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Opinião de Ribeiro Cristovão
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Na morte do Joaquim Vieira

19 jun, 2017 • Opinião de Ribeiro Cristovão


Foi a enterrar ontem um príncipe da reportagem, quer futebolística quer, sobretudo, de ciclismo. Falava com os ciclistas como se pertencessem à sua família e eu deixava-lhe sempre os melhores momentos da narrativa.

“Com pedalada rija”, como tanto gostava de reportar naquelas etapas quentes da Volta a Portugal em bicicleta que terminavam com o grosso do pelotão a disputar o “sprint”, o Joaquim Vieira ainda tentou suportar o sofrimento que repentinamente o invadiu mas, ao fim quinze dias, acabou por ser atirado contra as barreiras e assim desistir da corrida da vida.

É verdade que deu luta, mas acabou por sucumbir porque não era possível derrotar adversário tão poderoso.

Por entre um mar de Amigos, foi a enterrar ontem, em Gondomar, um príncipe da reportagem, que espalhava bonomia por todo o lado e semeava amizade em qualquer canto por onde passasse.

Todos nós lhe conhecíamos um fraquinho pelo Boavista, mas, verdadeiramente, o Vieira não tinha clube, ou melhor, era um adepto universal. Ainda me recordo de, num domingo, em dia jogo no estádio das Antas, Pinto Costa lhe ter dito, à minha frente: “este bem enganou”.

Ao Vieira bastava saber com quem dialogava para, de imediato, comungar da mesma paixão clubística do seu parceiro de conversa. Se estava no Norte, era do Norte, mas se atravessava o “paralelo”, era do Sul, era cá para baixo do Mondego que assestava as suas “paixões”.

Entre incontáveis memórias, guardo a de um almoço da equipa da RR nas proximidades de Leiria, pouco depois de o Benfica ter ganho o campeonato em 2014, o do início do tetra.

É que, numa primeira e rápida abordagem ao gerente do restaurante, que todos sabíamos benfiquista fervoroso, lhe ter dito com o ar mais convincente deste mundo: “Oh Nando, eu para o ano quero ser bi”.

E, treinador que dele se aproximasse era, de imediato rotulado, sem rebuços, como o melhor treinador do futebol português, embora o Augusto Inácio tenha sido o primeiro a merecer esse título.

Das nossas vivências comuns no ciclismo, retenho saudosas e gratas recordações.

Percorremos ambos o país inteiro, anos fio. Nesse tempo, guardava sempre para ele os melhores momentos da narrativa, exactamente por nunca ter perdido a noção de que o Joaquim Vieira era um verdadeiro “expert” da matéria, enquanto eu, em comparação com ele, não possuía a mesma vasta gama de conhecimentos.

Falava com os ciclistas como se pertencessem à sua família, e muitas vezes não se coibia até de dar as suas avalizadas opiniões aos técnicos, que o escutavam atentamente.

Em muitas das longas noites que aproveitávamos para traçar o plano de trabalho do dia seguinte, gostava de ouvir projectar as suas previsões, sempre feitas em função das dificuldades de cada etapa e do momento de forma dos corredores. Raramente se enganava.

O Joaquim Vieira não exigia nada para si. Apenas sugeria que lhe fossem atribuídas tarefas que tornassem possível a sua proximidade com os diversos protagonistas.

Foi um repórter de mão cheia. À moda antiga, mas sempre adaptado aos novos tempos.

Confesso que tive sempre pelo Joaquim Vieira um fraquinho com que procurava retribuir a sua lealdade e a sua dedicação. E agora, mesmo tendo eu saído de cena, rara era a semana em que não o procurava do outro lado do telefone para passarmos alguns minutos a actualizar e renovar a nossa sempre boa disposição.

Por isso me vai ser difícil cumprir o castigo do seu silêncio, ainda que mantendo a convicção de que ele vai continuar a estar com todos nós e a inspirar-nos para sejamos todos os dias um pouco melhores que no dia anterior.

Há pessoas que nunca morrem. Apenas desaparecem. E o Joaquim Vieira é uma delas.

Por isso, até sempre AMIGO!

Comentários
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  • LUIS OLIVEIRA
    19 jun, 2017 OLIVEIRA DE AZEMEIS 23:58
    Boa Noite Caro Ribeiro Cristóvão. Com tanta, mas justificada informação derivada da enorme tragédia que se abateu sobre Portugal, nem me apercebi desta tremenda e triste noticia, uma vez que como sou FÃ INQUESTIONÁVEL do Grande Ribeiro Cristóvão, também me habituei a ser do Joaquim Vieira tantas emoções vivi e vivemos nós os ouvintes da RR com a Essa voz Cordial e Honesta de nos transmitir o seu enorme trabalho de radio... Também eu vou sentir a sua falta. Paz à Sua Alma e as mais sinceras condolências a toda a sua Família e também a vocês seus colegas e Amigos da Radio. Abraço Forte de Esperança
  • Henrique Vila Forte
    19 jun, 2017 Algés 22:01
    Belo artigo de homenagem a um seu colega e a um seu amigo, felicito-o sr. RC. Melhores cumprimentos, Henrique Vila Forte
  • João Coelho
    19 jun, 2017 Lisboa 16:59
    Falsa modéstia! Não valia a pena ! Era melhor que o senhor e ponto!