11 abr, 2017
A depressão é uma doença terrível e que atinge 300 milhões de pessoa em pleno império da ciência, da vitória da tecnologia e da santificação do consumo para o estímulo ininterrupto do crescimento económico das sociedades anónimas. Como ensina o muito estudado J. Vallejo, o eixo nuclear da depressão consiste numa tristeza vital e profunda que envolve a pessoa até afectar todas as esferas da sua relação com os outros e consigo mesma. Frequentemente, essa tristeza, absoluta e paralisante, é acompanhada por ansiedade, irritabilidade ou hostilidade, embora grande número de afectados se sintam profundamente inibidos, estuporosos. E, em muitas circunstâncias, os doentes depressivos também actuam autoagressivamente: pela tentativa de suicídio ou por condutas autodestrutivas como o abandono da medicação para as suas doenças crónicas, o alcoolismo, a bulimia, o tabaquismo ou a exposição continuada a situações de risco, nomeadamente na condução de veículos e na prática dos deportos «radicais».
Também há casos em que a tristeza é «substituída» por manifestações somáticas mas a depressão é sempre um estado de incapacidade de gestão do prazer, quer seja de o experimentar, de o antecipar ou de o procurar, o que acaba por subverter o próprio corpo, ao instalar-se nos seus sistemas. Em consequência, o organismo claudica, o doente sente-se derrotado e perde o interesse e a esperança na sua família, no seu trabalho e, mais amplamente, no seu projecto existencial. Como etapa final, instala-se a apatia: nada faz sentido nem nada vale a pena. Como diria Agostinho de Hipona, fica-se sem memória, sem inteligência, sem vontade.
Durante a semana a que chamam Santa, os cristãos de todo o mundo escutam a Palavra mais detalhada e mais comovente de todo o ano litúrgico. Muitos sofrem na carne as penas abjectas da perseguição pela fé e a violação da sua mais profunda consciência mas, talvez por isso, ainda vivem mais intensamente estes dias. Pablo D’Ors , teólogo e escritor, cujo comentário me foi oferecido por um amigo, escreveu sobre as consequências da agonia do Cristo e o pecado dos que o condenaram injustamente: «Nada demonstra melhor o nível espiritual de uma pessoa do que a sua relação com a dor. Em crianças, rejeitamos qualquer dor e regemo-nos, única e exclusivamente, pelo princípio do prazer, que consideramos um direito. Quando adultos, aceitamos a dor, que é fruto do amor, ou seja, estamos dispostos ao sacrifício. Compreendemos que a dor tem os seus direitos e, contrariados ou reconciliados, pagamo-los religiosamente.»
O tratamento da problemática da felicidade está registado nas culturas desde tempos muito longínquos, provavelmente foi um tema central nas auroras e sistematização das culturas mais dominantes e não há razão para crer que, a partir de uma outra qualquer formulação, não tenha estado presente nos mais recônditos aglomerados humanos. Talvez a depressão tenha sido sempre a sua fiel companheira, o sinal dos limites à liberdade humana, mas é improvável que em tempos recuados tenha conseguido medrar no coração de tanta gente como acontece hoje, na afluência, na comodidade, nas vitórias da medicina, nas prestações sociais. Há um fundamento cultural para a doença mental que nenhum tipo de positivismo pode negar e o alastrar da depressão, e o seu incomensurável e absurdo sofrimento, é um sinal civilizacional da incivilidade dos tempos, exibindo a fragilidade das relações e dos valores, a confusão entre o otimismo e a esperança, a ausência de sentido para a vida que constitui o princípio da realidade e a base da maturidade humana. Para os cristãos, a Páscoa é um tempo de reconciliação e de coragem, um tempo da felicidade adulta que subsiste ao sofrimento, à doença, à pobreza, à perseguição, uma oportunidade para o compromisso fraterno no seguimento daquele que passou fazendo o bem: «tomou sobre si as nossas enfermidades e carregou os nossos sofrimentos», pois se a fragilidade e a dor são condição humana, encontram redenção no amor, na generosidade e na entrega. Votos de uma boa Páscoa.