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José Miguel Sardica
Opinião de José Miguel Sardica
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Fazer parte da solução… ou do problema

31 mai, 2017 • Opinião de José Miguel Sardica


No rescaldo de Manchester, interessa perceber como há gente que, parecendo fazer parte da solução, na verdade faz parte do problema

Não é a primeira vez que escrevo sobre o tema; não será, infelizmente, a última. Refiro-me ao terrorismo islâmico, actuante novamente, na semana passada, em Manchester. Como de costume, sucederam-se os lamentos dos poderosos, as homenagens às vítimas, as promessas de fazer melhor e as juras de que “eles” não nos obrigarão a viver a medo. Tudo isto é reconfortante e importante, mas, francamente, já sabe a pouco.

Nos dias seguintes, colunistas respeitáveis e frequentadores anónimos de caixas de comentário online explicaram pela enésima vez que a democracia e o modo de vida ocidental precisam e têm o direito de se defenderem. A segurança não substitui a liberdade; reforça-a e imuniza-a contra o ódio e a loucura assassina. Não defendo a lei de talião; mas recusar endurecer a luta – porque é em guerra contra o terrorismo que estamos – por causa das vacuidades retóricas do politicamente correto e do estigma da “islamofobia”, não só não detém os terroristas, como os incentiva.

No rescaldo de Manchester, interessa perceber como há gente que, parecendo fazer parte da solução, na verdade faz parte do problema. Era o que os protestantes das marchas cívicas americanas diziam, nos anos 60, da “maioria silenciosa” que assistia à decomposição dos EUA. Nos dias de hoje, os que repudiam o terrorismo têm de somar ação à retórica, e antepor a coerência aos interesses particulares de nação ou de grupo mais obscuros – senão, são eles mesmos parte do problema do choque sangrento das civilizações, ou melhor, do ataque odioso que o Ocidente está a sofrer às mãos do Islão. Todo o Islão? Assim parece! Onde está a ação concreta dos “moderados” islâmicos contra os bombistas que dizem servir Alá? Porque não se mexem eles, que tão bem conhecem o terreno, as caras, as ligações e os dinheiros que fazem medrar o fundamentalismo? Porque não os desarmam eles e os trazem à justiça, em vez de oprimirem mulheres e apedrejarem homossexuais? E na Europa, de que lado estão, afinal, os líderes sorridentes e bem-falantes das comunidades islâmicas que vivem (e se radicalizam) entre nós?

Mas há também outros – e no Ocidente – que denunciam muito o problema, embora façam parte dele. De visita à Arábia Saudita, há dias, Trump acertou a venda de cem mil milhões de dólares de armas aos mandarins locais, de forma mais pública do que a usada por Putin para abastecer o Irão. Nem Riade, nem Teerão precisam de tanto arsenal para policiar ruas; o grosso vai parar ao mercado negro do armamento e às mãos dos que nos querem destruir. São “uns falhados”, declarou o Presidente dos EUA. Quem é que anda, todavia, mesmo que indiretamente, a armar esses “falhados”… para terem êxito nas loucuras que fazem? A realpolitik não é para pombas, mas os falcões que por aí circulam exageram na hipocrisia.

Há quem diga que o terrorismo insano é a prova de que o DAESH está no seu estertor. Não é certo que assim seja; e já se sabe que o franchising terrorista é como a hidra de sete-cabeças: sufocado um dia, renasce com outro nome e caras, mas sempre com a mesma determinação. Dizer isto não é ser “islamofóbico”: é tentar evitar o dia em que a nossa defesa esteja nas mãos da extrema-direita.

Quem tem poder, precisa de fazer parte da solução, para não ser parte (passiva ou ativa) do problema. Parafraseando o camarada Vasco Gonçalves, em 1975, cada vez mais esta é uma questão em que já não há espaço para “meios-termos” ou “terceiras vias”: os que, podendo, não agem contra o terrorismo, estão a fazer o jogo dos que o levam a cabo.

Comentários
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  • MASQUEGRACINHA
    03 jun, 2017 TERRADOMEIO 16:45
    ANTÓNIO COSTA : Muito bem visto e dito. Para mais, há que não esquecer que Bin Laden (um saudita) e sus muchachos (quase todos sauditas), atacaram os EUA a 11 de Setembro principalmente por causa do apoio dos EUA à Arábia Saudita - cujas elites consideram sacrílegas (corrupção e luxo exibicionista à grande e à saudita, tremendas bebedeiras e vícios afins e vaudevilles de piscina com mademoiselles, nas festanças das embaixadas, por exemplo) e logo indignas de serem as guardiãs dos locais mais sagrados do Islão. O principal inimigo da Al-Qaeda é a Arábia Saudita, o resto são satãs de segunda linha, a aguardar vez. Já o Daesh é outra história, menos purista e mais saudita...
  • António Costa
    02 jun, 2017 Cacém 18:45
    (1) O problema está nos "falcões". É uma "arte" que é levada muito a sério na Arábia Saudita, e com boas razões. Os Sauditas sabem perfeitamente domesticar "falcões" e pelos vistos souberam levar essa arte a "outros domínios", com todo o mérito. Quando em "cima da mesa" estão milhares de milhões é óbvio que a guerra contra o "terrorismo" vai continuar "pura e dura". Agora, quanto aos mandantes e aos patrocinadores do terrorismo esses podem dormir sossegadamente, em cima dos milhares de milhões de dólares que possuem. (2) O que é que Vasco Gonçalves tem a ver com isto tudo? Vasco Gonçalves defendia Leis e Medidas concretas para promover determinadas alterações sociais.....Hoje, pelo contrário anda-se a dizer que o "Islão" é "apenas" outra "Grande Religião". Que as Diferenças com o Cristianismo são "basicamente inexistentes". Que o modo de vida no Ocidente é "independente das religiões" porque vivemos em Estados Laicos. (3) O problema é que as religiões não são os "rituais religiosos". São as Ideias Básicas que "transportam" consigo. O conceito de "Estado Laico" é um "conceito" Cristão que separa Deus de César. Conceito que para o Islão é uma aberração. Os dirigentes Ocidentais teimam em dividir o Islão em "moderado" ( Só cumprem as Leis a 50%? ) e "radical", quando o Islão é apenas "a Nossa Constituição" ( Dizem os Sauditas, defensores dos Lugares Santos do Islão e evidentemente as maiores autoridades no assunto!). O Islão são Leis, de inspiração Divina, "imutáveis"!
  • Álvaro
    01 jun, 2017 Vila do Conde 22:48
    Não se compreende a citação de Vasco Gonçalves. A frase «ou se está com a reacção, ou se está com a revolução - não há meios termos aqui» é num contexto histórico, relativo ao período da revolução de 1974/75. Querer usá-lo num artigo acerca de terrorismo é errado. Por isso, compreendo as palavras de Alexandre, ao dizer que o autor do texto é infantil. Pior que infantil, é tentar ser esperto, com uma afirmação de alguém que em matéria de ideologia, nada tem a ver com os gostos políticos de Miguel Sardica.
  • PJ
    01 jun, 2017 Amadora 12:03
    Compreendo a citação de V.Gonçalves. Aqui refere-se e apenas ao facto de não poderem haver meios termos na guerra ao terrorismo. Ou se combate ou não! Paninhos quentes não vão resolver a questão, a prazo apenas a vão agudizar. A ideia, será ilustrar que no passado já alguém disse esta expressão! Quanto ao resto, o mundo parece estar preso numa luta esquizofrénica entre esquerda e direita. Nos EUA são os Republicanos vs Democratas (que ainda não digeriram o resultado das eleições), por cá a agora eterna luta das esquerdas vs extremas direitas europeias. Um "inimigo comum" agora redescoberto. Pese embora a minha admiração pela construção europeia, esta UE tornou-se um flop. Não há um líder que gere consensos e consiga trazer progresso e benefícios para os povos europeus. E como diz o ditado, em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão. Daí a ascensão das extremas direitas perante o descontentamento, as desigualdades e a insegurança (que os actuais governos falham em assegurar). Não se esqueçam que quem vota nas extremas direitas é tão cidadão/eleitor como os restantes. Se um dia houver por cá (europa) um resultado como nos EUA, teremos a maturidade de aceitar um resultado obtido democraticamente?
  • JP
    01 jun, 2017 Lisboa 01:00
    Para o José de Oeiras. Se não sabe ler português nem tão pouco conhece a língua de Camões faça-me um favor não critique aquilo que eu não escrevi. Sabe por acaso o significado de uma palavra entre parêntesis? Claro que não sabe. Senão não dizia uma coisa que não tem significado. Em relação ao (terrorismo) em Africa concordo consigo eu ao fim de um mês no meio do capim percebi a razão porque estava ali e o que estava a defender. Mas meu caro o terrorismo tem sempre uma origem e o terrorismo islâmico também tem uma história. Só que para pessoas como você o que está por detrás desse terrorismo e a sua origem não interessa. É como haver uma epidemia sem que se tenha usado a vacina que temos em nosso poder. Veja a origem do terrorismo vindo do Iraque, Líbia, Afeganistão etc etc etc etc. alguém responsabilizou o Blair, o Golden Man Durão, o Bush ou o Asnar claro que não. Da próxima vez peça alguém que lha faça a tradução do português.
  • Alexandre
    31 mai, 2017 Lisboa 20:21
    Estranho o discurso sobre Vasco Gonçalves... Qual a ideia em trazer Vasco Gonçalves para este texto? Seria para impressionar o patrão de Miguel Sardica? Tem piada fazer pouco de um primeiro-ministro que foi bom, como ser humano? É jocoso para Miguel Sardica gozar com um homem que já morreu e enterraram? Para quê? Qual a piada desta conclusão que mostra um Miguel Sardica ainda mais infantil do que já era?
  • jose
    31 mai, 2017 Oeiras 17:20
    Gostei e concordo com o que escreveu. Mas apareceu um JP a querer comparar o terrorismo islâmico com a guerra de libertação, terroristas eram os Pides e outros que matavam os nacionalistas que lutavam pela liberdade das suas terras.
  • Z´Açor
    31 mai, 2017 Açores 17:06
    Excelente e elucidativo artigo! Que pena não ser lido pelos imbecis líderes europeus!
  • MASQUEGRACINHA
    31 mai, 2017 TERRADOMEIO 16:24
    Exceptuando a referência a V. Gonçalves, que me pareceu bastante forçada no contexto, não posso senão concordar (infelizmente!) com o que é dito no artigo. De facto, com tanta ganância e hipocrisia, e miopia politicamente correcta, aproxima-se o dia em que teremos que colocar a nossa defesa nas mãos de tarados de extrema direita radical... sem grandes benefícios para ninguém, e menos ainda para os tais "islâmicos moderados", seja lá isso o que seja. Temos que compreender e interiorizar que o Islão não é apenas mais uma crença religiosa como as outras : o Islão é uma forma integrada de vida, que define e regula todo o percurso individual, do berço à tumba, e o funcionamento político e social. Não existe distinção entre laico e religioso, nem abjuração, nem "ecumenismos". Portanto, e por mais moderados que sejam (e são), os muçulmanos serão sempre corpos estranhos num sistema demo-liberal, que toleram por questões de sobrevivência, mas que lhes repugna e não podem senão rejeitar. Podem viver entre nós, com um carácter de seita pacífica, boa gente, bem falantes e sorridentes, como diz o Sr. Sardica - mas isso será o máximo que se conseguirá em matéria de integração. Por outro lado, gostaria de chamar a atenção para o que, ao que parece, também aconteceu em Manchester : diversas pessoas, entre as quais um imã, terão alertado as autoridades sobre o futuro bombista - e nada foi feito! A ser verdade, quem matou afinal aqueles inocentes? O lunático suicida ou a incompetência suicida?
  • JP
    31 mai, 2017 Lisboa 15:05
    Isto agora virou Trumpmania. O autor desta narrativa só agora descobriu que os americanos vendem armas que vão parar às mãos de terroristas no tempo do Nobel da paz Obama nada disto era possível. Meu caro eu em 1969/70/71/72 cheguei a ver armamento fabricado e não só fabricado nos states nas mãos dos (terroristas) durante a guerra colonial. Os gringos não querem saber do mundo global desde que dê lucro. Não foi Trump o autor da frase. American dream.