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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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Tentar perceber

A crise da social-democracia

25 mar, 2017 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


O socialismo democrático, que parecia ir afirmar-se após o colapso do comunismo, está hoje em dificuldade.

Quando se deu o colapso do comunismo soviético, há quase trinta anos, parecia ter-se aberto uma grande oportunidade para o socialismo democrático. A partir de então, este já não seria prejudicado, por tabela, pela falta de direitos civis, políticos e humanos na terra do “socialismo real”.

E, de facto, se quanto à União Soviética e satélites ainda foi possível manter ilusões durante décadas, nem os mais ingénuos marxistas vêem, hoje, exemplos a seguir na China, na Coreia do Norte ou nos países da América Latina que adoptam o chamado “socialismo bolivariano”.

Aquelas ilusões não eram apenas políticas: boa parte do prestígio de que, após a descolonização, a URSS gozava em novos países africanos tinha sobretudo a ver com a ideia de que o regime soviético era uma via para um rápido crescimento económico a partir do subdesenvolvimento. Mas a URSS acabou em boa parte por causa da sua incapacidade para acompanhar a prosperidade económica ocidental (e japonesa). Quanto ao “socialismo bolivariano” basta lembrar que a Venezuela tem as maiores reservas petrolíferas mundiais e está na miséria; falta até o combustível.

Contaminação liberal

Mas, voltando ao socialismo democrático, porque saíram furadas as suas expectativas após a queda do comunismo? Uma parte da esquerda culpa a aproximação de social-democratas ao chamado neoliberalismo. Este entusiasmou-se com a derrota do comunismo e entrou numa euforia que pôs de lado princípios éticos básicos, na ânsia de ganhar muito dinheiro e depressa. Euforia que terminou com a grande recessão causada, a partir de 2007, pela crise do “subprime” a partir dos Estados Unidos.

Essa contaminação levou, por exemplo, Bill Clinton (aliás um bom presidente) a revogar a lei de Roosevelt que obrigava a uma separação rigorosa entre a banca comercial e a banca de investimento. A partir daí, a mentalidade de risco própria dos bancos de investimento contagiou todo o sector bancário. Outro caso foi o de Tony Blair, cujo desprestígio, hoje, tem sobretudo a ver com o apoio que deu a George W. Bush e à lamentável invasão do Iraque. E há, ainda, o falhanço eleitoral de vários partidos socialistas europeus: o PSOE em Espanha, o Pasok na Grécia, o PS francês, etc.

Outros casos poderiam ser referidos, como o do socialista Hollande, presidente de França, que acabou por seguir uma política contrária à que defendera na sua campanha eleitoral há cinco anos. Hollande teve os mais baixos níveis de aprovação de qualquer presidente da França da V República, por isso não se recandidatou. O PS francês está tão dividido que nenhum dos seus candidatos deverá passar à segunda volta das eleições presidenciais.

Por seu turno, os socialistas de esquerda, anticapitalistas, não têm muito para festejar. Veja-se o líder trabalhista J. Corbyn, no Reino Unido, cujo esquerdismo algo antiquado afasta o seu partido do poder. Ou, em Espanha, o mais agressivo esquerdismo do Podemos, partido que teve um início de vida espectacular, mas parece ter atingido um tecto eleitoral e estar minado por conflitos internos. Ou, ainda, as cambalhotas do Syriza na Grécia, onde perdeu muita popularidade.

Envelhecimento demográfico

A verdade é que a social-democracia teve e tem que enfrentar uma situação adversa. O Estado social, que cresceu na Europa depois da II Guerra Mundial, contou com trinta e tal anos de notável crescimento económico. Mas esse crescimento acabou e não se sabe se um dia virá a ser retomado. Ao mesmo tempo, a população europeia envelheceu, por causa da baixa na natalidade (Portugal é dos países que mais envelhecem). Ora estes dois factores colocam crescentes limitações ao financiamento dos apoios sociais.

Daí que os eleitores se afastem de uma social-democracia cada vez menos generosa e sejam atraídos pelos discursos populistas de direita e de esquerda. Mais tarde ou mais cedo descobrirão que a demagogia dos populistas não leva a uma maior prosperidade; e ainda menos promove a solidariedade. A começar pela recusa de acolher imigrantes, que o envelhecimento populacional torna necessários para o equilíbrio financeiro da segurança social dos países de acolhimento. Entretanto, crescem os regimes políticos autoritários e pouco democráticos – até no interior da União Europeia.

A situação é, então, desesperada? Talvez não. Lembremos que nos anos 30 do séc. XX a democracia liberal era por muitos considerada como um regime ultrapassado, próprio do séc. XIX. Modernos, então, pareciam ser os totalitarismos comunistas e nazi-fascistas. No entanto, a democracia liberal regressou em força na segunda metade do século passado. Agora, a social-democracia precisa de inventar um novo futuro.

A solução encontrada por António Costa – a “geringonça” – tem despertado interesse no estrangeiro. Mas enfrenta um problema: são de fundo as divergências entre o PS e os partidos da esquerda radical, PCP e BE, que apoiam o governo socialista. Por muito que todos falem em “esquerda”, são contrárias as posições do PS, de um lado, e do PCP e BE, do outro, sobre a integração europeia, as liberdades da democracia liberal, a colectivização económica, o papel da iniciativa privada, etc. O que trava reformas significativas e não garante estabilidade no longo prazo. A “geringonça” não é uma alternativa sólida.

Comentários
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  • Miguel Botelho
    26 mar, 2017 Lisboa 23:17
    O ex-adjunto de Cavaco Silva escreve uma coluna por dia, sem parar. O seu ideal é nenhum. Defende um regresso de Portugal à mentalidade que persistiu entre 1926 e Março de 1974. As suas teorias são vazias, sem consistência, iguais às de Cavaco Silva.
  • João Galhardo
    26 mar, 2017 Lisboa 19:28
    «Veja-se o líder trabalhista J. Corbyn, no Reino Unido, cujo esquerdismo algo antiquado afasta o seu partido do poder.» Uma grande mentira. Se o ex-comendador de Cavaco Silva estivesse com atenção, perceberia que Jeremy Corbyn tem maior apoio dos eleitores trabalhistas. É um político trabalhista, com ideias trabalhistas. Ao contrário de Tony Blair e Gordon Brown, trabalhistas com ideais conservadores. É uma autêntica pouca vergonha o que Sarsfield Cabral (ex-apaniguado e ainda adorador da figura triste e sinistra de Cavaco Silva) escreve neste artigo. Parece um artigo encomendado por Assunção Cristas ou Paulo Portas; ou até mesmo Durão Barroso. É algo que espelha bem a triste condição em que se encontra a literatura de opinião política, um pouco igual à sociedade capitalista: em queda livre.
  • Justus
    26 mar, 2017 Espinho 16:46
    S. Cabral é um daqueles escribas que se entretêm a debitar teorias engendradas por quem pretende manter os privilégios de poder, de casta, de religião ou de dinheiro. Para isso, vem sempre com os seus "contra pontos": direita - esquerda; comunismo - capitalismo; socialismo - liberalismo; democracia liberal - democracia iliberal, etc. O que ele pretende, no fundo, é manter a guerrilha permanente na sociedade, por forma a que uns, aqueles que pertencem à sua casta, se sobreponham aos outros, aos mais desprotegidos. Segue à risca aquele ditado latino: "homo hominis lupus". Para quem é cristão e católico é algo incompreensível e criticável. Em vez de acirrar os ânimos e andar a apontar permanentemente os eventuais defeitos dos que não gosta, melhor lhe fora tentar esbater as diferenças e preconizar a harmonia entre todos. Só que a hipocrisia entre cristãos já vem de longe, porque até o próprio Cristo se insurgiu contra este estado de espírito, dizendo: "ai de vós escribas e fariseus hipócritas". E também não é de agora a ideia que muitos escribas gostam de aflorar: "dividir para reinar". Assim, rotulam as pessoas de comunistas ou capitalistas, de direita ou de esquerda, de democratas ou anti democratas e não fazem outra coisa que não seja pôr uns contra os outros. Só assim conseguirão manter os privilégios em que sempre medraram. O evoluir dos tempos e a crescente cultura dos povos estão a dar-lhes cabo deste estratagema. Já ninguém acredita nestes hipócritas e oportunistas.
  • Marco Visan
    26 mar, 2017 Lisboa 12:01
    «A “geringonça” não é uma alternativa sólida.» É a conclusão de Sarsfield Cabral que usa mais uma vez a sua opinião para atacar um governo que descomprime uma sociedade depois de 4 anos de austeridade, sem plano e sem rumo. É a opinião firme e sólida de um membro do CDS-PP.
  • Alexandre
    25 mar, 2017 Lisboa 22:36
    «Quanto ao “socialismo bolivariano” basta lembrar que a Venezuela tem as maiores reservas petrolíferas mundiais e está na miséria; falta até o combustível.» Porque é que o Sr. Sarsfield Cabral continua a mentir, quanto a esta realidade política? Porque é que não investiga melhor sobre a Venezuela? Porque não investiga aquilo que se passa com a oposição venezuelana, a «MUD»? É verdadeiramente triste continuar vê-lo a usar esta coluna de opinião para não só mentir, mas também para expor as opiniões dos seus líderes de partido, do CDS-PP. Já veio aqui desmentir este facto, como também já censurou comentários que o desmascaravam quanto a outras opiniões. Na verdade, o senhor é deste partido e todos os dias, faz campanha pelo mesmo ou pelas mesmas ideias políticas defendidas pelo CDS-PP.
  • MASQUEGRACINHA
    25 mar, 2017 TERRADOMEIO 18:20
    E os países nórdicos? Esses bizarros e longínquos fenómenos, sempre nos lugares cimeiros nas listas da qualidade de vida, e nos lugares fundeiros nas listas da corrupção, onde se chega ao desplante de recusar DESCIDAS de impostos, porque se quer continuar a usufruir de bons SERVIÇOS PÚBLICOS? O que são eles, o que são? Quem os governa, quem é? E onde se iniciou, historicamente, esse percurso de boa governação? E (questão principal) como vem sendo mantida? É que bancos, empresas e gente corrupta há por todo o lado - só que medram melhor nuns sítios que noutros. Por que será? Que as desculpas dos "comportamentos culturalmente enraizados dos povos" já estão no Museu das Tradições há muito... Quanto ao termo "geringonça" é, de facto, uma alcunha giríssima, digna da inteligência de quem a inventou, e bem aplicada por quem a aplica. Mas gosto mais ainda daquela das "Esquerdas Unidas", inventada (com ar muito sério) pela Dª A. Cristas, e que, não sendo tão giríssima, me parece ser ainda mais bem aplicada - não é "Esquerda Unida", atente-se!, é "Esquerdas Unidas". Gostava que colasse: soa bem, define melhor, e seria fácil de traduzir em todas as línguas que conseguissem chegar a perceber o conceito. E, já agora, ninguém poderá recusar o papel fundamental que o CDS-PP vem tendo na política portuguesa, nem que mais não seja pelo inegável talento para a rotulagem dos conteúdos alheios.
  • Alves dos Reis
    25 mar, 2017 Alviela 15:34
    Mas que confusão vai nessa cabecinha! O que é que interessa o nome que dão às coisas?? Por acaso é por se chamar República Democrática da China que nesse país existe democracia?? Meu caro senhor: aquilo a que chamaram socialdemocracia não foi mais que uma tentativa de branquear a ideologia dos partidos socialistas. O senhor bem sabe o qual era o objectivo do comunismo. Ou não sabe?? O partido socialista só pôde sobreviver porque lhes acrescentaram a palavra democracia. Ou o Senhor ainda julga que a palavra socialdemocracia é composta pelas palavras Social e Democracia? Está muito enganado! À palavra Social falta-lhe o resto, ou seja verdadeiramente é a Socialistademocracia!! Já percebeu?? Nunca é tarde para abrir os olhos, mesmo para uma pessoa na terceira idade, como o senhor!
  • António Costa
    25 mar, 2017 Cacém 13:39
    "O que é que está a dar?" - A Social-Democracia? Então, são sociais-democratas. O Fascismo? Então, são Fascistas. O Capitalismo? Então, são capitalistas, A Monarquia? Então, viva o Rei! A Inquisição? Então, hereges para a fogueira! Tem, sido sempre, assim ao longo da História da Humanidade! Á exepção de alguns "idealistas", que acabam "sem dentes" ou mortos, o objetivo é o "Tacho"!. Só. Por isso, e principalmente por isso, é que se tem de ter MUITO CUIDADO com as ideologias que "estão na moda". Principalmente, se conduzirem a sistemas totalitários ( sistemas que promovem "o chefe", mantendo na miséria e no terror, a esmagadora maioria da população ). A "queda do muro de Berlim" para muita gente foi apenas "a queda da intervenção do estado na Economia". Então, viraram-se para a "nova moda" o "capitalismo selvagem". Apenas isso. Como no tempo do Imperador Constantino se "viraram" para o Cristianismo, sem perceberem nada. Os "conceitos cristãos" provocaram uma revolução sem precedentes. Por exemplo, o aparecimento da máquina a vapor "no dia-a-dia" deu origem à "Revolução Industrial", em vez de ser utilizada "apenas" em "brinquedos", como acontecia na Biblioteca de Alexandria, na Antiguidade. As "sociedades dos escravos e dos senhores", deixaram, finalmente, de ser "legitimas".