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Luís Cabral
Opinião de Luís Cabral
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​Festival de ironias

22 mai, 2017 • Opinião de Luís Cabral


Não via o festival da canção desde há 30 ou 40 anos.

No mês passado, várias pessoas disseram-me que este ano é que é: Portugal tem uma canção para ganhar.

A minha primeira reacção foi lembrar o ano da "Desfolhada" da Simone, que era também "trigo limpo" e depois foi o que se viu. No entanto, decidi ouvir (o YouTube é uma grande descoberta, facilita imenso estas coisas: está lá tudo).

Apesar da minha atitude de Nataniel céptico, a primeira impressão de "Amar Pelos Dois" foi claramente positiva; mas a canção é como a água tónica: aprende-se a gostar (essa foi, pelo menos, a minha experiência); e deixa de ser uma canção boa para ser uma canção muito boa, mesmo muito boa.

Entre isto e o orgulho e ver um produto nacional no mercado internacional (e, mais uma vez, com a ajuda do YouTube), decidi ver o festival.

Mais do que um festival da canção, foi um festival de incoerências e ironias.

Para começar, a ironia de que, num festival com o lema "diversidade", a grande maioria das canções siga o molde "chapa 3" daquilo que Salvador Sobral denomina como música "fast food" (uma designação algo injusta mas que se ajusta ao que ouvimos). E no que respeita à língua, o que temos é tudo menos diversidade.

Depois, temos o sistema de votação. Segundo consigo perceber, a ideia de incluir júris nacionais para além da votação popular é garantir que a escolha da canção vencedora se baseie não só no apelo ao ouvinte médio como também ao especialista em música. No entanto, a votação dos júris nacionais pareceu-me tudo menos profissional. Não quero fazer aqui qualquer tipo de acusação, mas os padrões de favoritismo falhariam qualquer teste estatístico de imparcialidade. Por exemplo, se bem me lembro a Grécia atribuíu 12 votos ao Chipre enquanto que o Chipre atribuíu 12 votos à Grécia. Hmm!

A canção portuguesa venceu com justiça. Não sei se dizer "apesar de ser tão diferente" ou "por ser tão diferente". A compositora, Luisa Sobral, referiu-se à simplicidade do arranjo, que obriga o ouvinte a prestar mais atenção à canção do que aos extras. Também ajuda o facto de ser uma canção que melhora com a repetição (ao contrário do que acontece com grande parte dos outros concorrentes).

Não sei quando será a próxima vez que verei o Festival da Eurovisão, mas se houver outra canção portuguesa como a deste ano, por favor avisem.

Comentários
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  • João Galhardo
    24 mai, 2017 Lisboa 08:58
    «Afinal, isto estava tudo comprado, não é verdade?» demonstra que Salvador Sobral é um bom malandro, elevado a herói nacional pela imprensa e televisão.
  • Marco Visan
    23 mai, 2017 Lisboa 22:41
    É estranho que Salvador Sobral tenha dito «Afinal, isto estava tudo comprado, não é verdade?» Se o disse, da forma divertida e crítica, é porque alguma coisa houve de verdade em relação àquele pequeno aparte. Se não tivesse dito a frase, tudo bem, eu aceitaria. Como disse e da forma como disse, leva-me a crer que tudo o que se passou foi uma bela e simples farsa elevada depois ao exagero.
  • MASQUEGRACINHA
    23 mai, 2017 TERRADOMEIO 18:59
    Ah, a despojada beleza da canção da Maria Guinot... piano, refrão "e troco a minha vida por um dia de ilusão, e troco a minha vida por um dia de ilusão...", duas vozes femininas numa harmonia-limite. O tipo de canção que, penso, o S. Sobral cantaria muitíssimo bem, com um toque de jazz. A votação foi, como sempre, política: desta vez, comandada por alguma má consciência pan-europeia (coitadinhos dos portugueses, não tenho nada contra os portugueses, que eu até tenho amigos portugueses, bora lá dar-lhes a alegria de sabermos quem eles são!, bora lá dar-lhes!), ajudada pelo inesperado da prestação "minimalista" por entre os "fogos-de-artifício", que racionalizou a febre dos dozes e dos likes. A canção é bonitinha, o Salvador tem voz e interpretação muito razoáveis... Mas quem quereria um Festival da Canção (FESTIVAL, note-se!) feito de "Amares pelos Dois"?!! Foi óptimo, óptimo, ganhar. Ainda bem que ganhou Portugal, ainda bem que foi o S. Sobral, que parece simpático e inteligente. Mas foi a excepção à regra, que não apagará para sempre o fogo-de-artifício... E, afinal, o fogo-de-artifício também tem o seu lugar e o seu encanto... no festival certo. Agora, espero muito sinceramente que não nos vamos enterrar em organizações de mega-eventos - é melhor descartar a coisa, ou já nos esquecemos dos estádios de futebol às moscas? E não me venham falar de "honra patriótica" - ou já nos esquecemos dos castigos e achincalhos por termos "vivido acima das possibilidades"?! Haja bom-senso.
  • Oliveira da Figueira
    23 mai, 2017 Marrazes 13:32
    Eu gostei muito do seu artigo e acho-o muito lindo. O meu filho tem um amigo que é assim muito parecido consigo. Usa gravata e tudo. Sobre o Salvador Sobral, também gostei e, não sei porquê, mas a música dele fez-me lembrar a música que o ratinho Topo Giggio cantava ao Rui Guedes, sem desfazer.
  • Maria
    23 mai, 2017 Lisboa 08:51
    Eu gostei muito da música e até tenho um retrato do Salvador Sobral junto ao do Papa Francisco. Obrigado, Luís Cabral. Gosto muito dos teus óculos de seminarista. São muito lindos.
  • ALETO
    22 mai, 2017 Lisboa 14:38
    A música não é boa. A música é, sim, pirosa e parola, muito ao estilo das músicas da eurovisão. Ter dado o primeiro lugar a Portugal, não significa muito nos tempos que correm. Significa, sim, que os países que compõem a eurovisão querem organizar este evento em Portugal, no próximo ano. Quase que aposto que no próximo ano oferecem o primeiro lugar à Moldávia.
  • Alexandre
    22 mai, 2017 Lisboa 08:52
    Ao contrário do que escreve aqui (talvez para merecer a simpatia daqueles que gostam desta música), esta canção ouve-se, deixando de ser uma canção razoável para ser uma canção má, repetitiva e uma autêntica tortura para a memória. A própria música é simples; demasiado simples. Se tornar a melodia mais rápida, a música faz lembrar as melodias que chamavam as crianças a entrar num circo ou numa feira popular. No cartaz que a Câmara Municipal de Lisboa produziu (a custo dos cidadãos desta cidade), Luísa Sobra e Salvador Sobral, parecem duas personagens da «Disney World». Na verdade, a «Eurovisão» deixou de ser um festival de música, para se tornar numa espécie de «Disney World» para pessoas que são duras de ouvido, mas que julgam entender a música. Por isso, dizer que Salvador Sobral é bom músico é cair num grande logro.