Emissão Renascença | Ouvir Online
Renascença Reportagem
O espaço de reportagem da Renascença. Segunda às 23h20
A+ / A-
Arquivo
Reportagem - Mora, a combater a falta de bebés desde 2004 - Rosário Silva - 24/01/2017

Reportagem

O que é que Mora tem?

24 jan, 2017 • Rosário Silva


Este concelho alentejano contraria há 12 anos a tendência demográfica.

Não é um conto de fadas, mas é uma história de amor. A única de Inês e Fábio. “Éramos os melhores amigos e, de repente, passou a paixão”, contam. De amigos a namorados, fizeram um caminho só deles, feito de altos e baixos, entre Lisboa e a terra que adoptaram para viver: Mora, no distrito de Évora.

O concelho tem hoje cerca de 4.500 habitantes e continua a perder população. É um problema. Não é de hoje, mas é dos dias de hoje. O despovoamento assume contornos preocupantes e é uma realidade comum a várias regiões portuguesas. O Alentejo é uma delas.

E é aqui que surge a vila alentejana de Mora, inconformada com esta tendência. Para a contrariar, há uma dúzia de anos que o município aposta numa política de incentivos à natalidade.

Inês Pereira tem 24 anos, Fábio Varela 22. A família que constituíram já tem mais dois elementos: Alice, dois anos, e Afonso, com três meses. O jovem casal é um dos muitos que têm beneficiado destes apoios monetários.

“No nascimento da Alice foram atribuídos 500 euros por ser o primeiro filho, o Afonso recebeu mil euros por ser segundo filho”, conta Fábio. “Pode ser um pé-de-meia, mas também dá para ajudar nas fraldas, no leite e no caso deles, como nunca tiveram mama, foram necessárias latas, o que é uma despesa grande.”

De empregada fabril a recepcionista, Inês já passou por várias funções, mas está actualmente desempregada. Tem o 12.º ano. Os pais são de Mora, ela nasceu em Lisboa, mas sempre desejou instalar-se na terra de origem dos seus progenitores. Foi em Mora que conheceu Fábio, com quem concretiza este sonho de ter uma família.

Com o nono ano de escolaridade, Fábio prepara-se para enfrentar novo desafio. O contrato na fábrica de luminárias onde trabalha não foi renovado. “Tenho de ir à procura de um novo trabalho. É a primeira vez que sou despedido”, confessa.

Fábio diz que muitas empresas não têm a sensibilidade suficiente para perceber que a produtividade pode ser compatível com os deveres familiares. “Muitos patrões não incentivam à natalidade. No nosso caso, se um filho tiver de ir para o pediatra, temos de ir para Évora. Ora, não vou mandar o filho sozinho com a mãe, temos de ir os dois. E faltar ao trabalho para isso não é bom”, afirma.

O casal conta com o apoio da família, mas reclama a sua própria autonomia. O desejo é ficar por Mora com os filhos, mas não é fácil viver no interior, dizem. Nesta altura da vida, todas as possibilidades são ponderadas. “Não há muito trabalho aqui. Queremos cá ficar, mas já ponderamos sair de Portugal, pensamos em todas as possibilidades”, desabafa Inês.

“É preciso fazer alguma coisa”

As oportunidades de emprego são a questão fundamental para a fixação de jovens nas regiões do interior, defende o presidente da Câmara de Mora, Luís Simão de Matos.

“Acho que não há outra forma: ou as pessoas têm trabalho ou então são obrigadas a ir para fora”, acentua. “Os municípios mais pequenos são aqueles que têm mais dificuldade porque são aqueles que têm menos meios financeiros. São aqueles em que a capacidade de investimento é mais difícil. Em que a dificuldade de fazer passar a mensagem de uma terra de qualidade, até para as empresas, é mais difícil. E quanto mais afastados estamos dos grandes centros de decisão pior ainda.”

Para o autarca, os incentivos municipais dão uma ajuda, mas não resolvem o problema de fundo. Desde o lançamento dos apoios às grávidas, em 2004, a câmara já atribuiu mais de 221 mil euros, correspondentes a 288 novos habituantes – uma média de 24 nascimentos por ano. O ano de 2016 bateu o recorde: 33 nascimentos.

“Temos a consciência de que estamos a perder habitantes todos os dias. Temos a consciência de que a nossa pirâmide etária está completamente invertida. São mais as pessoas idosas do que os jovens. Temos também a consciência de que é preciso fazer alguma coisa”, afiança.

O autarca pede que não se feche serviços públicos no interior. “Se as pessoas numa aldeia deixam de ter escola é meio caminho andado para não se fixarem ali casais jovens. A educação é essencial. Se não houver escola, as famílias não se fixam nas freguesias.”

“Não há ‘stress’”

Gustavo acaba de completar um ano de vida. É filho de Vera Nogueira, de 30 anos. Completou o 12.º ano, nunca teve falta de trabalho e está empregada numa pastelaria. O companheiro é camionista, numa empresa que fica a cerca de 37 quilómetros de Mora.

“Este é um meio pequeno. Não pode haver trabalho para todos. O meu marido, por exemplo, trabalha em Coruche e vai e vem todos os dias”, diz.

Apesar de tudo, Mora foi a terra escolhida pelo casal para viver. E vale a pena, garante esta mãe, porque o concelho oferece tudo o que é necessário para o crescimento de Gustavo.

“Eu e o Bruno quando nos juntámos quisemos ficar em Mora porque tem mais recursos, tem creche, centro de saúde, escola e quem usufrui do cartão jovem, a câmara ajuda na construção de habitação. Temos oficina da criança e ATL, o que é muito bom. Tem tudo. É diferente. É uma vila sossegada e não há ‘stress’ como nas grandes cidades”.

Não há “stress”, mas há outras preocupações para o autarca de Mora. O investimento e a criação de postos de trabalho são, entre outras, questões fundamentais para a fixação da população.

“Foi fundamental para o concelho de Mora a construção do Fluviário, pois criou 20 postos de trabalho. Também o sector da restauração, das dormidas e da hotelaria fez com que ficassem aqui alguns jovens”, sublinha.

“Instalaram-se aqui algumas fábricas na zona industrial e assistimos também a uma renovação dos quadros de uma empresa que tem 60 anos no concelho, que é a empresa de concentrado de tomate, em que praticamente as pessoas que lá trabalham são mais novas. Há, por isso, uma série de acontecimentos que fizeram com que nestes últimos dez anos se fixasse no concelho um conjunto de jovens que, até aí, não era habitual. E isso tem o seu reflexo, naturalmente, nos nascimentos.”

“Mais filhos? Talvez daqui a uns anos”

Desde 2004 que Mora está em contraciclo com o país. 2016 bateu o recorde com os 33 nascimentos verificados, o que representa um aumento de 70% da natalidade face a 2015.

Dos bebés que nasceram o ano passado no concelho 21 foram primeiros filhos, nove foram segundos e três, terceiros filhos. O município apoia os nascimentos no concelho com 500 euros para o primeiro filho, mil euros para o segundo e 1.500 euros a partir do terceiro.

E a possibilidade de um terceiro filho não está descartada para Inês e Fábio, mas, por agora, ficam apenas com Alice e Afonso. “Mais filhos? Por agora parou, talvez um terceiro daqui a uns anos, mas vamos esperar.”

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • António Pereira
    25 jan, 2017 Agualva - Cacem 22:56
    Se o poder central investisse mais no interior certamente que aquele concelho MORA estaria muito mais dezenvolvido. Bom trabalho. ...!
  • 25 jan, 2017 19:23
    Se fossem ver os dados estatísticos possivelmente não embarcavam nestas conversas pré eleitorais
  • F Soares
    25 jan, 2017 A da Gorda 08:47
    Parabéns a Rosário Silva por ter escolhido a palavra "despovoamento" em vez de "desertificação", para descrever o decréscimo demográfico ,como a grande maioria dos seus colegas usam, erradamente.
  • não desanimem
    24 jan, 2017 Santarém 23:54
    Entretanto não desanimem pois temos aí os criadores de emprego a tomar conta da situação que criticavam a emigração e que em breve os farão retornar às origens.
  • Flaviense
    24 jan, 2017 Chaves 23:35
    Continuem a parir, o que o mundo precisa mesmo é de mais humanos, quanto mais rapido isto rebentar pelas costuras melhor
  • Eborense
    24 jan, 2017 Évora 18:11
    O que é que Mora tem? tem o mesmo que qualquer outra localidade, ou seja, os pais a sustentarem os filhos e a criarem os netos.