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José Miguel Sardica
Opinião de José Miguel Sardica
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"Swampy Brexit"

14 jun, 2017 • Opinião de José Miguel Sardica


Esta eleição não foi só sobre o Brexit. A saída britânica da UE tornou-se um ponto de interrogação tal, no tocante às suas modalidades e, sobretudo, ao seu desfecho e ganhos, que já não é claro ser essa a posição maioritária dos britânicos.

Desde há um ano que o debate político na Grã-Bretanha está ocupado pelo problema ou pelo desafio do Brexit – se deve ser um “hard Brexit” ou um “soft Brexit”, um “speedy Brexit” ou um “no Brexit” (porque os que não querem deixar a UE não se conformam). Theresa May, a quem Cameron entregou a questão, depois de ter sido vencido no referendo de junho de 2016, achou que era boa ideia, a meio do caminho, obter do eleitorado uma confirmação (se possível reforçada), da maioria absoluta que os Conservadores detinham em Westminster. Se calhar, lembrou-se de Margaret Thatcher, aquando da Guerra das Malvinas. Mas não é Thatcher quem quer. O resultado do escrutínio foi o pior possível, em muitos aspetos. E o caminho futuro arrisca ser um “swampy Brexit”, ou seja, um Brexit “pantanoso”.

A última coisa de que a Grã-Bretanha precisava, neste momento, era de instabilidade e de incerteza – e foi isso mesmo que a eleição geral produziu. Vencendo na urna, mas só com maioria relativa, os Conservadores perderam e a Primeira-Ministra perdeu ainda mais. E apesar de terem sido vencidos na urna, os Trabalhistas podem cantar vitória, porque subiram 10% e ganharam um fôlego que não sonhavam poder alcançar tão depressa. De caminho, o trambolhão do SNP escocês e a promoção do DUP irlandês a parceiro de necessidade de May, arrefeceram a questão do referendo independentista na Escócia e aqueceram o caderno reivindicativo dos unionistas de Belfast.

Esta eleição não foi só sobre o Brexit. A saída britânica da UE tornou-se um ponto de interrogação tal, no tocante às suas modalidades e, sobretudo, ao seu desfecho e ganhos, que já não é claro ser essa a posição maioritária dos britânicos. Vista do lado de lá da Mancha, a Europa parece estar a melhorar: Macron é um fenómeno, Merkel um pilar e Juncker anda mais responsável; o contraste com Trump é óbvio, e uma Inglaterra deseuropeizada e atrelada aos EUA jamais será uma potência. Por isso, o “hard Brexit” prometido por Theresa May acabou e o UKIP caiu a pique. Mas para lá do Brexit, as eleições inglesas foram dominadas por questões internas. A política dos Conservadores tem sido algo ziguezagueante, entre o liberalismo e algum estatismo, e a economia piorou desde a era Cameron. Acresce que a Primeira-Ministra não se ajudou, com as polémicas sobre o “imposto da demência” ou o desinvestimento nas forças de segurança, por entre três atentados terroristas recentes no Reino Unido. As sondagens, de início risonhas para o governo, foram caindo e a vitória foi pírrica. Do outro lado da barricada, Jeremy Corbyn viu a sorte grande cair-lhe no colo, na forma de um aglomerado de votos de protesto, cuja interpretação não é fácil de fazer e que baralharam a balança partidária britânica.

Três aspetos há, para já, a destacar. O primeiro é que Theresa May é uma líder a prazo; está refém dos seus ministros e do seu partido, e ao mínimo deslize ou conveniência será por eles despejada de Downing Street numa “noite de facas longas”. O segundo é que, com ares de estadista, e já saudado como o profeta do “New Old Labour” ou o restaurador da verdadeira social-democracia na Europa, a Inglaterra pode vir a ter como Primeiro-Ministro um admirador dos bombistas do IRA, do Hamas e do “chavismo”, que não gosta de Washington nem de Bruxelas. Se essa escolha um dia triunfar, um governo de Jeremy Corbyn será legítimo; mas será uma má escolha para a pátria da mais antiga democracia do mundo. O terceiro aspeto é a soma disto tudo: neste momento, nenhum inglês ou europeu tem a mais pálida ideia do que será o Brexit e a relação da Ilha com o continente quando, e se, o divórcio se consumar.

Comentários
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  • Jon Dooley
    15 jun, 2017 Stockport 17:01
    Swampy portuguese soccer. Tell us about it, please, doctor Sardica. Forget the United Kingdom: that is our business.
  • MASQUEGRACINHA
    14 jun, 2017 TERRADOMEIO 18:42
    Bom artigo. Mas gostaria de notar que as passadas admirações não fazem o homem presente, e ainda menos o homem político presente - como bem o comprovam abundantes exemplos, até dentro de portas, alguns de fazer cair o queixo de espanto. Antigos admiradores entusiásticos de marxo-lenino-estalino-maoísmos a fazerem fulgurantes ultrapassagens políticas pela direita, brilhantes carreirismos de "serviço público", culminantes em Goldmann Sachs, FMIs, CGDs e por aí fora. Para lá dos telhados de vidro, argueiros e traves, cuspidelas para o ar, e outros óbvios que tais, esses preclaros exemplos de dissonância ideológica já nos deviam ter vacinado a todos, até ao Sr. Sardica. É assim a vida, a vida é assim, e vai-se relendo "O Principezinho" para nos consolarmos das dores e desilusões do crescimento. Portanto, espero que a idade tenha trazido a Corbyn mais sageza, engenho e arte - que cinismo não trouxe, que isso é de berço.