22 set, 2017
De boas intenções está o inferno cheio, diz a sabedoria popular. Isto é verdade tanto para intenções individuais como para intenções colectivas. Um exemplo recente do mundo académico americano: Os professores auxiliares normalmente têm seis anos para mostrar o que valem.
Passado esse período, enfrentam o sistema "up or out", isto é, ou são promovidos a professores associados com nomeação definitiva ou são convidados a sair da instituição em questão. (Poderia escrever um artigo sobre a racionalidade de uma regra deste tipo, muito diferente da prática em Portugal; fica para outro dia.)
Para os professores auxiliares, a "corrida" para a nomeação definitiva é um período altamente "stressante", como se pode imaginar: é toda uma carreira que está em jogo. Para as famílias que têm filhos durante este período, o tempo gasto com cada filho aumenta ainda mais a pressão para ter publicações a tempo da decisão "up or out". Isto é especialmente verdade para as mães, que acabam sempre por passar mais tempo com os filhos.
Com o objectivo de ajudar as famílias, especialmente as mães, muitas universidades - incluindo a minha - permitem que os professores "parem o relógio", por assim dizer, durante o ano em que têm um filho.
Como estamos num período em que a igualdade entre homens e mulheres é considerada um objectivo primordial, decidiu-se que a licença de paternidade (incluindo a paragem da contagem do tempo) aplica-se tanto aos pais como às mães.
O problema com esta regra, nomeadamente na forma como foi aplicada, é que a decisão de atribuir nomeação definitiva é efectivamente uma decisão de mérito relativo: só passa quem for considerado um dos melhores - comparando com as universidades do mesmo "campeonato", por assim dizer. Ora o que as paragens do relógio fizeram foi dar uma vantagem adicional aos homens: param o relógio e têm licença de paternidade e, como não têm assim tanto trabalho com o nascimento do filho, acabam por aproveitar esse período para publicar mais artigos em revistas científicas. As mães, por sua vez, precisam de todo e cada minuto da licença de maternidade. Ficam tão bem - em termos de número de artigos - como se não tivessem dado à luz; mas o que importa é que, efectivamente, ficam atrás dos homens, concretamente dos homens que se tornam pais durante este período.
Resultado: uma regra que era suposta ajudar as mães acaba por as prejudicar.
Na minha universidade (e, creio, noutras também) discute-se qual a melhor forma de reformar o sistema para o tornar mais justo. Alguns professores sugerem que tanto a licença como a paragem do "relógio" se apliquem somente às mães biológicas (excluindo, por exemplo, a adopção). Esta e outras soluções também têm os seus problemas.
Enfim, a justiça é uma coisa complicada.