31 mai, 2017
Não é a primeira vez que escrevo sobre o tema; não será, infelizmente, a última. Refiro-me ao terrorismo islâmico, actuante novamente, na semana passada, em Manchester. Como de costume, sucederam-se os lamentos dos poderosos, as homenagens às vítimas, as promessas de fazer melhor e as juras de que “eles” não nos obrigarão a viver a medo. Tudo isto é reconfortante e importante, mas, francamente, já sabe a pouco.
Nos dias seguintes, colunistas respeitáveis e frequentadores anónimos de caixas de comentário online explicaram pela enésima vez que a democracia e o modo de vida ocidental precisam e têm o direito de se defenderem. A segurança não substitui a liberdade; reforça-a e imuniza-a contra o ódio e a loucura assassina. Não defendo a lei de talião; mas recusar endurecer a luta – porque é em guerra contra o terrorismo que estamos – por causa das vacuidades retóricas do politicamente correto e do estigma da “islamofobia”, não só não detém os terroristas, como os incentiva.
No rescaldo de Manchester, interessa perceber como há gente que, parecendo fazer parte da solução, na verdade faz parte do problema. Era o que os protestantes das marchas cívicas americanas diziam, nos anos 60, da “maioria silenciosa” que assistia à decomposição dos EUA. Nos dias de hoje, os que repudiam o terrorismo têm de somar ação à retórica, e antepor a coerência aos interesses particulares de nação ou de grupo mais obscuros – senão, são eles mesmos parte do problema do choque sangrento das civilizações, ou melhor, do ataque odioso que o Ocidente está a sofrer às mãos do Islão. Todo o Islão? Assim parece! Onde está a ação concreta dos “moderados” islâmicos contra os bombistas que dizem servir Alá? Porque não se mexem eles, que tão bem conhecem o terreno, as caras, as ligações e os dinheiros que fazem medrar o fundamentalismo? Porque não os desarmam eles e os trazem à justiça, em vez de oprimirem mulheres e apedrejarem homossexuais? E na Europa, de que lado estão, afinal, os líderes sorridentes e bem-falantes das comunidades islâmicas que vivem (e se radicalizam) entre nós?
Mas há também outros – e no Ocidente – que denunciam muito o problema, embora façam parte dele. De visita à Arábia Saudita, há dias, Trump acertou a venda de cem mil milhões de dólares de armas aos mandarins locais, de forma mais pública do que a usada por Putin para abastecer o Irão. Nem Riade, nem Teerão precisam de tanto arsenal para policiar ruas; o grosso vai parar ao mercado negro do armamento e às mãos dos que nos querem destruir. São “uns falhados”, declarou o Presidente dos EUA. Quem é que anda, todavia, mesmo que indiretamente, a armar esses “falhados”… para terem êxito nas loucuras que fazem? A realpolitik não é para pombas, mas os falcões que por aí circulam exageram na hipocrisia.
Há quem diga que o terrorismo insano é a prova de que o DAESH está no seu estertor. Não é certo que assim seja; e já se sabe que o franchising terrorista é como a hidra de sete-cabeças: sufocado um dia, renasce com outro nome e caras, mas sempre com a mesma determinação. Dizer isto não é ser “islamofóbico”: é tentar evitar o dia em que a nossa defesa esteja nas mãos da extrema-direita.
Quem tem poder, precisa de fazer parte da solução, para não ser parte (passiva ou ativa) do problema. Parafraseando o camarada Vasco Gonçalves, em 1975, cada vez mais esta é uma questão em que já não há espaço para “meios-termos” ou “terceiras vias”: os que, podendo, não agem contra o terrorismo, estão a fazer o jogo dos que o levam a cabo.