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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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Novas tecnologias e desigualdades

25 fev, 2017 • Francisco Sarsfield Cabral • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


O grande desafio, hoje, é evitar os sacrificados do progresso, como existiram no início da revolução industrial.

A revolução industrial, que se iniciou em Inglaterra nos finais do século XVIII, trouxe – a prazo – uma enorme melhoria do nível de vida nos países desenvolvidos. E acabou com o imobilismo social dos séculos anteriores: quem nascia pobre, muito dificilmente poderia morrer rico.

Mas durante as primeiras décadas da introdução de máquinas nas indústrias os pobres passaram muito mal. Praticamente expulsos das suas origens rurais, onde existia quase sempre algo que comer e não faltava a solidariedade comunitária aos mais desvalidos, homens, mulheres e crianças vieram para as cidades trabalhar nas fábricas em condições de dramática exploração. Contra esta surgiram vários socialismos mais ou menos utópicos e, sobretudo, foi publicado em 1848 o Manifesto Comunista, de Marx e Engels, que teria grande influência na primeira metade do século XX, com o “socialismo real” soviético.

Foi a “questão social”. Só muito lentamente a condição operária foi melhorando no mundo capitalista. A generalização do sufrágio universal a partir do início do séc. XX levou os políticos a terem mais em conta a situação dos pobres, que na altura ainda eram a maioria da população. Assim nasceu o Estado Social, que se reforçou sobretudo depois da II Guerra Mundial.

Democratizador económico

Durante grande parte do séc. XX e até por volta de 1970 o capitalismo industrial revelou-se um democratizador económico. Nos países desenvolvidos a maioria dos proletários ascendeu à classe média e ao acesso a bens como casa, carro, electrodomésticos, etc. Só que nas últimas décadas a situação inverteu-se e as desigualdades agravaram-se no interior dos países: os rendimentos da classe média quase estagnaram, enquanto os de uma pequena minoria (1%, segundo se diz) subiram em flecha.

A globalização tem sido acusada de promover esta tendência perversa, com a deslocalização de fábricas para países de mão-de-obra barata, como a China. É verdade, mas em escala limitada: as deslocalizações de empresas (que Trump quer travar nos EUA) prejudicam os trabalhadores pouco qualificados dos países ricos, não os outros, que são agora a maioria. E os salários têm subido na China.

Factor mais importante para o alargamento das desigualdades é o avanço das novas tecnologias. A informática invadiu todos os sectores das empresas. A inteligência artificial e os “robots” eliminam numerosos empregos. E trabalhadores sem formação de base para lidar com essas tecnologias não conseguem bons salários ou mesmo qualquer emprego.

A alternativa do “socialismo real” revelou-se, em múltiplos aspectos, bem pior do que a economia de mercado. Até porque só conseguiu impor-se à custa de uma violenta ditadura, dita do proletariado, mas de facto dirigida pelos dirigentes do partido único, que dela beneficiavam. Hoje ainda temos o caso aberrante da Coreia do Norte. A China continua a reclamar-se comunista, mas abriu-se um pouco ao mercado – todavia, mantém a ditadura do partido único e o corte das liberdades políticas e cívicas. Do chamado “socialismo bolivariano”, que tanto entusiasmou alguns intelectuais europeus, o trágico exemplo da Venezuela diz tudo, apesar de o país possuir as maiores reservas petrolíferas do mundo.

Evitar as vítimas do progresso

O grande desafio, hoje, é evitar os sacrificados do progresso nesta fase de transição. Um desafio aos economistas, antes de mais. O Papa Bento XVI formulou esse desafio de forma clara e frontal, ao apelar na encíclica Caritas in Veritate, de 2009, a “uma nova e profunda reflexão sobre o sentido da economia e dos seus fins”, bem como a “uma revisão profunda e clarividente do modelo de desenvolvimento”. Um desafio que responsabiliza particularmente os intelectuais e académicos católicos, a começar pelas universidades católicas espalhadas pelo mundo. Mas a resposta ao desafio tarda a chegar.

Comentários
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  • Domingos
    26 fev, 2017 Ancora 22:29
    Justus! Tao injustus! Na verdade o fisco bem sabe do que se trata! Quem lhe disse que se trata de fuga aos impostos?
  • MASQUEGRACINHA
    26 fev, 2017 TERRADOMEIO 18:51
    E a particular responsabilidade de empresários e bancários publicamente assumidamente orgulhosamente católicos? Também estão à espera de mais umas bases teóricas que fundamentem a exploração dos homens a quem chamam seus irmãos? Chego a convencer-me que toda essa gente, abençoada pela abundância e pela ganância, se deve auto-justificar à luz do "Apocalipse de Pedro", logo do mais primitivo e puro cristianismo: no final de contas, salvamo-nos todos, que a Misericórdia de Deus é grande. Entretanto, vai-se gozando a vida, e gozando a vida dos "irmãos" - o que se quer é que a TSU desça e a jóia do golfe não suba. Às vezes, não há mesmo a paciência para este incansável abanar da árvore para esconder a floresta... Segundo se diz, nem sei se chegará a 1% - diz-se que 8 (oito) indivíduos têm tanto como mais de três mil milhões, percentagens para quê? O Papa Francisco foi bem claro quanto a este tema, na passada 5ª feira. Nenhum opinador católico o ouviu? Não são teorias académicas incorpóreas, nem úteis lições de história, quem regateia, hoje, aqui e agora, salários mínimos ou sangra os países para os offshores: são homens concretos, Sr. S. Cabral, tantos deles católicos... que mais valia serem ateus, como disse Francisco, o Papa.
  • Justus
    26 fev, 2017 Espinho 14:56
    Sasfield Cabral já percebeu que não tem estofo nem objetividade para escrever seja o que for sobre a realidade atual, quer seja sob o ponto de vista político, económico ou social. Daí o virar-se, de vez em quando, para tentar apresentar umas lições, retiradas de qualquer Sebenta já gasta pelos tempos, como acontece com o texto que aqui nos apresenta. "Evitar as vítimas do progresso", Sr. Sarsfield, é, por exemplo, não ocultar a fuga de dez mil milhões de euros para paraísos fiscais, ocultação feita por gente do CDS/PSD, que até gostam de se mostrar como partidos cristãos. Em face disto, o que interessa a encíclica de Bento XVI, Sr. Sarsfield? Então os cristãos pregam uma coisa e fazem outra? Fale-nos disto, Sr. Srasfield, e deixe-se de escrever textos fabricados para alunos do secundário, teorias retrógradas e ultrapassada que já não interessam a ninguém.