28 jul, 2017
Há pouco mais de 40 anos foi exibido em Portugal o primeiro episódio da telenovela Gabriela. O sucesso, como muitos se lembram, foi estrondoso (tanto assim que foi repetida no segundo canal para aqueles que acordaram tarde para o fenómeno).
Seguiu-se uma série de telenovelas brasileiras que, no seu conjunto, tiveram uma influência significativa em Portugal: nos penteados, nos nomes dos bebés ... mas principalmente na linguagem.
Na altura não havia internet, mas se houvesse estou certo de que conseguiria facilmente encontrar múltiplos autores lamentando a "brasileiração" do português, alguns inclusivamente pintando cenários apocalípticos.
Nenhum desses cenários extremos veio a acontecer. É verdade que passámos a conhecer muito melhor a cultura brasileira, mas continuamos com o nosso sotaque, os nossos vocábulos, a nossa cultura própria.
Vieram-me estas ideias à memória quando recentemente li um artigo no "Economist" sobre um caso paralelo: a americanização do inglês de Inglaterra. O paralelo é natural: em ambos os casos, temos uma Nação-Mãe com dimensão pequena relativamente à antiga colónia. A colónia, por sua vez, é um "melting pot" onde se juntam pessoas das mais variadas origens. Finalmente, os "media" globais cada vez mais adoptam a versão da língua do novo mundo.
Tal como escreve o "Economist", penso que não é caso para alarme, nem sequer para lamento. Em primeiro lugar, muitas das queixas sobre a língua do novo mundo são erradas. Por exemplo, os ingleses queixam-se do particípio passado "gotten" (Estados Unidos) em vez do "got" britânico, mas a verdade é que a versão americana é a mais antiga: se alguém mudou foram os próprios britânicos. Também aqui o paralelo com Portugal é interessante: muitos troçam do uso brasileiro do gerúndio, mas o uso brasileiro é mais correcto e rico — na minha humilde opinião — que o nosso uso do infinitivo: "eu estou escrevendo um artigo para a RR" é melhor que "eu estou a escrever um artigo para a RR".
Depois, vem a questão das palavras novas. Mais uma vez, parece-me que a influência do português do Brasil não só não foi prejudicial como enriqueceu a nossa língua. Como poderíamos viver sem expressões como "tudo bem", "virou", etc. (Muitas expressões já estão tão enraizadas no português de Portugal que nem consigo fazer uma lista, mas estou certo de que são muitas.)
Em resumo: viva a variedade!