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Entrevista

David Fonseca transformou Bowie: "Quanto mais radical, mais interessante"

Carla Rocha


O músico vestiu a pele de produtor no disco “Bowie 70”, que inclui 13 versões de músicas de David Bowie e conta com vozes como Ana Moura, António Zambujo, Aurea, Rita Redshoes ou Rui Reininho. No programa Carla Rocha – Manhã da Renascença, David Fonseca desvendou os bastidores desta homenagem a Bowie.

"Na realidade a ideia não foi minha". David Fonseca conta como surgiu o "Bowie 70"
"Na realidade a ideia não foi minha". David Fonseca conta como surgiu o "Bowie 70"

“Bowie 70” é um disco com produção artística de David Fonseca. Inclui 13 versões de músicas de David Bowie e conta com vozes como Ana Moura, António Zambujo, Aurea, Rita Redshoes ou Rui Reininho.

Para além da produção, David Fonseca assina também a interpretação de todos os instrumentos.

O álbum é lançado esta sexta-feira. Para assinalar a data, David Fonseca começou o dia no programa Carla Rocha – Manhã da Renascença.

Foi uma trabalheira fazer este disco? Como é que foi reunir todos estes músicos?

Foi complexo, demorou um bocadinho de tempo. Gravar as vozes todas foi o que mais demorou no disco inteiro. Como eu toco os instrumentos todos era mais fácil, porque estou sempre lá. Agora, quando se tem de ir buscar pessoas que estão com outras coisas na vida, só para gravar um tema...

Qual foi o artista mais difícil de encontrar?

Não vou dizer. Porque vai pô-lo num "spot". Há artistas mais difíceis do que outros, por causa das agendas.

Como é que surgiu a ideia de fazer este disco, “Bowie 70”?

A ideia não foi minha. Foi da Paula Homem, presidente da Sony Music Portugal, e surgiu numa reunião em Março do ano passado. Ela queria convidar-me para fazer um disco só com repertório de David Bowie, mas não sabia exactamente como. Gostava que eu fizesse a produção e gostava que eu envolvesse artistas. Estivemos ali a discutir aquilo e eu disse-lhe logo que não, que isso nunca ia acontecer. Porque achava a ideia muito complexa, achava tudo muito complicado... e depois o repertório do Bowie. Ela sabe que eu adoro o David Bowie e tinha algum medo de pegar nas canções.

Depois, sem lhe dizer nada, fui para casa e comecei a fazer versões. Fui tentar perceber o que é que acontecia se eu fizesse as versões. E fiz quatro ou cinco. Gostei tanto delas que lhe liguei e disse-lhe: "Eu acho que nós vamos mesmo fazer isto". Depois arrisquei com os cantores. Porque os cantores nem sequer sabiam. Eu fiz o disco todo sem convidar ninguém, só no fim é que comecei a convidar as pessoas.

Quanto de ti é que está neste disco?

Muito. Muito. Porque todas as versões que eu faço na minha vida faço-as sempre da mesma forma, que é uma forma meio estranha, mas é a minha. Quando faço uma versão, começo por ouvir a canção, uma ou duas vezes, tiro a estrutura da canção e depois nunca mais a ouço. O que é que isto quer dizer? Que quando vou fazê-la de novo tenho que a fazer de memória. O que quer dizer que vai falhar imenso. Então, a minha cabeça vai remontar aquilo como acha que é. E por isso é que eu acho que as versões que eu faço acabam por soar a alguma coisa que eu também poderia fazer, porque eu, no fundo, estou a reconstruir uma coisa de memória. Não necessariamente a ouvir passo a passo como é que a canção funciona. Eu quero esquecer-me dela para depois me voltar a lembrar dela de outra maneira.

Estamos a falar de David Bowie. Como é que seleccionaste estas 13 canções?

O que eu fiz foi pegar numa folha e fazer um risco ao meio da folha e escrevi do lado esquerdo todas as canções que eu me lembrava de memória do David Bowie. Porque eu achei que se não me lembrasse delas não valia a pena fazer a versão. E lembrava-me de 25. O que é incrível, lembrar-me de 25 canções de um artista apenas. Do lado direito pus todos os cantores que eu admirava em Portugal e que achava que podiam fazer parte disto, sem olhar a qualquer tipo de género, de música, se cantavam fado, se eram uma banda alternativa, se eram “mainstream”. Não quis saber. Só quis saber se as vozes eram interessantes. E foi assim que comecei a trabalhar.

E quando é que ligaste os pontos?

Sempre que eu fazia uma versão - e era sempre um momento interessante-, estava um papel gigante à minha frente, no meu estúdio, e sempre que eu acabava uma versão, esticava-me na cadeira, punha os pés em cima da mesa e pensava assim: “Para quem será esta?". Sentia-me uma espécie de um rei. Depois quando escolhia começava a trabalhar a canção no sentido dessa pessoa. Sem a pessoa saber, nem sequer sabia se iam aceitar.

Nem sequer tinhas feito o convite?

Só fiz o convite depois de estar tudo feito. Depois pensei: “Bem, espero que toda agente aceite" e, curiosamente, toda a gente aceitou.

Temos nomes desde Camané, António Zambujo, Manuela Azevedo, Tiago Bettencourt, Ana Moura, Aurea, Rui Reininho... Estamos a falar de David Bowie, um artista de contrastes, o contraste aqui também foi propositado?

Foi, porque quando reuni estes nomes achei que se reunisse nomes só do fado ou só da música alternativa ou só de música mais “mainstream” ou do pop/rock, achei que estava a limitar o disco para um sítio que não representava aquilo que o David Bowie era enquanto artista. Ou seja, de repente, qualquer pessoa poderia interpretar aqueles temas e poderia levar aquilo a sítios radicalmente diferentes. Quanto mais radical mais interessante seria a versão, achei eu.

Estás contente com o resultado?

Muito contente.

Na última canção do disco, “Lazarus”, como construíste a voz neste tema?

O “Lazarus”, que é o último single que o Bowie editou em vida, é um tema muito emblemático por causa disso. Então, eu cantei o tema e ele foi muito construído à volta da voz. Porque a voz é muito emotiva nessa canção, ele diz coisas muito emotivas, coisas que depois acabámos por ligar à doença dele e à morte dele. Literalmente, construí uma versão que pudesse falar sobre a voz dele. O que ele estava a dizer. Construí à volta das palavras que estavam ali em causa. Espero que tenha feito justiça à canção, porque é uma canção completamente esmagadora e maravilhosa.

Não ficas chateado quando os locutores de rádio falam em cima da tua música?

Não, porque eu acho que a música pop/rock tem de sobreviver a várias coisas. A música que se faz deste género não é feita para ser ouvida sentada num sofá. Muitas vezes visualizo as pessoas a ouvirem a minha música em viagem com os amigos, a falarem uns com os outros. Portanto, não estão todos em silêncio a ouvirem a minha música. Gosto da ideia que a minha vida pode fazer parte da vida das pessoas que não seja necessariamente com elas a ouvir. Também gosto que elas ouçam com atenção, mas que não seja necessariamente sempre dessa forma. Que possa ser moldável de todas as maneiras.

Tens uma carreira grande e magnífica, mas como é que te sentes quando ouves a tua música na rádio? Ainda é especial?

É sempre especial. Lembro-me da primeira vez - nunca me esqueci disto - que ouvi a minha música na rádio. Foi com os Silence 4, com o tema “Little Respect” - que era uma versão, curiosamente - e era tarde, eram duas da manhã, eu estava a conduzir em Leiria e começou a dar numa rádio. Parei o carro, pus no máximo, abri as portas e fiquei ali a saborear o momento. Pensei: "Esperei por isto durante tanto tempo".

Mas continuo a sentir sempre alguma coisa especial, porque é a primeira vez que eu tenho a sensação que as pessoas estão a ouvir a canção. Até lá eu não sei, não faço ideia. Quando ouço a música na rádio tenho a sensação que, finalmente, a canção se libertou daquele sítio fechado em que viveu durante tanto tempo e é sempre um momento especial, claro que sim.

Sei que há uma história com a tua filha, com o rádio e com o carro…

É maravilhosa. Aqui há uns tempos a minha música passou numa rádio e eu estava com ela no carro e tentei explicar-lhe o conceito de rádio a dizer-lhe que todas as pessoas que estavam ali à volta com o carro podiam estar a ouvir exactamente a mesma canção. Queria gabar-me, no fundo. Disse-lhe: “Sabes que esta música está a passar aqui e toda a gente pode estar a ouvir”.

Ela ouviu com muita atenção e ficou a olhar para os carros, achou muito engraçado. Entretanto, a canção acabou, começou outra canção e ela muito séria, lá atrás, disse-me assim: "Olha, o cantor desta canção que está agora a dar pode estar em qualquer um destes carros aqui à nossa volta". E eu disse-lhe que sim, porque não? Achei uma observação muito curiosa da parte dela e, sinceramente, estava a dar, se não me engano, Justin Bieber, portanto havia uma possibilidade quase nula de isso acontecer, mas tudo bem.

David, tu também estás em todo o lado nas redes sociais.

Pois estou. Às vezes é uma chatice. Já não me aguento a mim próprio nas redes sociais.

Mas arranjas tempo para isso tudo?

Não, não arranjo. Às vezes atrapalho-me muito e penso que já não tenho tempo para isto. Nem tempo, nem idade, se calhar.

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  • antonio paiva
    22 fev, 2017 arganil 09:02
    grande cd...excelente trabalho de DAVID FONSECA e seus amigos! THE MAN WHO SOLD THE WORLD na voz de ANA MOURA é uma das melhores canções revisitadas deste cd!