03 jan, 2017
Na era da pós-verdade vemos com estupor como o populismo emigrou dos trópicos para sociedades mais antigas, mais frias e, supostamente, mais esclarecidas e protectoras. Renascido dos medos e da exploração das descrenças, apropriou-se das consciências através do retórico desgaste da representação política institucional que, diga-se de passagem, o partidarismo político tão bem colocou a jeito. Iniciamos, assim, um novo ano – e que seja democraticamente bom para todos – com mais receio do que esperança.
Valha-nos o mais popular dos Presidentes que, até agora, reservou para os seus hábitos antigos os banhos de água fria, e graças ao qual, com mestria docente, fomos brandamente instados a colocar os olhos em futuras balanças, de confronto real ou peso afectivo, como sejam os pratos, já servidos, da novidade humanista da ONU de Guterres ao arrepio do hipercapitalismo do obscenamente milionário novo governo americano. Mas a demagogia e a difusão das mais irracionais crendices nem sempre tem esta dimensão institucional e global, a saúde das sociedades democráticas é muitas vezes ameaçada por um cúmulo de pequenas propostas, insidiosas e oportunistas, e a aceitação absurda de decisões estúpidas.
A democracia exige, pois, apreço e esforço, maior interesse do que listas eleitorais, programas ou votos na urna. 2016 não foi o ano em que todas as sondagens falharam; 2016 foi o ano de todas as ingenuidades, da arrogância dos conhecedores face ao peso dos ignorantes, da vitória das massas rejeitadas contra o desdém marginalizador do sistema. O ano em que precisávamos de inteligência, generosidade e ciência política e nos quedámos com o mais torpe marketing político.
Mas estamos a começar um Ano Novo, oportunidade para a esperança e o desejo de renovação. Dos que a favor de 2017 se pronunciaram destaco a referência de Marcelo Rebelo de Sousa a duas relevantes efemérides: os 40 anos sobre a igualdade entre mulher e homem, na família, no Código Civil e os 150 anos de abolição da pena de morte. Se em relação a esta última a sociedade portuguesa se mantém unanimemente orgulhosa do princípio e da prática, relativamente à primeira muito há a fazer em termos da paridade efectiva, da igualdade de oportunidades e do aproveitamento das competências, capacidades e especificidades do perfil humano, social, profissional, intelectual e criativo das mulheres. Como referiu há dias o Papa Francisco, há muito a aprender com as Mães.
O Presidente também se referiu, como uma boa promessa para o ano que agora iniciamos, a visita do referido Papa Francisco. Atendendo ao complexo perfil do Papa, que prometeu e agora se prepara para cumprir, não se trata apenas da visita do líder da Igreja católica, ou da viagem oficial do chefe de um Estado com impacto global, mas a oportunidade de contacto directo com uma das figuras mais carismáticas e marcantes deste início de século, um homem «importante» que aperta bem a mão e olha sempre nos olhos.
Certamente Francisco não deixa ninguém indiferente, não só pela clareza e acuidade das suas contínuas propostas, bem alinhadas e seguras por uma tenaz e frugal linha condutora, mas também pela fina observação da natureza humana e plena implicação pessoal naquilo que diz e naquilo que faz. Vindo de latitudes socialmente dramáticas, mostra continuamente uma capacidade única para integrar o que são as necessidades, os anseios e os potenciais individuais com uma abordagem plenamente política do desejar, do pensar e do agir de cada pessoa.
Para este ano propõe-nos de novo que “respeitemos esta «dignidade mais profunda» e façamos da não-violência activa o nosso estilo de vida”. Uma mensagem que os portugueses conhecemos bem e que tão enraizada está na nossa tradição cultural e política: de Fátima para o Mundo, de Abril para as novas democracias. A visita, essa, será em Maio. Até lá, votos de muita coragem.