05 abr, 2017
Por uma daquelas coincidências que fará um dia as delícias dos leitores de história, foram quase simultâneas as comemorações dos 60 anos do Tratado de Roma e o envio, pelo Reino Unido a Bruxelas, da carta que oficializa o Brexit. A efeméride evocou a construção da Europa; o acto de Londres faz temer a destruição dessa mesma Europa. Não há como dourar a pílula.
A saída britânica da UE é uma péssima notícia. Escrevi-o aqui, em Junho do ano passado, e mantenho-o hoje. É verdade que a “britishness” da Ilha foi sempre algo excêntrica ao continente, e a relação de Londres com Bruxelas, Berlim (antes Bona) e Paris sempre algo tensa. Os britânicos são atlantistas, democráticos, educados e cépticos, olhando com reserva um continente de lideranças tendencialmente uniformizadoras e centralistas.
Nove meses depois do choque e da surpresa do referendo, talvez a vitória do Brexit, sendo triste, já não seja tão estranha. Afinal, e apesar das culpas de Cameron, De Gaulle nunca quis o “Brentrance” e a burocracia de Bruxelas também tem dado mais argumentos para as saídas do que para as permanências. E como sai quem pode, e não quem quer… quem pode, sai.
Sem o Reino Unido, a Europa ficará, daqui a dois anos, mais pobre em todos os sentidos. E os pequenos países, como Portugal, mais desprotegidos, dado que o eixo franco-alemão deixará de ter um contrapeso à altura. Mas também a Grã-Bretanha ficará mais pobre, porque mais sozinha e porque a soberania plena não compra automaticamente a autossuficiência. Para já, e até 2019, segue-se um labirinto de negociações: li algures que só para desmantelar a presença da UE em Londres será necessário alterar um milhar de leis ali vigentes. Isto é o papel; falta a vida das pessoas e de todos os dias e as consequências que só agora se entreveem.
Algo mudou, no entanto, desde há nove meses. Em Junho de 2016, os maus da fita eram os “brexiteers”. Hoje, perante uma Theresa May que fala em “nova relação” com a Europa, os seus principais interlocutores parecem preferir falar em “divórcio litigioso”, quando não em “crime e castigo”.
É verdade que Brexit é Brexit, a saída é para cumprir e haverá feridas de parte a parte. Porém, não é preciso juntar acrimónia à dificuldade ou, nos casos piores, gasolina à fogueira. Neste particular, Jean-Claude Juncker, o presidente da Comissão Europeia, o homem do Lux Leaks, utilizador de algumas palavras mais vernaculares no Parlamento Europeu, que arrisca ver o seu mandato manchado pela crise da Europa, tem actuado com um estilo algo incendiário. Compreende-se, humanamente, o seu azedume. Mas não se pode aceitar que quem é suposto arbitrar o jogo que vai começar entre Londres e o continente anuncie já penalizações (de quê?) ao Reino Unido de biliões de Euros. E causa a maior estranheza, ou um sorriso de constrangimento, que, no seu afã de amedrontar outros potenciais “exiteers”, Juncker tenha até descido à provocação politicamente incorrecta contra os EUA.
É sabido que Trump apoia o Brexit e não morre de amores pela Europa unida. Faz mal; mas essa miopia americana fica para outra crónica. Mal fez também Juncker, há dias, ao ameaçar Washington com um apoio europeu ao separatismo e à independência do Ohio ou do Texas! Na sua fixação federalista, o Presidente da Comissão Europeia revelou o tipo de integrismo que levou ao Brexit, além de alguma ignorância histórica: ao contrário das peças adicionadas de uns supostos Estados Unidos da Europa, que o velho continente nunca foi e nunca será, o Ohio e o Texas são há muito partes de uma União que os Estados Unidos da América sempre foram.