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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Nem ateu, nem fariseu

Aborto: entre o perdão e o crime

25 nov, 2016 • Opinião de Henrique Raposo


Seja qual for o motivo, o aborto é sempre um mal. Até poderá ser um mal perdoável, mas é um mal. Nunca poderá ser descrito como uma conquista.

O perdão não é detergente. O perdão não declara inocente o culpado. O perdão não eleva o mal até ao bem. Quando diz que é preciso perdoar uma mulher que aborta, Francisco I não está a entrar na novilíngua que transforma um mal – o aborto – numa coisa anódina, burocrática, amoral – a tal “interrupção voluntária da gravidez”.

Seja qual for o motivo, o aborto é sempre um mal. Até poderá ser um mal perdoável, mas é um mal. Nunca poderá ser descrito como uma conquista. Colocar as coisas nestes termos é aviltante, tal como são aviltantes as leis que transformam o aborto numa espécie de direito ou contraceptivo derradeiro.

A vidinha dos adultos (ele e ela) que rejeitam a responsabilidade dos seus actos não pode ser mais importante do que a vida inocente que está por nascer e que está à mercê do poder alheio. Estas leis, como o famoso Roe vs. Wade, são imorais, são ilegítimas, são inaceitáveis. Mais ano menos ano, mais década menos década, serão derrubadas através de um debate moral sério e por meio de propostas legais. Não, o Roe vs. Wade não é o fim de história. Para se perceber isto, basta ir buscar a balança: quem acredita na imoralidade do Roe vs. Wade tem 2000 ou até 4000 anos de civilização atrás de si; quem acredita na moralidade do Roe vs. Wade tem apenas algumas décadas de modernice. Quem é que acham que vai ganhar?

O cristão porém deve mostrar compaixão neste combate. A cultura do aborto não deve ser combatida com bombas em clínicas abortistas e ou com votos em candidatos desprezíveis como Trump. Este combate exige calma e compaixão. Sim, compaixão pelos ideólogos fracturantes que acham que abortar às vinte semanas é um acto de liberdade.

Quando disse “amarás o próximo como a ti mesmo”, Jesus não estava a pensar nos próximos que concordam connosco, mas nos próximos que pensam de forma diferente. Além disso, esta compaixão deve ser alargada à mulher que aborta. A mulher que se arrepende por ter exterminado a vida que tinha dentro de si tem de encontrar uma igreja de portas abertas.

Aliás, o espírito da lei que no futuro substituirá o espírito do Roe vs. Wade tem de partir desta premissa. Não podemos voltar à velha premissa farisaica. Quem sou eu para julgar uma mulher que, na mais absoluta pobreza, se deixa tomar pelo desespero? Quem sou eu para julgar a garota que não quer assumir o fardo social da “mãe solteira”? Esta humildade é fundamental, porque os cristãos têm muitas culpas neste cartório abortista.

Quando era apenas Jorge Bergoglio, Francisco I já criticava o “gnosticismo farisaico” de muitos padres que recusavam baptizar bebés de mães solteiras. A hipocrisia é total: a mesma igreja que pede às raparigas solteiras para recusarem o aborto é a mesma igreja que depois rejeita as crianças, alegando que estão fora dos sacramentos. Muitos abortos começaram e começam nesta hipocrisia beata.

A lei que regulará o aborto no futuro deverá recusar a amoralidade do actual ateísmo, mas também deverá recusar o moralismo beato. Há que partir da premissa que devemos o perdão a quem comete este pecado uma vez. Mas é só mesmo uma vez. A reincidência não pode ser tolerada em questões de vida ou morte. Quem aborta várias vezes continuará a ter perdão na Cidade de Deus, mas não deve ter perdão na cidade dos homens.

Em Portugal, por exemplo, há casos de mulheres que abortam várias vezes num curto espaço de tempo. Lamento, mas isto é um crime. Uma mulher que aborta cinco, seis, oito vezes é criminosa.

Comentários
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  • Vera
    29 nov, 2016 Palmela 04:00
    Este tema é simples e complicado, ao mesmo tempo! se há violação não é crime abortar, o criminoso é quem cometeu a violação e devia ficar preso até ao fim da vida! Se não há violação, é crime! mas cada um é p'ró que nasce! e cabe a Deus dar o castigo! "cá se faz, cá se pagam"! seja ateu ou fariseu, ou seja lá o que for! Cada ser, tem que ter consciência dos seus actos! porque, há ainda outros crimes: tratar mal os outros, sem argumento, é crime! porque, uma pessoa também morre de desgosto! e quem é que liga a isso? ninguém!... Por isso Henrique Raposo, cada caso é um caso! e se prendessem toda a gente, era uma chatice! Por isso, é que o Papa diz que tem que se perdoar!!!
  • MASQUEGRACINHA
    26 nov, 2016 TERRADOMEIO 19:55
    Parecendo-me inegável o facto de que, ao abortar, se corta o fio de uma vida já existente - parecem-me redundantes aquelas argumentações do "a vida só começa quando...", etc., etc. - , e compreendendo a absoluta relevância da questão em termos religiosos, já não percebo muito bem a quantificação do pecado e respectiva absolvição: oito é o limite, ou ao segundo já não há perdão para ninguém? Afinal, o setenta vezes sete não funciona, ou só não funciona para o aborto em particular? Neste assunto, como aliás em praticamente todos os assuntos humanos passíveis de julgamento moral, cada caso é sempre um caso. E se pode admitir-se a generalização de um conceito de pecado (o aborto é pecado), nunca se pode admitir a do perdão (só se perdoa uma vez). Novamente o articulista resvala para uma excessiva simplificação, algo arrogante nos seus pressupostos e algo infantil nas suas conclusões. Resta, para quem nisso crê, a Cidade de Deus de que fala, e em que o Sr. H. Raposo, por sua vez, parece não acreditar muito... Não o suficiente, pelo menos, para a admitir aqui, na terra.
  • Miguel Botelho
    25 nov, 2016 Lisboa 14:39
    Que pena aquele fantasma do Natal de Charles Dickens não existir na realidade, para poder levar o Henrique Raposo a conhecer este «mal» (como ele o trata) pela raiz. Que pena Henrique Raposo não ver este problema nos casos de maior pobreza e miséria. Seria Henrique Raposo alguma vez capaz de visitar os bairros pobres, onde estes casos acontecem? Seria Henrique Raposo capaz de dialogar com estas mulheres que desmancham, sem uma lei para regular este problema? Os abortos decorrem a todo o momento. O mais necessário é que haja uma política que salvaguarde a saúde de uma mulher, quando o pratica.
  • gomes
    25 nov, 2016 coimbra 14:34
    Graças ao feminismo se jesus fosse nascer nos dias de hoje maria ia acusar Deus de violacao por ter posto nela um bebe sem pedir permissao e jesus seria abortado, afinal as feministas na enchem a boca e dizem com orgulho my body my choice? pois eis algo para voces pensarem a respeito ;-)