25 mar, 2017
Quando se deu o colapso do comunismo soviético, há quase trinta anos, parecia ter-se aberto uma grande oportunidade para o socialismo democrático. A partir de então, este já não seria prejudicado, por tabela, pela falta de direitos civis, políticos e humanos na terra do “socialismo real”.
E, de facto, se quanto à União Soviética e satélites ainda foi possível manter ilusões durante décadas, nem os mais ingénuos marxistas vêem, hoje, exemplos a seguir na China, na Coreia do Norte ou nos países da América Latina que adoptam o chamado “socialismo bolivariano”.
Aquelas ilusões não eram apenas políticas: boa parte do prestígio de que, após a descolonização, a URSS gozava em novos países africanos tinha sobretudo a ver com a ideia de que o regime soviético era uma via para um rápido crescimento económico a partir do subdesenvolvimento. Mas a URSS acabou em boa parte por causa da sua incapacidade para acompanhar a prosperidade económica ocidental (e japonesa). Quanto ao “socialismo bolivariano” basta lembrar que a Venezuela tem as maiores reservas petrolíferas mundiais e está na miséria; falta até o combustível.
Contaminação liberal
Mas, voltando ao socialismo democrático, porque saíram furadas as suas expectativas após a queda do comunismo? Uma parte da esquerda culpa a aproximação de social-democratas ao chamado neoliberalismo. Este entusiasmou-se com a derrota do comunismo e entrou numa euforia que pôs de lado princípios éticos básicos, na ânsia de ganhar muito dinheiro e depressa. Euforia que terminou com a grande recessão causada, a partir de 2007, pela crise do “subprime” a partir dos Estados Unidos.
Essa contaminação levou, por exemplo, Bill Clinton (aliás um bom presidente) a revogar a lei de Roosevelt que obrigava a uma separação rigorosa entre a banca comercial e a banca de investimento. A partir daí, a mentalidade de risco própria dos bancos de investimento contagiou todo o sector bancário. Outro caso foi o de Tony Blair, cujo desprestígio, hoje, tem sobretudo a ver com o apoio que deu a George W. Bush e à lamentável invasão do Iraque. E há, ainda, o falhanço eleitoral de vários partidos socialistas europeus: o PSOE em Espanha, o Pasok na Grécia, o PS francês, etc.
Outros casos poderiam ser referidos, como o do socialista Hollande, presidente de França, que acabou por seguir uma política contrária à que defendera na sua campanha eleitoral há cinco anos. Hollande teve os mais baixos níveis de aprovação de qualquer presidente da França da V República, por isso não se recandidatou. O PS francês está tão dividido que nenhum dos seus candidatos deverá passar à segunda volta das eleições presidenciais.
Por seu turno, os socialistas de esquerda, anticapitalistas, não têm muito para festejar. Veja-se o líder trabalhista J. Corbyn, no Reino Unido, cujo esquerdismo algo antiquado afasta o seu partido do poder. Ou, em Espanha, o mais agressivo esquerdismo do Podemos, partido que teve um início de vida espectacular, mas parece ter atingido um tecto eleitoral e estar minado por conflitos internos. Ou, ainda, as cambalhotas do Syriza na Grécia, onde perdeu muita popularidade.
Envelhecimento demográfico
A verdade é que a social-democracia teve e tem que enfrentar uma situação adversa. O Estado social, que cresceu na Europa depois da II Guerra Mundial, contou com trinta e tal anos de notável crescimento económico. Mas esse crescimento acabou e não se sabe se um dia virá a ser retomado. Ao mesmo tempo, a população europeia envelheceu, por causa da baixa na natalidade (Portugal é dos países que mais envelhecem). Ora estes dois factores colocam crescentes limitações ao financiamento dos apoios sociais.
Daí que os eleitores se afastem de uma social-democracia cada vez menos generosa e sejam atraídos pelos discursos populistas de direita e de esquerda. Mais tarde ou mais cedo descobrirão que a demagogia dos populistas não leva a uma maior prosperidade; e ainda menos promove a solidariedade. A começar pela recusa de acolher imigrantes, que o envelhecimento populacional torna necessários para o equilíbrio financeiro da segurança social dos países de acolhimento. Entretanto, crescem os regimes políticos autoritários e pouco democráticos – até no interior da União Europeia.
A situação é, então, desesperada? Talvez não. Lembremos que nos anos 30 do séc. XX a democracia liberal era por muitos considerada como um regime ultrapassado, próprio do séc. XIX. Modernos, então, pareciam ser os totalitarismos comunistas e nazi-fascistas. No entanto, a democracia liberal regressou em força na segunda metade do século passado. Agora, a social-democracia precisa de inventar um novo futuro.
A solução encontrada por António Costa – a “geringonça” – tem despertado interesse no estrangeiro. Mas enfrenta um problema: são de fundo as divergências entre o PS e os partidos da esquerda radical, PCP e BE, que apoiam o governo socialista. Por muito que todos falem em “esquerda”, são contrárias as posições do PS, de um lado, e do PCP e BE, do outro, sobre a integração europeia, as liberdades da democracia liberal, a colectivização económica, o papel da iniciativa privada, etc. O que trava reformas significativas e não garante estabilidade no longo prazo. A “geringonça” não é uma alternativa sólida.