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Cristina Sá Carvalho
Opinião de Cristina Sá Carvalho
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​Paz na Terra

03 jan, 2017 • Opinião de Cristina Sá Carvalho


2016 foi o ano de todas as ingenuidades, da arrogância dos conhecedores face ao peso dos ignorantes, da vitória das massas rejeitadas contra o desdém marginalizador do sistema.

Na era da pós-verdade vemos com estupor como o populismo emigrou dos trópicos para sociedades mais antigas, mais frias e, supostamente, mais esclarecidas e protectoras. Renascido dos medos e da exploração das descrenças, apropriou-se das consciências através do retórico desgaste da representação política institucional que, diga-se de passagem, o partidarismo político tão bem colocou a jeito. Iniciamos, assim, um novo ano – e que seja democraticamente bom para todos – com mais receio do que esperança.

Valha-nos o mais popular dos Presidentes que, até agora, reservou para os seus hábitos antigos os banhos de água fria, e graças ao qual, com mestria docente, fomos brandamente instados a colocar os olhos em futuras balanças, de confronto real ou peso afectivo, como sejam os pratos, já servidos, da novidade humanista da ONU de Guterres ao arrepio do hipercapitalismo do obscenamente milionário novo governo americano. Mas a demagogia e a difusão das mais irracionais crendices nem sempre tem esta dimensão institucional e global, a saúde das sociedades democráticas é muitas vezes ameaçada por um cúmulo de pequenas propostas, insidiosas e oportunistas, e a aceitação absurda de decisões estúpidas.

A democracia exige, pois, apreço e esforço, maior interesse do que listas eleitorais, programas ou votos na urna. 2016 não foi o ano em que todas as sondagens falharam; 2016 foi o ano de todas as ingenuidades, da arrogância dos conhecedores face ao peso dos ignorantes, da vitória das massas rejeitadas contra o desdém marginalizador do sistema. O ano em que precisávamos de inteligência, generosidade e ciência política e nos quedámos com o mais torpe marketing político.

Mas estamos a começar um Ano Novo, oportunidade para a esperança e o desejo de renovação. Dos que a favor de 2017 se pronunciaram destaco a referência de Marcelo Rebelo de Sousa a duas relevantes efemérides: os 40 anos sobre a igualdade entre mulher e homem, na família, no Código Civil e os 150 anos de abolição da pena de morte. Se em relação a esta última a sociedade portuguesa se mantém unanimemente orgulhosa do princípio e da prática, relativamente à primeira muito há a fazer em termos da paridade efectiva, da igualdade de oportunidades e do aproveitamento das competências, capacidades e especificidades do perfil humano, social, profissional, intelectual e criativo das mulheres. Como referiu há dias o Papa Francisco, há muito a aprender com as Mães.

O Presidente também se referiu, como uma boa promessa para o ano que agora iniciamos, a visita do referido Papa Francisco. Atendendo ao complexo perfil do Papa, que prometeu e agora se prepara para cumprir, não se trata apenas da visita do líder da Igreja católica, ou da viagem oficial do chefe de um Estado com impacto global, mas a oportunidade de contacto directo com uma das figuras mais carismáticas e marcantes deste início de século, um homem «importante» que aperta bem a mão e olha sempre nos olhos.

Certamente Francisco não deixa ninguém indiferente, não só pela clareza e acuidade das suas contínuas propostas, bem alinhadas e seguras por uma tenaz e frugal linha condutora, mas também pela fina observação da natureza humana e plena implicação pessoal naquilo que diz e naquilo que faz. Vindo de latitudes socialmente dramáticas, mostra continuamente uma capacidade única para integrar o que são as necessidades, os anseios e os potenciais individuais com uma abordagem plenamente política do desejar, do pensar e do agir de cada pessoa.

Para este ano propõe-nos de novo que “respeitemos esta «dignidade mais profunda» e façamos da não-violência activa o nosso estilo de vida”. Uma mensagem que os portugueses conhecemos bem e que tão enraizada está na nossa tradição cultural e política: de Fátima para o Mundo, de Abril para as novas democracias. A visita, essa, será em Maio. Até lá, votos de muita coragem.

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  • Sócrates
    03 jan, 2017 Creta 21:46
    É caso para dizer: "cantas, mas não encantas!" Isso de andar com frases feitas nem sempre resulta. Exemplos: "pós verdade", "partidarismo político", "orgulhosa do principio e da pátria"(de qual princípio??? do principio da nação??), "complexo perfil do papa", "Certamente Francisco.." (está a falar de Sua Santidade o Papa Francisco? Andou consigo na escola?), "latitudes socialmente dramáticas", "Uma mensagem que os portugueses conhecemos bem" (repare bem na construção gramatical, acha que isso é português? É como disse, cantas mas não encantas. Se não escrevesses tão mal diria que és filósofa... é triste queremos mostrar aquilo que não temos!
  • Ceifador de Taquáras
    03 jan, 2017 Taquáras 18:52
    Esta sociedade que diz ser do pós verdade é bom recordar que se as crianças e os jovens continuarem a ser submetidos a uma depravação tão maciça, como o que vemos nos meios de comunicação então, dentro de poucos anos, os assassinatos recíprocos tornar-se-ão uma realidade trágica. Ninguém conseguirá controlar a sociedade, porque o exército e a polícia também serão infestados por esta doença infernal. Já que falou na mulher, tenho a dizer que uma mulher virada para a sociedade não será capaz de ser mãe nem esposa. Só irá pensar e sonhar com a carreira, na fama e na libertinagem. Admitirá ter apenas um filho ou simplesmente substituir essa intenção por um animal de estimação. O mesmo dizer de um homem desmoralizado é uma ameaça ainda maior do que a mulher. Nem marido, nem pai, nem trabalhador, apenas um alcoólico, dependente químico, preguiçoso, bandido, viciado em jogos de azar, libertino.
  • Indignada
    03 jan, 2017 F. Foz 14:00
    Muita conversa sem real conteudo. Estou farta de ler artigos destes, nomeadamente enaltecendo datas e pessoas que na realidade, têm sido uma farsa. É o caso do Marcelo, aquele que condecorou um desertor da guerra de África contra o terrorismo financiado pelos EUA, URSS e seus satélites. Que futuro pode ter um povo amordaçado a gente desta, além dos fundamentalistas da geringonça?
  • Miguel Botelho
    03 jan, 2017 Lisboa 10:17
    Sobre «...o mais popular dos Presidentes que, até agora, reservou para os seus hábitos antigos os banhos de água fria,...» não achou isto algo «apalhaçado» para a imagem de um presidente da República? Não é suposto um presidente da República ser alguém que conserve uma imagem idónea e respeitável? Entre as camadas mais baixas da sociedade, quem toma banhos de água fria no Inverno é visto como louco, mas por ser Marcelo Rebelo de Sousa já se torna bem visto. Não está na hora de rever a imagem deste nosso presidente e ser um pouco mais exigente na crítica?