas e so. No fundo sera o Pais.