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José Miguel Sardica
Opinião de José Miguel Sardica
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60 anos de Europa: a obra e os erros

22 mar, 2017 • Opinião de José Miguel Sardica


O mundo mudou muito desde então, e os outros têm direito a crescer e a competir com a Europa. Mas a CEE/UE também cometeu os seus erros capitais.

A Europa faz agora 60 anos. Foi a 25 de Março de 1957 que os representantes de seis países europeus – Alemanha, França, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo – assinaram em Roma o Tratado Constitutivo da CEE. À premissa da livre circulação de bens viria depois somar-se a livre circulação de capitais, serviços e pessoas, nos termos do Acto Único Europeu, assinado no Luxemburgo, em 1986, que abriu caminho ao Tratado pró-federalista e político de Maastricht, subscrito na Holanda, em 1992 (há 25 anos), que transformou a CEE numa União Europeia. Dos seis Estados fundadores, chegou-se a 28, com os alargamentos de 1973, 1981, 1986, 1995, 2004, 2007 e 2013.

Como já aqui tenho escrito, oscilo entre a euro confiança e o euro cepticismo. Mas não sou antieuropeísta. Para quem conhece a história do velho continente, e o veio nacionalista e bélico presente ao longo de séculos, a paz e prosperidade vividas sob a CEE/UE são a excepção e não a regra. A Jugoslávia, há vinte e poucos anos, é um lembrete recente do que costumava acontecer na Europa quando não havia união. Todavia, também não há, hoje, condições para se ser euro entusiasta. Em 1957, os subscritores da “união cada vez mais estreita entre os europeus” prometiam a “melhoria constante das condições de vida e de trabalho dos seus povos” e o “desenvolvimento harmonioso e redução das desigualdades” entre as diversas regiões.

O mundo mudou muito desde então, e os outros têm direito a crescer e a competir com a Europa. Mas a CEE/UE também cometeu os seus erros capitais. Eu aponto três.

O primeiro foi a inexistência ou a permanente hesitação em torno de uma “comunidade europeia de defesa”, que os EUA sugeriram à Europa logo nos anos 1950. É verdade que hoje já há polícias europeias, um espaço Schengen e uma tentativa de política externa a uma voz; a Europa, no entanto, é militarmente frágil, num tempo em que o chapéu-de-chuva americano pode estar a fechar-se.

O segundo foi a moeda única (que afinal não é única). A teoria estabelece que a moeda é um atributo de soberania; porém, o euro e o BCE não têm um Estado soberano atrás de si como têm o dólar e o FED nos EUA. Além disso, a moeda-cabaz juntou economias muito desiguais, sem a devida harmonização fiscal e porventura sem a devida ponderação de como se relacionar com os Estado da UE fora da Eurozona. Na parte que é culpa da Europa, a crise das dívidas soberanas é um efeito disto e uma ameaça ao anunciado “desenvolvimento harmonioso”, porque, ao contrário disso e da convergência, estabelece fronteiras Weberianas entre norte e sul, entre a “responsabilidade” e a “solidariedade”.

O terceiro erro, finalmente foi o alargamento de 2004 (e os subsequentes), lançando numa Europa ocidental (e é o “ocidente” que define historicamente a Europa), dez (e depois mais três) países do centro-Leste. Assim se passou dos 15 a 28, sem que os 15 estivessem suficientemente coesos para lidar com o influxo em massa de culturas, modelos políticos e necessidades económicas muito diferentes ou exigentes em relação ao que já havia. O chumbo franco-holandês do Tratado Constitucional Europeu, logo em 2005, foi um primeiro sinal de mal-estar comunitário. O Brexit e os múltiplos motores (económicos, sociais e culturais), e rostos (político-eleitorais) do antieuropeísmo, populista vociferante ou de simples anemia cívica, são hoje realidades e problemas visíveis. É desejável que o ano do 60.º aniversário da Europa seja o de enfrentar problemas e olhar o futuro. Se assim não acontecer, que futuro terá a Europa, para os que a querem?

Comentários
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  • Indignada
    24 mar, 2017 Fig. da Foz 17:18
    Pena ser um artigo materialista, como tal, erra à semelhança da CECA/CEE/UE. Será difícil de perceber que inicialmente, foi fácil atrair adesões porque se prometia o paraíso na terra, em especial para Portugal, depois de um período de retrocesso económico, como o que aconteceu entre 1974 e 1986, fruto das incompetentes e corruptas governações de comunistas e socialistas (mascarados de democratas)? A CEE entrou definitivamente em queda, quando os falsificadores da realidade, de que há povos naturalmente mais desenvolvidos que outros, já não conseguiam esconder que havia uns que tinham empobrecidos outros e tinham passado a sustentá-los, para que pudessem continuar a viver com mulheres e vinho, que é o que os governantes amorfos gostam de fazer. A juntar-se a isto, há uma crise de Valores Morais! Como se pode criticar os genocídios cometidos por socialistas, quando o ABORTO=matança de Inocentes é o maior crime de sempre, ao qual se junta a eutanásia? Já repararam que os socialistas estão sempre na linha de frente, em iniciativas de genocídio/infanticídio? Devido à cise moral e por comodismo, os europeus têm sido incapazes de combater a invasão muçulmana, que está gerando uma crise em paralelo com a económico-financeira? Quando abrem os olhos?
  • CF
    22 mar, 2017 Oeiras 10:14
    Mas finalmente falar dos erros e até dos disparates já é um passo em frente. O pior seria a indiferença. Com a crise de 2008 e anos subsequentes nunca se falou tanto da europa e até as últimas eleições para o parlamento europeu foram disputadas de forma diferente em vez do tom morno do passado. Não devemos limitar-nos a esperar o que vem da europa, mas influir e mudar essa europa que carregamos de culpas. Mesmo a ação dos que querem sair (exit) e acabar com a europa é um contraditório que a vai obrigar a evoluir para sobreviver e há vida para além dela.
  • Alexandre
    22 mar, 2017 Lisboa 09:07
    A Europa já existe há mais de sessenta anos. Depois, uma Europa fortalecida, só com um exército bem preparado e pronto para se defender de um possível ataque, não da Rússia, mas sim dos Estados Unidos da América (que não querem ver nenhum exército a concorrer com o seu).