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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Nem ateu, nem fariseu

Não, não me ajoelho na missa

09 dez, 2016 • Opinião de Henrique Raposo


As igrejas estão cheias de pessoas que amam o cristianismo mas esquecem quem está mesmo ao seu lado, naquela missa.

Não me ajoelho porque tenho esperança, que é diferente da caridade e da fé. Ao pé da esperança, a caridade é um guichet burocrático. O acto caridoso nem sequer precisa de fé. Não necessito de fé para dar dinheiro, roupa ou comida aos pobres, ou para fazer voluntariado.

A caridade é uma acção cívica que está para lá do umbral da igreja. A fé, por sua vez, está para cá do umbral, precisa dos claustros, é um passo na direcção certa. Mas pode ser um passo cego. Por exemplo, pode ser um passo apenas e só na direcção de um Deus frio que não passa de uma ideia platónica sem forma humana, uma ideia certa mas insuficiente. Ou pode ser um passo em direcção ao impulso beato que seca o mundo com o formalismo das regras.

É como dizem os Arcade Fire: “working for the Church while your life falls apart, singing halleluiah with the fear in your heart, every spark of friendship and love will die without a home”.

As igrejas estão cheias destas pessoas que amam o cristianismo enquanto esquecem as pessoas concretas mesmo ali na missa, pessoas que se ajoelham na consagração mas que têm um ar de enfado quando dão os beijos e os apertos de mão da paz de Cristo, pessoas com três ou quatro dioptrias no enfoque da fé.

Em “Os Portais do Mistério da Segunda Virtude” (Ed. Paulinas), Charles Péguy fala destas fragilidades da caridade e da fé e consagra a esperança como o grande virtude. Porquê? Ao contrário do que sucede com a fé, não é possível fingir que se tem esperança. Uma pessoa pode dizer que tem fé, é um discurso, é algo que fica apenas nas palavras. Já a esperança é acção. Ou se tem ou não se tem. É algo que fica implícito nos actos.

Por exemplo, estou um pouco farto das pessoas que se dizem muito católicas mas que recusam ter filhos, “porque não dá”, “porque não há condições”, “porque isto está difícil”. São católicos, ajoelham-se na missa, seguem ritos e sacramentos, mas não têm a esperança necessária para consumar o acto que é simultaneamente o mais sagrado e o mais profano: ter filhos. “A caridade não me espanta, mas a esperança, essa sim, causa-me espanto”, diz Deus no poema de Péguy, porque “a inclinação maior é desesperar, essa grande tentação”.

E, de facto, a tentação maior é não acreditar no “pão nosso de cada dia nos dai hoje”. Percebo este medo. Senti-o e ainda o sinto, mas também sei que este receio é paralisante. Se ficarmos à espera da altura ideal para a paternidade, então nunca teremos filhos. É preciso um salto de fé, é preciso a alegria de saber que Ele estará lá sempre para nos acender a luz, é preciso agir no pressuposto de que a transubstanciação é mesmo a glória suprema.

Portanto, como é que me vou ajoelhar no momento da nossa maior alegria? Ele não me criou para a submissão, criou-me para o negar ou reconhecer em liberdade. O efeito deste reconhecimento livre e consciente é a esperança. E quem tem esperança não fica de joelhos perante o momento que simboliza a entrada da esperança neste mundo. Para que serve a submissão do joelho se na altura da Paz de Cristo não se sente a esperança no beijinho ou no aperto de mão?

Comentários
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  • Maria Natália Areal
    03 abr, 2017 Lisboa 22:51
    Parece-me que é o sexto parágrafo que começa , "Por exemplo estou um pouco farto" dou-lhe muita razão está em causa o indiferentismo que tanto fala o Papa Francisco. A ajuda autentica começa por cada pessoa fazer o mais e melhor possível com rectidão de intenção. Obrigada, não pare. MNA
  • Pedro Torres de Cast
    01 fev, 2017 Lisboa 18:28
    Cristo vem e todo o joelho se dobra. Caridade (do latim caritas) sinônimo de amor.
  • Cristina Viena
    22 jan, 2017 Évora 19:28
    Excelente texto que reflete uma sensibilidade extraordinaria.
  • Miguel Santos
    13 dez, 2016 Torres Vedras 09:47
    Não é claro o motivo que leva a Rádio Renascença a dar tão grande destaque a uma pessoa que escreve constantemente textos contra a doutrina católica. Já não bastam os restantes órgãos de comunicação social a lançar a confusão ainda temos que ter a emissora católica portuguesa a ajudar à festa?
  • Mafalda Meira
    12 dez, 2016 Lisboa 21:33
    Amei! Só numa coisa é que eu não concordo: ainda que às vezes custe distingui-las, existe a caridade que se identifica com o amor, e a que não, que, para mim, é aquela de que o Henrique Raposo fala. A propósito da que procede de cima, o apóstolo Paulo fez uma dissertação que chega a ser poética, de que coloco uns excertos, onde chega a dizer que a esperança está contida no amor. Está na carta aos Colossenses: ... Se eu tiver toda a fé, a ponto de transportar montanhas, e não tiver caridade, não sou nada. E se eu distribuir todos os meus bens para o sustento dos pobres, e se entregar o meu corpo para ser queimado, se todavia não tiver caridade, nada disto me aproveita. A caridade é paciente, é benigna; a caridade não é invejosa, não age temerária nem precipitadamente, não se ensoberbece, não é ambiciosa, não busca os seus próprios interesses, não se exaspera, não se ressente nem suspeita mal, não se alegra com a injustiça, mas folga com a verdade. Tudo tolera, tudo crê, TUDO ESPERA, tudo suporta. A caridade jamais há-de acabar... (A fé e a esperança, sim, quando deixarmos este mundo) ... Quando, vier o que é perfeito, então o que conhecemos em parte será aniquilado... Porque agora, vemos como em espelho, obscuramente, então veremos face a face; e o que agora conhecemos em parte, então conheceremos no todo, como somos conhecidos por Deus. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade, estas três virtudes; porém a maior delas é a caridade. (Paulo, I Coríntios, 13: 1-7
  • Sandra Lino
    12 dez, 2016 20:20
    Pai, perdoa-lhe que não sabe o que diz!
  • MASQUEGRACINHA
    12 dez, 2016 TERRADOMEIO 16:04
    Ok, estão perdoados. Então e o primeiro comentáriozinho, não se publica? É que continuo sem perceber porquê, parece-me até um agravo à firmeza de convicções (digo-o com sinceridade) do Sr. H. Raposo, o que me entristece um bocado. E, se for esse o caso, o recurso à fuga também não me parece ser nada o seu estilo, muito antes pelo contrário, como bom polemista que é. Enfim, se o comentário não for publicado, resta-me concluir que decide quem pode e decerto por boas razões, embora estas de todo me escapem e esta pontual censura muito me tenha surpreendido.
  • MASQUEGRACINHA
    12 dez, 2016 TERRADOMEIO 13:09
    Confesso: menti. Como o meu primeiro comentário a este artigo do Sr. H. Raposo não foi publicado, o que muito me surpreendeu, enviei outro para tentar perceber a razão da omissão - e que também não foi publicado. Assim, como controlo experimental, enviei um terceiro, apenas laudatório: e não é que o publicaram?!! Concluo que ou o mediador ou o Sr. H. Raposo seja incólume ao puro e simples insulto (que já vi ser aqui publicado, deve afagar algum senso de martírio), mas excessivamente sensível a argumentação que ponha em causa as suas opiniões - sobretudo o tom com que as expressa, que quanto ao conteúdo é sempre suficientemente interessante para não ser encarado com indiferença. Embora duvide que este comentário seja publicado, cá fica a tentativa. E continuarei a ler o Sr. H. Raposo, e a comentá-lo quando me parecer caso disso, tal como já fiz algumas vezes, sem nunca sofrer censura. Afinal, omitir um comentário civil e adequado ao tema é também uma espécie de resposta... laudatória.
  • MASQUEGRACINHA
    12 dez, 2016 TERRADOMEIO 11:00
    Gostei muito do artigo. As opiniões do Sr. H. Raposo são sempre muito interessantes, e expressas de forma clara.
  • angela
    11 dez, 2016 bragança 20:37
    Caridade só é Caridade quando é feito por amor a Deus. Quando não é feito por amor a Deus não é Caridade mas beneficiência e isso até a Segurança social faz. Esperança de quê? De fazer a Caridade? Quando? A Caridade é hoje que a podemos fazer, pois sem Caridade de nada lhe vale fazer tudo correcto..sem Caridade não precisa de ter esperança. Porque não é a Esperança que o irá salvar mas a Caridade. Que é fazer a vontade de Deus em tudo, ter os filhos que Deus quiser. Sem evitar.Deus disse a Moisés para se ajoelhar perante Deus, e a Deus até os demónios se ajoelham, mas o homem consegue ser mais soberbo que os demonios. Ajoelhar não quer dizer que se é submisso mas livre de si mesmo para Deus. Voce nunca é tão grande como quando se ajoelha. Quem quiser ser o maior entre todos terá que fazer-se menor. Eu ajoelho na Comunhão desde que fazer isso me fez sentir a minha verdadeira realidade perante Deus, que eu sou nada e que Deus é que é Tudo de bom. e sentir isso fez-me sentir muita alegria. Ajoelhar dá-nos a Graça da Humildade e da Fé, porque a Fé é um dom de Deus, É Ele que a dá. De pé sinto-me igual a Deus soberba, mas eu não sou igual a Deus. A missa é de Jesus não é nossa, e por isso é para nós a vivermos para Jesus não para as pessoas, para que ganhemos graças para depois amar e fazer Caridade com as pessoas. E aí sim ter esperança de ganhar o Amor de Deus um dia. Nós não podemos julgar o que vai dentro de cada um, por isso devemos ir à Santa Missa com Caridade, Amor a Deus.