17 mai, 2017
Por escassas, mas intensas, 24 horas, nos dias 12 e 13 de Maio, a sede espiritual do catolicismo transferiu-se do Estado da Cidade do Vaticano, na grande Roma, para a pequena charneca da Cova da Iria, transformada, ao longo de cem anos, no Santuário de Fátima que hoje conhecemos. Cada viagem papal tem o seu contexto e história, e deixa as suas impressões e legados. Que dizer desta última, que apresentou pela primeira vez Francisco aos portugueses, depois de quatro anos de Pontificado?
A ocasião era das mais solenes, mas o estilo papal foi dos mais despojados. O prelado que quis chamar-se Francisco, como o de Assis, canonizou – fora de Roma – um outro Francisco que, com Jacinta, passaram a ser os santos não-mártires mais jovens da Igreja, e esteve sempre bem ciente da data redonda – um século – que se celebrou. Menos “mariano” do que João Paulo II, fez, todavia, lembrar mais o Papa polaco que o seu antecessor, Bento XVI, por ser mais um peregrino entre peregrinos, um pastor de almas e um operário da Igreja, do que um teólogo reservado e doutrinal, como era Ratzinger.
Os portugueses adoram quem os adora e os católicos ainda mais um Papa de estilo bonacheirão e simpático. Francisco não veio a Fátima; veio para estar com os que estavam em Fátima. Saiu apressado do avião, sem esperar a passadeira vermelha, e desviou-se do tapete de flores para segurar bonecas e dar autógrafos. No Santuário, orou sem especial aparato e fez questão, à noite, de descer parte do recinto a pé. Na Missa de dia 13, imitou os peregrinos, de lenço na mão, despedindo-se da imagem da Virgem, depois de ter produzido uma homilia extraordinariamente simples. Relida, parece que qualquer crente com ilustração média seria capaz de a escrever. E, no entanto… a beleza das coisas simples só está ao alcance de muito poucos.
Depois do pico de emoções do centenário, especialmente propício à revisitação intensiva de Fátima, pela história, pela teologia, pelo sentimento e pela iconografia, a crença continua, mas o foco de atenção vai diminuir na exacta proporção da menor noticiabilidade das aparições, fechada a efeméride.
A vida moderna é mesmo assim. Para lá do que os adversários ou críticos não aceitam, ou gostam menos, em Fátima – o “joelhódromo” (palavra de mau gosto!), o comércio, o negócio, a exploração “barata” de emoções e crendices – o futuro, aos cem anos, da mensagem de Nossa Senhora é tão actual e tão prospectivo como se anunciou em 1917, numa paisagem rural pobre, a três crianças, numa das conjunturas nacionais e internacionais mais difíceis de sempre. Foi desse futuro, extraído do passado de Fátima e do presente de centenas de milhares de pessoas reunidas no Santuário, que tratou, afinal, a homilia do Papa Francisco. Em Fátima, como em todo o lado, uma “Igreja pobre de meios, mas rica de amor”, precisa de ser agente de paz, de solidariedade e de esperança, que são “alavancas na vida de todos nós” e antídotos para a “miopia do olhar” (a indiferença), com que os homens se fazem “esperança abortada”.
Os problemas, os males e os desafios vão mudando, de 1917 para 2017 e daqui para o futuro. Mas um caminho foi aquilo que a Cova da Iria inaugurou e que o gigantesco fenómeno global de Fátima hoje relembra: mediadora de Cristo, Nossa Senhora oferece aos seus muitos filhos “o manto de luz que nos cobre, aqui como em qualquer outro lugar da Terra”. No dia seguinte à vinda do Papa, talvez o Santuário tenha estado já quase vazio. Mas mesmo vazio de gentes, e fora das peregrinações dos dias 13, é sempre esta verdade (d)e vida que ali se encontra.