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Reportagem - Futebol ou escola? Porque não os dois? - 27/06/2017 - Teresa Almeida

Reportagem

Eles sonham com o futebol, mas o foco também está na escola

27 jun, 2017 • Teresa Almeida


Rainho, Fontes, Tiago e Vasco: fixe estes nomes. Quem sabe se um dia não serão estrelas na sua equipa.

São milhares os miúdos portugueses que sonham ser jogadores de futebol. São também milhares os que em escolinhas de futebol, de pequenos ou grandes clubes, tentam concretizar esse sonho. Alguns fazem-no sem descurar o foco na escola. Não é fácil. Em época de exames nacionais, fomos conhecer Fontes, Tiago, Rainho e Vasco, que vivem a vida dupla de estudar e jogar.

Num final de tarde frio, com vento e nevoeiro, os 24 jogadores do Leixões da categoria sub-17 chegam para mais um treino. É às 18h45, todos os dias.

Durante hora e meia, fazem corrida, exercícios e jogam à bola. São “puxados” pelo treinador, que sabe que dali pode sair um craque. ”Pelo menos metade deles tem qualidade para isso”, diz Ricardo Ferreira.

O "mister" sabe que nem todos terão hipótese e é também por essa razão que lhes diz que a escola é importante. "Futebol? Enquanto houver esse sonho e essa ambição, porque não? Embora, nunca descurando a escola. Esta é a nossa mensagem”, diz o treinador do Leixões, consciente de que na época de testes e exames é preciso ser mais compreensivo: "Da nossa parte, existe alguma compreensão, apesar de sabermos que temos aqui um bom grupo ao nível escolar. Quando há um teste ou um exame, temos alguma abertura."

"Tento levar a escola e o futebol passo a passo"

Bernardo Fontes: "Se o futebol não resultar, quero seguir engenharia electrotécnica."

Ricardo Ferreira tem nas suas fileiras um jovem de 16 anos que já tem empresário, contrato assinado com o Leixões e cláusula de rescisão. Tem, portanto, valor no mercado. É uma das duas apostas do clube nesta faixa etária. Já foi campeão com a camisola da selecção, mas nem por isso o foco nos estudos abrandou. Chama-se Bernardo Fontes e quer muito ser jogador de futebol profissional: “É o meu sonho.”

O sonho não tem limites e Fontes - o nome que gosta de ter gravado na sua camisola - confessa que até se imagina “na linha inglesa ou espanhola", as que mais aprecia. "Mas ficar na portuguesa também é bom."

Este miúdo, que é defesa central no Leixões e em quem os especialistas detectam características idênticas às de Sérgio Ramos, do Real Madrid, ou de David Luís, do Chelsea, já está na mira de grandes clubes, mas sabe que, se o futebol não resultar, terá de apostar num "plano B".

"Eu tento levar a escola e o futebol passo a passo. Sei que se o futebol não resultar, tenho de ter um futuro e esse pode passar pela FEUP. Quero seguir engenharia electrotécnica”, confessa, no dia em que se prepara para cumprir o seu ultimo exame nacional, o de Geometria Descritiva. Está no 11.º ano e consegue excelentes notas.

"Os meus pais também me ajudam muito"

Vasco: “Adorava seguir o futebol, mas sei que muita coisa pode acontecer."

No mesmo “barco”, está Vasco Rodrigues, de 16 anos. Também jogador do Leixões, Vasco diz que a escola é o seu "plano A". “Adorava seguir o futebol, mas sei que muita coisa pode acontecer no campo. Ter lesões, por exemplo. Isso pode matar o sonho e, por isso, a escola é mais importante”, explica.

Vasco, aluno que está acima dos 15 valores no secundário, quer seguir Engenharia de Computação. Com os pés bem assentes na terra, sabe que tem de se esforçar na escola, mas também conta com o apoio dos pais. "Nos tempos livres, todo o tempo que tenho é para estudar, mas os meus pais também me ajudam muito. São eles que me equilibram no gasto de energia na escola e no futebol e o apoio existe desde sempre”, explica.

A escola como "plano A"

Tiago Costa é defesa central da União Desportiva Sousense, um clube que participa no Nacional de seniores, onde o palco já é diferente. Tem 19 anos e está a acabar o 1.º ano da faculdade. “Estou a tirar desporto, na Universidade do Porto”, esclarece.

Tiago reconhece que este é um resultado de um trabalho conjunto: do seu próprio esforço e do dos pais. "Sempre me disseram que a escola era o 'plano A' e eu cumpri”. Cumpriu, mas não foi fácil conciliar estes dois mundos tao exigentes. "Na faculdade, corre tudo bem, vou acabar o ano com media de 16, que é muito boa, mas não é fácil. É acordar cedo para ir estudar e, depois, ao final do dia, há que ir para os treinos. Deixei de ter tempo para a namorada e até para a família, para cumprir o que tenho de fazer, mas tudo compensa."

Ainda assim, a carreira no futebol é o sonho. "Se me dessem a escolher, não teria duvidas: escolhia o futebol”, assume.

"É preciso ter sorte e, por vezes, ela não chega”

No mesmo campo de Foz do Sousa, joga José Rainho. Com 19 anos, é "trinco" no Sousense. "Acredito que agora investem mais nos miúdos do nosso pais e que, estando numa equipa como esta, tenho mais hipóteses, porque o palco é outro, mais visível”.

Rainho - é assim que o tratam no campo - também gostava de estar no curso de Desporto, mas os exames nacionais do ano passado não correram bem. Este ano, repetiu Português e pensa como hipótese de carreira em "algo ligado ao desporto, como preparador físico, ou, então, entrar numa escola de polícia". "Também é algo que me exige esforço físico e agrada-me”, justifica.

Contudo, a grande expectativa de Rainho é manter-se no futebol. “Para já, tenho o interesse do Sousense, subo para o escalão sénior e, depois, é aguardar que tudo corra bem”, confessa, que já foi procurado pelo Benfica, pelo Sporting de Braga e esteve quase a assinar pelo Paços de Ferreira. Uma lesão atrasou-lhe o sonho: "Estive muito tempo parado, mas, agora, já está tudo bem e estou pronto para dar o meu melhor."

Quem o conhece diz que tem o saber nos pés e que até fisicamente é parecido com o Witsel, que jogou no Benfica. "Chegar lá vinha a calhar. Era uma boa forma de conseguir tapar o que não fiz na escola e fazê-lo no futebol”, diz, com um brilhozinho nos olhos.

O mundo do futebol é muito competitivo e são poucos os que chegam às grandes escolas de formação. Mesmo com muita qualidade nos pés, o panorama não é aquele que os pequenos craques ambicionam. José Rainho já poderia ter empresário, mas "eles procuram mais os que disputam uma divisão acima e acabamos por estar mais apagados". Também por isso, "é preciso ter sorte e, por vezes, ela não chega”.

Rainho, Fontes, Tiago e Vasco continuam a acreditar e esforçam-se numa "vida dupla" entre os relvados e a escola. Rainho, Fontes, Tiago e Vasco: fixe estes nomes. Quem sabe se um dia não serão estrelas na sua equipa.

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