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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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Tentar perceber

A banca e o imobiliário

10 jun, 2017 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


O Santander comprou o Banco Popular por um euro. Um alerta para a subida dos preços no imobiliário.

O Banco Santander comprou o Banco Popular, também espanhol e também com presença em Portugal, pelo valor simbólico de um euro. A alternativa seria a falência do Banco Popular, por ter um excesso de crédito de cobrança improvável – o célebre malparado. A integração do Popular no Santander levará ao corte de cerca de 3 mil empregos.

A concessão um tanto leviana de crédito a pessoas e projectos, sobretudo imobiliários, que dificilmente teriam a capacidade de o pagar, está na origem dos principais problemas financeiros e económicos da última década.

O caso mais grave aconteceu nos Estados Unidos, há dez anos. Como os preços das casas subiam, ano após ano, houve quem se convencesse de que tal tendência não teria fim – uma ilusão habitual nas crises financeiras. Assim, os bancos americanos concediam empréstimos hipotecários para compra de habitação a quem manifestamente não os poderia pagar – pessoas sem emprego, sem dinheiro... Não havia problema para os bancos: a casa hipotecada subia constantemente de valor.

Até que rebentou a “bolha imobiliária”. Nessa altura foi o descalabro, transmitido a quase todo o mundo em pacotes de títulos com as dívidas dos compradores de habitações, misturados com outros títulos. Não valiam nada.

A bolha na Irlanda

A Irlanda, depois da Grécia e antes de Portugal, recebeu um resgate da UE, do BCE e do FMI. Os irlandeses até tinham uma economia a crescer e finanças públicas equilibradas. Mas os preços da habitação tinham subido em flecha, o que levou dois bancos a emprestarem loucamente a compradores de casas.

O governo de Dublin assustou-se, por boas razões, com a possibilidade de um colapso bancário geral no país e nacionalizou esses bancos. Resultado: o Estado irlandês teve que entrar com somas enormes para capitalizar os bancos à beira da falência. Daí o recurso a um programa de ajustamento, monitorizado pela “troika”.

Foi, assim, um problema circunscrito à banca, embora, naturalmente, com reflexos negativos no resto da economia. Mas, uma vez capitalizados os bancos em causa, a competitividade das empresas irlandesas e a capacidade do país para atrair investimento estrangeiro em empresas exportadoras colocaram a economia da Irlanda a crescer de novo a taxas elevadas.

Mas as pessoas têm memória curta. Já existem avisos externos aos irlandeses, nomeadamente da OCDE, chamando a atenção para o que parece ser um esboço de subida no preço das casas, que pode descambar numa nova bolha.

O caso espanhol

Também Espanha, cuja economia cresce agora a cerca de 3%, passou por uma crise especulativa no preço do imobiliário. Uma vez invertida a subida dos preços das casas e dos terrenos, os bancos viram-se a braços com milhares de habitações e locais de construção que entretanto se desvalorizavam a ritmo acelerado.

Por isso a Espanha recebeu ajuda externa, mas limitada ao sector bancário. Sector que tinha ainda um outro problema: a proliferação das “Cajas de ahorro” (caixas económicas) em dificuldades. Eram instituições públicas, ligadas aos políticos das autonomias e geridas muito em função do “amiguismo” partidário (não foi o caso da muito profissional caixa da Catalunha, Caixa Bank, que hoje domina o BPI). Com aquela ajuda externa, a Espanha conseguiu colocar a maioria da sua banca em condições financeiras sólidas.

Mas nem todos os bancos espanhóis estão bem. O Banco Popular, sexto maior banco de Espanha, viu-se atolado em crédito malparado – cerca de 17 mil milhões de euros. A sua compra pelo Santander faz perder o investimento aos 300 mil accionistas, mas não houve qualquer prejuízo para os depositantes, incluindo em Portugal. Perderam também os credores subordinados (titulares de obrigações, digamos, menos garantidas). E não houve dinheiro de contribuintes espanhóis ou portugueses envolvido nesta operação.

Subida do imobiliário em Portugal

Em Portugal não tivemos propriamente uma bolha no imobiliário. Mas poderemos vir a tê-la. Como é bem visível, os preços das casas e dos (poucos) alugueres para habitação estão a subir continuadamente. No Jornal de Negócios Bruno Faria Lopes chamou a atenção para que o valor de oferta médio por metro quadrado no último trimestre de 2016 era 3 695 euros. No segundo trimestre de 2008 estava abaixo de 2 500 euros. Os estrangeiros têm sido os grandes investidores no imobiliário: 6,2 mil milhões de euros no ano passado, mais 50% do que em 2014. “Cheira a sobreaquecimento. São subidas muito grandes em tão pouco tempo".

Não há motivo para alarme – mas é prudente seguir de perto a evolução dos preços no imobiliário, de modo a evitar futuros problemas. Lembremos que o crédito malparado na banca portuguesa, o segundo mais alto da zona euro depois da Itália, tem muito a ver com empréstimos para compra de casa.

Comentários
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  • Joao Pestana
    11 jun, 2017 Braga 09:33
    Espero bem que haja bolha e que não tarde a rebentar. Uma família da classe média já não pode viver em lisboa ou no porto. Os salários agora quem os define é o estado. salario mínimo para gente com formação e experiencia, abaixo disso para o resto da maralha. Viver no porto ou lisboa é para os franceses, brasileiros, ingleses alemães ou russos.
  • Justus
    10 jun, 2017 Espinho 18:10
    Um texto, como muitos outros de S. Cabral, falacioso e deturpador da realidade. Diz S. Cabral que o crédito mal parado na banca portuguesa tem muito a ver com empréstimos para compra de casa. Uma pura mentira e falácia. É certo que durante a crise económica por que passamos alguns milhares de portugueses a quem o governo anterior cortou salários e pensões e colocou no desemprego foram forçados a não pagar as prestações do empréstimo imobiliário. Mas isso, Sr. S. Cabral, é uma pequena gota no oceano do crédito mal parado. A grande fatia deste crédito mal parado e pelo que respeita ao imobiliário é constituída por milhares e milhares de milhões que as empresas dedicadas à especulação imobiliária não pagaram. Porque não refere S. Cabral estas empresas que se endividaram para além do que seria razoável e permitido, com a conivência da banca, só para enriquecerem do dia para a noite, explorando o zé povinho com preços exorbitantes? Claro que foram estas empresas, apologistas do capitalismo selvagem seguido por governos que só se preocupavam com números e não com pessoas que colocaram o crédito mal parado na situação em que está. Não foram os particulares, as pessoas honestas e honradas que deixaram de pagar, já que, se momentaneamente o fizeram, por incompetência governamental, acabaram por pagar, mais ano menos ano. Agora, os verdadeiros abutres, as grandes construtoras, parasitas e oportunistas, andam por aí à solta e, como sempre, os escribas sabem esconde-los, pois claro.