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Opinião de Manuel Pinto
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Opinião de Manuel Pinto

​De Sarajevo, para memória futura

25 set, 2017 • Opinião de Manuel Pinto


A vingança premeditada, as violações em massa, as matanças indiscriminadas exprimem o lado mais sórdido, hediondo e cruel dos seres humanos.

Circunstâncias da vida profissional levaram-me recentemente até Sarajevo, capital da Bósnia e Herzegovina. Como o local da conferência em que participava era perto, pude visitar o Museu dos Crimes contra a Humanidade e do Genocídio 1992-1995. A data reporta-se ao período do cerco a que a cidade esteve sujeita e o museu, no primeiro andar adaptado de um prédio vulgar, procura dar conta das atrocidades cometidas pelos grupos que se guerrearam e as formas de resistência protagonizadas pela população.

O primeiro choque que tive na visita foi constatar que algumas das ruas que apareciam nas imagens como cenário do horror eram aquelas que tinha acabado de percorrer. É impossível ver aquele espaço e não fazer a pergunta: será que depois disto algo de semelhante pode voltar a acontecer? A história dos povos, e nomeadamente os daquela região do mundo, diz-nos, desgraçadamente, que pode. Basta desaparecer a geração que viveu a tragédia – e às vezes nem isso!

Deste ponto de vista, os múltiplos sinais que a Europa tem vindo a dar, de recrudescimento da xenofobia, dos discursos nacionalistas e dos diferentes tipos de populismo (a entrada da extrema-direita alemã no parlamento é apenas mais um sintoma) deveriam fazer soar os alarmes. Ao ressuscitar de velhos fantasmas, ao desconhecimento do que é diferente ou estranho e a uma série de outras formas e visões da realidade baseadas na antinomia nós-eles é necessário que se responda com iniciativas educativas e culturais que promovam o interconhecimento, o diálogo, a dignidade de cada pessoa e o valor da vida.

Neste Museu de Sarajevo foi reservado um pequeno compartimento para que os visitantes possam pegar em post-its e afixar as suas mensagens. Num quarto repleto delas, várias diziam: “Sejamos humanos, não animais”. Mas outras alertavam: “Os animais não fazem coisas destas”.

A vingança premeditada, as violações em massa, as matanças indiscriminadas exprimem o lado mais sórdido, hediondo e cruel dos seres humanos. Com ironia me comentava um alto funcionário da ONU, com quem falava sobre esta visita: “aquilo que distingue os humanos dos animais não é a inteligência mas a crueldade”.

Comentários
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  • s o s
    26 set, 2017 portugal 00:09
    Ok, V/Exª salienta a barbarie humana, a proposito da visita a um museu, criado pelos vencedores. Ou ate um museu, nao sei, consentido pelos vencedores , como que a dignificar os derrotados.
  • MASQUEGRACINHA
    25 set, 2017 TERRADOMEIO 18:57
    Inteligência, crueldade... A natureza, a vida das pobres bestas, está cheia de exemplos de pesadelo de crueldade, de agonias e torturas capazes de deixar mal-disposto Vlad, o Empalador. Não é apanágio do Homem a crueldade, portanto, mas sim, primeiro, a sua percepção enquanto tal, por simples simpatia/empatia, que faltará (?) ao restante bestiário. Depois, pela sua percepção utilitária, como acto necessário a algum fim - o que, fora a percepção (?), partilhamos com muita bicharada. Por fim, como percepção moral, da crueldade como cúmulo da cobardia : em caso nenhum alguém se atreve a ser cruel com quem é mais forte, só com os mais fracos e, de preferência, manietados. O que distingue o Homem é, sem dúvida, a inteligência, uma inteligência evolutiva com vista à melhor sobrevivência da espécie, e de que o senso moral é apenas uma parte, ainda em fase de seleção, no sentido darwinista do termo. A crueldade, que mais não é que bestialidade, e no Homem, cobardia, torna-se contraproducente : a guerra e semelhantes porcarias ameaçam extinguir-nos a todos, e matam e atrasam o desenvolvimento de muitos de nós. A seleção emperra, pois. E onde emperra a seleção? O que nos mantém ao nível de bestas, sem empatia, votados à prática de uma crueldade que supomos útil e necessária? É simples a resposta : emperra no amor ao dinheiro e ao poder, emperra nos rolexs e nas sanitas de ouro. Isso, sim, taras bem humanas.