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José Miguel Sardica
Opinião de José Miguel Sardica
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​Hão-de ir votar! E eles irão?

20 set, 2017 • Opinião de José Miguel Sardica


Daqui a semana e meia decorrerão eleições autárquicas. A abstenção é um problema? A “geringonça” vai contabilizar os faltosos e, plena de voluntarismo metediço, nas eleições seguintes não haverá jogos de futebol.

Na cultura política portuguesa há a perniciosa mania de tentar resolver problemas lançando-lhes em cima uma lei, como se o papel com palavras se encarregasse de alterar a realidade. Sobre isto, que é transversal a todos, há uns governos mais legiferantes do que outros… e nem sempre como devem.

Daqui a semana e meia decorrerão eleições autárquicas. A abstenção é um problema? A “geringonça” vai contabilizar os faltosos e, plena de voluntarismo metediço, nas eleições seguintes não haverá jogos de futebol, para que a paixão clubística não tolde o dever democrático.

Que a abstenção é um problema – não exclusivamente português – é patente. Nas autárquicas de 2013 chegou-se à taxa recorde de 47,4% (mais 6,4% do que em 2009 e mais 8,4% do que em 2005). As eleições europeias de 2014 tiveram uma abstenção de 66,2%, as legislativas de 2015 de 44,1% e as presidenciais de 2016 de 51,3%. Em eleições nacionais, praticamente um em cada dois eleitores portugueses não vai à urna, num total de c. 4,75 milhões de abstencionistas. As razões para tal são diversas e alimentam há muito o debate na teoria e na sociologia políticas. Mas os seus elevados valores e, sobretudo, a tendência, de há anos, para o seu crescimento só pode significar que, para muitos, votar deixou de ter significado, de valer a pena, porque nada de substancial muda na vida pública, central ou local. A distância entre governados e governantes, produto de um debate público pobre de atores e histérico de argumentos, é hoje maior do que nunca e é por aí que espreita a crise das democracias.

A intenção de António Costa – a concretizar-se – de combater a abstenção proibindo o futebol em dia de eleições pode até ter sido bem-intencionada, mas será infrutífera e é em muitos aspetos disparatada. Os contra-argumentos abundam: o ato governamental é invasivo da liberdade de cada um e infantilizante para a sociedade civil; os jogos só duram hora e meia; o voto não é obrigatório; ou o proibicionismo, a existir, deveria estender-se a muitas outras atividades – e não se vê como o governo possa (ou deva) fechar centros comerciais, praias, jardins, esplanadas, cinemas, museus, igrejas ou almoços de família e outras distrações domingueiras. O caso já virou anedota e arrisca ser risível. Por princípio de higiene pública, política e futebol devem estar separados. Da violência das claques, do submundo do hooliganismo, das corrupções no sistema ou da imoralidade dos agentes, o governo lava as mãos, a justiça logo atuará e a Liga é que manda; mas para fechar estádios nos domingos da democracia, lá estaria uma lei. E depois, quando se descobrisse que mesmo sem futebol o português continua a não votar, o que se seguiria? Se não for pelo regime do voto obrigatório (que alguns países têm, que alguns políticos portugueses defendem e cujas vantagens e inconvenientes não cabe aqui aprofundar), ou modernizando e flexibilizando as formas de votar (por via eletrónica, antecipada ou sem adstrição ao local de recenseamento), não se vê como obrigar ou facilitar a participação eleitoral.

A proposta governamental é inútil (se não for contraproducente) – mas deveria fazer-nos pensar nas razões gerais do abstencionismo. Na “geografia dos afectos pátrios” (um título historiográfico de Fernando Catroga), por que razão cada adepto é mais fiel à sua “pátria” clubística do que à democracia pátria? E os que até nem gostam de futebol, que outras “pátrias” os movem, e porquê, que não Portugal ou, daqui a uns dias, o destino próximo da sua cidade? Moral da história: não é com expedientes de secretaria que se recuperam eleitorados; e porque o voto é livre, será necessário convencer, com melhores maneiras, os portugueses a cumprirem o seu dever cívico.

Comentários
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  • ALETO
    21 set, 2017 Lisboa 21:29
    Espero que o Sr. José Sardica não censure a minha mensagem. Estamos em democracia e sempre é bom manter um equilíbrio de opiniões políticas. A comentadora Ângela Veloso transmitiu aqui que uma das opiniões (supostamente livre) foi censurada pelo Sr. José Sardica. O que teria dito Marco que o Sr. José Sardica não gostasse que o resto dos comentadores lessem? Esse é o problema da nossa história mais recente. Aqueles que estão no poder das colunas de opinião, como o Sr. Sardica, crêem ter o direito de censurar aquilo que muito bem entendem. A democracia perde com a falta de uma opinião verdadeiramente livre.
  • Alexandre
    21 set, 2017 Lisboa 14:29
    Se o voto é livre, é porque existe uma livre escolha de opções políticas. Se existem opções políticas de escolha, presume-se a existência de democracia e a não censura de opiniões diferentes. O problema está na censura que o Sr. Sardica aplica a comentários que não gosta ou que desmerecem as suas opiniões. O Sr. Sardica pode bem tentar mostrar aqui (nesta sua coluna de opinião) que é democrata, mas quando censura comentários, apenas transmite a imagem de um verdadeiro hipócrita.
  • 21 set, 2017 09:22
    Gostei especialmente desta frase de JMS, «Da violência das claques, do submundo do hooliganismo, das corrupções no sistema ou da imoralidade dos agentes, o governo lava as mãos, a justiça logo atuará» e isto porque se não estivesse a referir-se ao futebol e o fizesse em relação à política esta frase serviria as mesmas intenções senão vejamos, não são os partidos políticos organizações mafiosas que como escola ensina os seus afiliados a utilizarem todos os recursos da palavra para enganar, corromper, roubar, com o fim de beneficiar a “família” a que pertencem, tirando de todos os cidadãos para dar a alguns?... Claro que imensas vozes se poderiam levantar a contradizer esta questão mas se apenas refletirmos um pouco sobre o que se passou nestes 40 e poucos anos de democracia, todos os casos de corrupção, roubo e oportunismo (pouco investigados e punidos) só poderemos chegar à conclusão de que não adianta irmos votar para eleger outros corruptos, ladrões e oportunistas que como diz o povo “a gamela é a mesma os PORCOS é que são outros” como esta frase se tornou tão verdadeira. No entanto também não concordo com o absentismo e gostaria que os cidadãos que se não reveem neste sistema fossem votar em BRANCO, porque apesar de muitos terem a opinião de que não tem qualquer valor este tipo de voto, sem dúvida nenhuma que ele apenas quer dizer “ eu voto (cumpro o meu dever cívico) mas não revejo neste sistema nem em nenhum candidato ou partido, competência para dirigir o país. Se isto
  • MASQUEGRACINHA
    20 set, 2017 TERRADOMEIO 18:53
    E o que dizer daqueles governos, esses sim!, verdadeiramente abelhudo-legiferantes, que impõem o voto obrigatório?!! Por este caminho, pouco falta para nos juntarmos a esses atrasados países, verdadeiras caudas da civilidade... Ah, pois é, o Sr. Sardica acha que isso não vale a pena aprofundar. Fica-se pelo anedotário, e é por isso que do anedotário não saímos. Ora aprofunde, aprofunde, que no aprofundar é que está a opinião que interessa dar e ouvir, que de anedotas estão as mesas dos cafés e as bancadas dos estádios cheias. Aqui, espera-se um bocadinho mais. Surpreende-me que nem lhe ocorra dizer nada sobre o anedótico e recorrente desprezo do futebol pelas recomendações do CNE - que me parece ser a verdadeira (e evidente!) causa da atitude do governo, e não as retorcidas "anedotas" que nos conta no artigo. Não acha, mesmo nada, que os futebóis estejam a exagerar na falta de respeito, diria mesmo, na troça arrogante e infantilóide? Pois atente nas explicações dadas para mandar as recomendações às urtigas, e vá-se rindo, que é de facto caso para isso. Por falar em anedotas, falta de respeito e da opinião que aqui se espera encontrar : não lhe parece que essa da "geringonça" já vai perdendo a graça, pelo uso e pelo azedo?
  • Ângela Veloso
    20 set, 2017 Lisboa 18:49
    Pelo que soube esta tarde, através do meu colega Marco, José Sardica censurou o seu comentário. Ou seja, uma coisa é o José Miguel Sardica aqui na coluna de opinião perante aqueles que acreditam nas suas mensagens e opiniões. A outra é o José Miguel Sardica que não se adapta à crítica e à opinião diferente. Infelizmente, procede do mesmo modo como procedeu a censura antes do 25 de Abril. Vergonha.
  • Sarin
    20 set, 2017 17:18
    Se Eleitores são cidadãos, nem todos os cidadãos são eleitores. Onde foi buscar 4,75 milhões de abstencionistas??