11 fev, 2017
As sociedades onde vigoram regimes democráticos liberais, como é felizmente o caso de Portugal, são pluralistas. Não existe, aí, uma concepção ética que a todos se imponha, ao contrário do que acontecia no passado e hoje persiste sobretudo em países islâmicos. Nas sociedades pluralistas convivem diferentes perspectivas sobre questões fundamentais, como o sentido da vida e da morte, o aborto, etc.
Mas será sempre necessário assentar em algumas decisões que possam levar à elaboração de leis. Em muitos casos não é difícil encontrar consensos, se não unânimes, pelo menos largamente maioritários.
Por exemplo, não existirá entre nós muita gente que defenda ser legítimo roubar. Pelo contrário, em matérias que envolvam diferentes concepções da pessoa humana há necessariamente posições contraditórias. Ora, sendo preciso legislar em tais áreas, algumas dessas posições farão vencimento, em detrimento de outras.
A resposta democrática a este problema está no debate público aberto a todos, de modo a que possam influenciar a decisão a tomar. Um debate aberto a todos não exclui perspectivas religiosas. Para um cristão, por exemplo, a vida é um dom de Deus, logo não é aceitável o suicídio. Só que ele não pode impor a sua visão a toda a sociedade, onde há agnósticos e ateus, para quem suicidar-se é uma prerrogativa da autonomia e da liberdade humanas.
Ética e religião
Por isso, julgo preferível que, não escondendo as suas convicções, os cristãos debatam questões éticas sem recurso a argumentos de natureza religiosa. Já vimos isso com o aborto, que é um problema ético, não religioso – se o feto é uma vida humana, não será ético eliminá-la.
Também nos debates em curso na sociedade portuguesa sobre a eutanásia e o suicídio assistido os argumentos de natureza religiosa devem ser evitados.
Por isso, me parece importante o artigo de Graça Franco publicado neste “site” no passado dia 1 sobre a eutanásia, onde se diz: “A sacralidade da vida não tem aqui conotação religiosa. Corresponde ao interdito ‘não matarás’, comum à maioria das culturas e inscrito na declaração universal dos direitos do homem. Uma vez ultrapassado este interdito, a sociedade entra na rampa do descarte dos que já não lhe são úteis”.
Graça Franco sabe do que fala, porque vivia na Bélgica quando ali se debateu e legalizou a eutanásia. Assistiu a que “não só não foram cumpridas as reservas iniciais como intencionalmente se foi alargando o âmbito da lei a mais e mais casos”.
E acrescenta: “O perigo da chamada ‘rampa deslizante’ não é um fantasma que paira sobre as cabeças mais conservadoras, é um dado provado pelas estatísticas para quem quer que as consulte. Na Bélgica no ano a seguir à votação da lei foram eutanasiadas 235 pessoas, muitas das quais, diziam os preponentes da lei que a descriminalizou, ‘esperavam há anos esse acto de misericórdia”.
Em 2013 já foram 1807 os eutanasiados. Em 2015, entre eutanasiados e suicidas assistidos na Holanda, o número foi de 4829, ou seja 3,4 por cento do total de mortes registadas nesse ano”.
Aliás, como diz Graça Franco, “ser contra a eutanásia não é defender o prolongamento inútil de uma vida que se esvai”. Deve-se evitar o “encarniçamento terapêutico”. E convém não esquecer, acrescento eu, que existe entre nós o “testamento vital”, onde uma pessoa pode manifestar o tipo de tratamento, ou os cuidados de saúde, que pretende ou não receber, quando estiver incapaz de expressar a sua vontade.
Legalizar a marijuana?
No dia da eleição presidencial legalizaram foi legalizado o uso da marijuana (ou cannabis) em sete estados americanos, incluindo a Califórnia, que tem um quinto da população dos EUA. Em Portugal o Bloco de Esquerda defende essa legalização.
Contra o que eu julgava (e, como eu, muitos portugueses) - que a marijuana para efeitos recreativos seria relativamente inócua - um artigo do Prof. Walter Osswald no jornal “Público” do passado dia 3 alerta para que essa ideia é errada. Escreve ele que a marijuana “induz dependência psicológica forte e por isso é muito justamente classificada como uma droga”: também ela obriga a recorrer continuamente ao seu uso. O qual “tem efeitos psicotrópicos de carácter alucinogénio e disruptivo da cognição e da capacidade de avaliar situações ou tomar decisões adequadas”.
Quanto às proclamadas virtualidades terapêuticas da marijuana, o Prof. Osswald coloca reservas.
Ora, sobre este assunto – que é, antes de mais, um problema de saúde pública – “não assistimos entre nós a debate audível”, talvez porque não convenha a certas posições. E nesse indispensável debate devem ter um papel central os cientistas, como é o caso do Prof. W. Osswald. Venha o debate, antes que seja tarde demais e nos apresentem a legalização da marijuana como um facto consumado, o que não seria ético.