10 mar, 2017
A conferência de Jaime Nogueira Pinto planeada a para Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa foi cancelada. A justificação oferecida pela Direcção da FCSH prende-se com questões de segurança.
Não é a primeira vez que se dá esta sequência de convite-desconvite, nomeadamente no âmbito universitário; temo que não seja a última.
Para muitos — certamente para mim — o ideal da liberdade de expressão é essencialmente um ideal da esquerda. Esta perspectiva é em parte influenciada por ter crescido ainda num ambiente de censura política que afectava principalmente a esquerda portuguesa, situação que apenas terminou em 1974. Por este motivo, é um pouco irónico que o clamor pela livre expressão seja hoje, essencialmente, um clamor da direita, nomeadamente da direita mais extrema (a direita "libertária", para utilizar a terminologia norte-americana).
Não quero com isto dizer que as situações sejam simétricas: o que a direita fez à esquerda há 50 anos não é o mesmo que a esquerda faz à direito de hoje. A questão da liberdade de expressão é uma questão de balanço, balanço entre os direitos de uns (livre
expressão) e os direitos de outros (bom nome, segurança, etc). Por esse motivo, trata-se, em última análise, de uma questão de bom senso. Há que analisar cada caso como um caso concreto.
Por exemplo, o "desconvite" da Universidade de Berkeley ao "enfant terrible" Milo Yiannopoulos foi justificado pela polícia local como uma questão de contenção de acções de violência. Os estudantes que preparavam o boicote declararam que "Milo é um instrumento do governo fascista de Trump: ele não tem o direito de falar em Berkeley ou em qualquer outro sítio". Infelizmente, Berkeley já tem alguma tradição no campo dos boicotes; aliás, a propósito do caso Yiannopoulos já se tinham dado casos de violência que, de alguma forma, justificam a decisão da polícia.
Que dizer do caso Nogueira Pinto? Não tendo conhecimento completo do caso, pelo que apenas poderei tecer comentários um pouco mais gerais.
Se os problemas de segurança foram verdadeiramente reais, então vergonha da Associação de Estudantes por faltar ao respeito pela liberdade de expressão. Se os problemas de segurança não foram verdadeiramente reais, vergonha da Direcção da FCSH por aproveitar uma desculpa fácil para uma decisão talvez mais vantajosa para os seus interesses mas claramente menos honrosa.
A censura política, mesmo que se trate de censura dos "fascistas"
(verdadeiros ou alegados), é o pior que se pode fazer para honrar aqueles que, em tempos idos, lutaram por um direito que lhes foi negado.