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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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NEM ATEU, NEM FARISEU

A revolução católica de Soares

13 jan, 2017 • Opinião de Henrique Raposo


Soares sabia que a III República pós-Estado Novo (a II República) não podia repetir a intolerância jacobina da I República; a nova República devia nascer na “fraternal comunhão entre católicos e não católicos”.

O meu amigo Bruno Faria Lopes, jornalista da “Sábado”, colocou no Facebook uma foto maravilhosa. A imagem de 1993 remete-nos para a cerimónia de entrega dos diplomas de 12.º ano do Colégio Planalto (Opus Dei). Podemos ver o Bruno a dar um enorme aperto de mão a Mário Soares, que preside à cerimónia; Maria Barroso sorri ao lado.

Hoje em dia, na era do cancioneiro twitteiro, esta cena provocaria histeria num PS radicalizado e fracturante, um PS que esquece uma das grandes lições de Mário Soares: é necessário fechar a fractura religiosa criada pela I República; podemos ser laicos sem cair na intolerância ateia que remete a fé e as instituições religiosas para as galés, para catacumbas sem dignidade pública. Este respeito de Soares pela Igreja era antigo. Tal como Graça Franco relembrou aqui na “Renascença”, uma das entrevistas mais famosas de Soares (1972) invoca a necessidade de uma reconciliação com os católicos. Soares sabia que a III República pós-Estado Novo (a II República) não podia repetir a intolerância jacobina da I República; a nova República devia nascer na “fraternal comunhão entre católicos e não católicos”.

Naquele momento histórico (1972-74), estas declarações representavam uma corajosa ruptura com 200 anos de jacobinismo da esquerda portuguesa. Recorde-se que os nossos liberais pós-1820 mantiveram sempre uma atitude hostil em relação ao catolicismo. E claro que esta hostilidade só poderia subir de intensidade com os republicanos. Para quem não sabe, o povo de Afonso Costa matou e prendeu padres, expulsou e fez experiências eugenistas em jesuítas, humilhou o catolicismo em geral. Perante este passado liberal e republicano, as declarações de Soares não eram um pormenor; procurava-se ali o fim de dois séculos de guerra civil explícita ou implícita entre as esquerdas e os católicos. As palavras foram acompanhadas de actos.

Soares e Maria Barroso lideraram a resistência contra os ataques sofridos pela “Renascença” e pelo próprio Patriarcado durante o PREC. Além disso, não se compreende 1974-76 sem olharmos para a aliança entre Soares e a Igreja. A Fonte Luminosa, por exemplo, não teria sido possível sem a convocação paróquia a paróquia dos católicos. De resto, a Igreja era a única organização com dimensão e profundidade social para resistir ao PCP. Num certo sentido, a guerra civil larvar do PREC representou um choque entre o povo do PCP e o povo da Igreja. A grandeza de Soares esteve precisamente aqui: com a sua autoridade civil e laica, filtrou a força católica, evitando que a guerra civil larvar desembocasse numa guerra civil total. Soares diluiu o choque religioso e geográfico entre um sul comunista e um norte católico.

A nossa III República foi assim criada pela aliança dos velhos inimigos da I República. Os republicanos laicos aliaram-se aos católicos contra um inimigo comum: Álvaro Cunhal, PCP, MFA radical e os betinhos da extrema-esquerda maoista. À esquerda e à direita, julgo que se dá pouca importância a esta aliança. Obcecada com outros assuntos (descolonização), a direita despreza esta mudança histórica do centro-esquerda. À esquerda, a moderação soarista também tem sido desprezada pela nova narrativa fracturante.

Hoje em dia, alguém está a ver António Costa à cabeça de uma cerimónia num colégio do Opus Dei? Não, pois não? É essa a marca do nosso tempo intolerante. Estamos a perder liberdade e tolerância ao minuto, sobretudo devido à acção dos auto-proclamados donos da tolerância fracturante.

Comentários
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  • mara
    16 fev, 2017 Portugal 22:47
    Sou contra a eutanásia, quando meu pai estava mal os médicos exigiram que aprendesse a dar injeções, pois tinha um SOS sempre com ele, como trabalhei no Voluntariado dei muitas injeções um dia uma nora foi pedir-me para dar uma injeção à sogra cheguei acabara de morrer, agradeci a Deus tê-la levado antes de lhe dar a injeção, se o tivesse feito no momento ou após o ter feito para mim seria um sofimento, muito grande, será que existem pessoas capazes do fazer? É horrenda esta situação, é horrenda a situação dos idosos, sou idosa graças a Deus após um acidente estou em casa duma filha, mas conheço casos horríveis, o mundo está a perder todos os valores...
  • António Américo Pime
    03 fev, 2017 Vila do Conde 22:36
    Gosto da maneira livre e verdeiro com que o autor escreve,
  • Vera
    17 jan, 2017 Palmela 15:47
    Que o Dr. Mário Soares era teimoso, todos sabemos! e brilhou na política por causa da sua teimosia! mas ninguém pode fazer um comentário baseado em religião, à cerca do Dr. Mário Soares! ele esteve 26 dias em coma profundo! durante esse tempo pode ter tido oportunidade de escolher: continuar com a sua teimosia laica ou converter-se... Se escolheu voltar para junto de sua esposa, converteu-se! por isso devemos ficar no 'silêncio das palavras' em vez de estarmos aqui, a falar disto e daquilo! Foi um funeral militar, tudo bem, porque ele foi um combatente da democracia! mas a presença do Sr. Cardeal, ficou em falta, não para rezar, porque um laico não reza! mas para dizer algo sobre a pessoa, como nosso irmão considerado aos olhos de Deus! não estou a criticar o Sr. Cardeal, visto que não foi convidado!... e quem não é convidado, fica, não digo ofendido, mas triste a meditar, no porquê das coisas! coisas que nós, que sentimos a presença de Deus, entendemos. E até porque o Dr. Mário Soares, relevou, os valores do Papa Francisco! ao contrário disto, nunca ouvi o Dr. Mário Soares dar relevância aos soldados da GNR a cavalo! que no tempo da ditadura serviam para acabar com as manifestações, pisando os estudantes (no Estádio Nacional...).
  • Francisco Melo
    17 jan, 2017 Carcavelos 15:42
    Disparate!
  • João Clemente
    16 jan, 2017 Lisboa 17:11
    «experiências eugenistas em jesuítas»? Com que finalidade? Apurar a raça dos jesuitas? ...e sim, se há alguém na esquerda que era capaz, hoje em dia, de presidir uma cerimónia num colégio do Opus Dei, ou numa mesquita qualquer, ou o que seja, seria o António Costa.
  • Marco Visan
    16 jan, 2017 Porto 08:33
    O comentador «J.» faz parte do mesmo grupo de comentadores onde pertence Rogério Santos e outros membros do PNR, partido xenófobo. Adoram os textos de Henrique Raposo, os quais a Renascença deveria evitar.
  • J.
    15 jan, 2017 Lisboa 17:37
    Meus caros senhores e senhoras. Existe uma coisa chamada liberdade de expressão. Alguns não gostam, mas ela existe. E ela só costuma ser amordaçada em regimes totalitários, tenham os mesmos a cor que tiverem. Porém, regimes totalitários são algo contra o qual uma(a) democrata deve sempre bater-se, tal como Mário Soares o fez, sendo o seu ensinamento precioso. E todos nós, os que o admiramos, o fazemos também de modo convicto. Mas depreendo que por aqui andam saudosistas de aberrações como o KGB, a STASI ou a PIDE-DGS. Só eles têm direito a expressar a sua opinião. Os outros ... são para remeter ao silêncio. Os outros são para perseguir, prender, torturar, deportar, e, no limite, executar. Tudo serve e nada repugna a um regime totalitário e aos seus esbirros. Pois o sonho de qualquer totalitário é silenciar quem não lê pela sua cartilha. De preferência, definitivamente! Todos tão parecidos, valha-lhes Deus!
  • Ângela Veloso
    15 jan, 2017 Vila Franca de Xira 12:10
    Uma vez mais, um comentador conotado com um partido xenófobo português (PNR) apoia e chama de «camarada» a Henrique Raposo por aquilo que escreve na Renascença. Será que esta estação pública continuará a prescindir dos serviços de alguém que é um embaraço à comunicação social pelo conteúdo dos seus artigos de opinião?
  • L.
    14 jan, 2017 Lisboa 22:30
    O ódio, a raiva, o ressentimento e o ressabiamento de alguns são absolutamente impotentes para retirar ao Dr. Mário Soares o lugar que o mesmo alcançou na História de Portugal. A "invasão dos socialistas alemães" (!!!), sendo que o Dr. Mário Soares era amicíssimo do Chanceler Willy Brandt, é algo do domínio do surreal. Mas atenção que esse tipo de sentimentos, como sejam o delírio obcecado e o ódio raivoso. são pulsões que envenenam e matam por dentro. Fique bem, cara senhora. Se conseguir.
  • Alexandre
    14 jan, 2017 Lisboa 19:28
    Uma vez mais, um artigo de Henrique Raposo é elogiado e apoiado por um membro do PNR, partido xenófobo. A Renascença apoia escritores xenófobos ou apoiados por partidos xenófobos? É inacreditável.