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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Abstinência e deboche: como educar filhas?

30 dez, 2016 • Opinião de Henrique Raposo


Ainda há dias uma revista de moda afirmou que o busto grande é démodé. Quem tem seios fellinianos está fora de moda. Keira Knightley rejubila enquanto as outras só têm um caminho: escondê-los ou, quem sabe, retirá-los.

À medida que elas crescem, a preocupação aumenta: como é que vou educar as minhas filhas numa época em que os rapazes têm o hábito de filmar e divulgar a privacidade na net? Como é que vou educar duas raparigas numa época em que a “libertação dos costumes” desembocou na profanação do corpo feminino? Hoje em dia assume-se que o corpo feminino é feito com peças de lego removíveis. Ainda há dias uma revista de moda afirmou que o busto grande é démodé. Quem tem seios fellinianos está fora de moda. Keira Knightley rejubila enquanto as outras só têm um caminho: escondê-los ou, quem sabe, retirá-los. É como se os seios fossem peças de roupa ou móveis ikea. Décadas de feminismo radical e de alegada “libertação sexual”, décadas de luta contra os velhos códigos religiosos acabaram neste espectáculo: o corpo feminino é um lego que se monta e desmonta. Além disso, o nu feminino saltou das revistas eróticas e está por todo o lado, do instagram aos anúncios dos autocarros. Um indivíduo de 2016 vê por dia a quantidade de rabos que um indivíduo de 1956 via numa vida inteira. É demais. Se tudo é sexo, nada é sexo. Ou seja, a alegada “libertação sexual” matou o erotismo. Nada é implícito, não há interditos. Tudo é aberto, transparente, quase ginecológico. Não há sofisticação erótica à Fellini ou à D. Rigoberto, isto é, não há um olhar centrado na relação pessoal e intransmissível que cada pessoa tem com o sexo. Da net aos anúncios, esta avalanche explícita reduz-nos à condição animal, a uma manada de seres indistintos com uma visão pornográfica (e não erótica) do sexo. O paradoxo é notável: a época da banalização do sexo é também a época que mata o prazer. Alguém me pode dizer qual é a graça de um sexo sem interditos e riscos por pisar? Se não há riscos na cama, sobra o quê? Trepidação mecânica? Mecânica dos fluidos? Fussanguice genética?

Mas deixemos o prazer para outro dia e concentremo-nos na moral, até porque há dias a juventude do CDS começou a falar em “abstinência sexual”. Numa época em que o coito da vizinha está à distância de um clique, é preciso coragem para invocar a expressão “abstinência”. Concorde-se ou não, há que reconhecer a coragem. Importa contudo clarificar a ideia. O que se entende com “abstinência sexual”? Sexo só depois do casamento? Respeito quem segue este caminho, mas não me parece o único caminho aceitável e/ou cristão. O que é essencial é educar para ver no sexo o outro lado do amor. Portanto, eu não usaria a expressão “abstinência sexual”, que tem evidentes ressonâncias monásticas que levam a equívocos e caricaturas. Ao invés, utilizaria frases simples: devemos ensinar os nossos filhos a ver no sexo uma expressão do amor que se sente por alguém; “amor monogâmico” devia ser pleonasmo; a monogamia não é uma imposição exterior da sociedade, é um respeito que se deve à outra pessoa. Mas o que é extraordinário é sentirmos que esta defesa do amor pode ser vista como negativa pelo ar do tempo. Chegámos ao ponto em que o rótulo de “reaccionário” pode cair sobre aquele que ensina a sua filha a ter sexo apenas e só como expressão de amor. Chegámos ao ponto em que este código moral simples e intuitivo pode ser visto como uma intromissão na livre expressão da sexualidade do adolescente, que desce assim ao estatuto de mero orangotango excitado e desprovido de juízo moral.

Mas tudo isto é uma conversa pessoal e moral que não pode cair na esfera estatal. Pode e deve cair na esfera pública. Cada sensibilidade religiosa e política tem o direito de defender os seus códigos morais, até tem o direito de tentar a hegemonia moral e cultural; não tem é o direito de tentar a hegemonia legal. Deixemos o Leviatã fora das nossas camas. E esta parece-me a grande fragilidade da proposta da juventude popular. Os jovens do CDS estão a pedir uma paridade entre a agenda fracturante e a moral católica. A primeira começa a ser ensinada logo no 5º ano (aborto), a segunda só surge no 10.º ano (abstinência sexual); os jovens conservadores procuram assim uma reforma deste estado de coisas, exigindo o que parece óbvio: a abstinência também deve ser ensinada no 5.º ano. A lógica é irrepreensível, mas parte de um pressuposto errado. Não se deve defender a equiparação entre abstinência e aborto, deve-se defender a ausência do ministério da educação nesta matéria. A escola não deve ter moral sexual, nem de esquerda nem de direita; não deve sugerir às alunas que um filho pode ser um ente descartável. O ensino público não pode ser a “religião e moral” das causas fracturantes. Na escola, o sexo só deve ser assunto para as aulas amorais e científicas da biologia ou ciências da vida, disciplinas que falam do sistema reprodutor, de doenças, de saúde pública, dos perigos físicos e psíquicos de uma gravidez adolescente. Esta é a única visão sexual aceitável numa escola estatal. O resto, o essencial, é com cada um de nós. As minhas filhas estão no perímetro moral da nossa família, dos nossos amigos, das igrejas que frequentamos, das opiniões que seguimos no espaço público. Não estão no perímetro do Estado, sobretudo de um Estado capturado pela esquerdinha fracturante que nos transforma em orangotangos incapazes de controlar a mais pequena gota de luxúria.

Comentários
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  • luisa
    05 jan, 2017 Lisboa 07:39
    no artigo transparece a crítica aos rapazes mas acho que é um problema geracional e não de género
  • Nuno
    04 jan, 2017 Guarda 23:08
    Em verdade vos declaro: se não vos transformardes e vos tornardes como criancinhas, não entrareis no Reino dos céus. Aquele que se fizer humilde como esta criança será maior no Reino dos céus. E o que recebe em meu nome a um menino como este, é a mim que recebe. Mas, se alguém fizer cair em pecado um destes pequenos que crêem em mim, melhor fora que lhe atassem ao pescoço a mó de um moinho e o lançassem no fundo do mar. Ai do mundo por causa dos escândalos! Eles são inevitáveis, mas ai do homem que os causa! (Mateus 18:3-7)
  • Nuno
    04 jan, 2017 Guarda 23:04
    Nossa Senhora das Rosas em Bayside: "I ask that a task force be set upon the world to eliminate the products of the forces of evil that seek to debase, destroy the souls of your children. Remove from your homes the corrupters of souls: the pornography, the infernal box—your television—and the destructor of souls, modesty and purity—the nakedness of the body. "Parents, you shall be judged for the destruction by permissiveness, of your children's souls. Clothe them in goodness, holiness, and piety, and make modesty a way of life for the young." - Our Lady, August 21, 1975 "Parents, how dare you allow your daughters to be looked upon with lustful eyes! Have you no shame? What is your example? Are you pagans?" - Our Lady, May 30, 1972 "Modesty must be retained. Modesty must be taught to the young. Keep pure and holy thoughts in your minds and the minds of your children, for your eyes are also the mirror of your soul." - Jesus, May 18, 1977 "Mothers and women of the world, you must no longer offend your God. You must return your country and the world to a disciplined life of modesty in the hearts of women, chastity, and a firm family foundation among mankind. Many of you do not please the Eternal Father, and you have pierced My Mother's heart with your sins. The sins of the flesh shall have many cast into hell." - Jesus, June 2, 1979
  • Oi Henrique
    03 jan, 2017 Vila Grande 16:09
    Adaptando a letra da música, só me apetece a dizer: Eu queria dizer que leio, mas não consigo, eu queria dizer leio, mas não consigo!
  • Ângela Veloso
    02 jan, 2017 Vila Franca de Xira 22:30
    Os escritos de Henrique Raposo são o resultado do medo vivido na nossa sociedade: uma histeria tonta e irritante.
  • Vera
    02 jan, 2017 Palmela 18:50
    Ninguém para educar melhor duas filhas, do que o meu querido pai: lá em casa não se falava de coisa nenhuma! apenas as mãos do meu pai falavam: eram lindas, as mãos do meu pai! eram mãos de uma pessoa que vivia do seu trabalho, com muito orgulho! Uma vez, ele mostrou-as bem de perto do nosso rosto, dizendo: - Olhem bem para as minhas mãos! vêem? ai de vocês, que alguma professora me chame à escola, para dizer seja o que for! podem não conseguir aprender! isso eu tolero! de resto, não tolero mais nada! entenderam? E pronto! este aviso, foi feito apenas uma vez! não foram precisas outras palavras...
  • ADISAN
    02 jan, 2017 Mealhada 14:03
    Conclusão: É moderno ajustar-se o corpo à moda e não a moda ao corpo de cada pessoa. É o "trabalho" deste senhores e senhoras que, para defenderem certos interesses, são capazes de tudo, até de convencer outros e outras que é assim como eles dizem é que está correcto.. Reparem que até a nossa língua, a Portuguesa, o corpo padrão da nossa cultura, se teve de sujeitar a intervenção cirúrgica para se ajustar à medida de interesses alheios à vontade do nosso Povo, e se ajustar à moda oriunda de outras culturas. Aqui, tal como ali, é simplesmente um absurdo.
  • Anselmo Filipe
    01 jan, 2017 Santa Iria 19:48
    Gostei muito de ler este artigo de Henrique Raposo. Julgo que a sua visão está próxima do nosso partido, PNR. Igualmente, dou os parabéns à Renascença por convidar Henrique Raposo a escrever no seu site oficial.
  • oliveira
    31 dez, 2016 lx 17:46
    Farto-me sempre de rir com o que este senhor escreve... E com os comentários que fazem... Grande cómico.
  • arepública
    31 dez, 2016 nas-margens-do-tejo 10:53
    Reacção avestruz.