Emissão Renascença | Ouvir Online
Manuel Pinto
Opinião de Manuel Pinto
A+ / A-

A César o que é de César

07 nov, 2016 • Opinião de Manuel Pinto


Uma coisa é o Presidente convidar os seus homólogos a visitarem Portugal. Outra é convidá-los para um acto religioso.

“Presidente da República convida líderes ibero-americanos para o Centenário das Aparições” era o título em destaque em diversos meios de comunicação, na recta final da recente Cimeira Ibero-Americana, realizada em Cartagena das Índias, na Colômbia. Alguns media acrescentavam que o convite foi feito não só pelo Presidente da República, mas também pelo primeiro-ministro.

Os media e os seus comentadores não costumam deixar por mãos alheias assuntos que envolvam Marcelo ou António Costa, mas, que eu tenha visto, este assunto foi considerado merecedor de destaque noticioso, mas não de interrogação e análise. E, no entanto, a questão parece ser pertinente: um Presidente da República a convidar para as celebrações dos 100 anos das aparições de Fátima? Mas que competência lhe assiste nessa matéria? Foi-lhe encomendado o trabalho pelo Santuário? Pelo bispo de Leiria? Pela Conferência Episcopal? Não consta.

Vi referida a justificação de que as crenças religiosas são também cultura e que houve “interesse manifestado por vários participantes da Cimeira”, além de que, em 2017, Lisboa vai ser Capital Ibero-americana da Cultura. Mas são razões que não me parecem consistentes, já que o que aqui está em causa é o ‘cavalgar’ de uma manifestação da Igreja Católica pelo poder político.

Uma coisa é o Presidente convidar os seus homólogos a visitarem Portugal. Outra é convidá-los para um acto religioso. Nem sequer o Papa Francisco, convidado pela Igreja e pelo Presidente a visitar Portugal, na altura do centenário, entrou nesse jogo. De tudo o que disse foi que viria ao Santuário como peregrino, não como chefe do Estado do Vaticano.

Até pela sua condição de católico, o Presidente da República não pode nem deve dar azo a confusões entre a esfera política e a esfera religiosa, por muito louváveis que possam ser as suas intenções.

Os princípios da laicidade e da separação entre as confissões religiosas e o Estado exprimem conquistas históricas e representam bases das democracias modernas. Iniciativas como a que os dois dos titulares do poder político em Portugal acabam de tomar remetem para um tempo que julgávamos passado. Por outro lado, o enlevo em que os media rodam relativamente ao estilo de exercício do cargo presidencial de Marcelo, certamente bem mais interessante e eloquente do que o do seu antecessor, não contribui para o escrutínio que lhes deve caber. A César o que é de César. Não mais do que isso.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • CF
    08 nov, 2016 Beja 12:09
    Poderá ser uma boa ocasião para Francisco pôr no devido lugar os dirigentes que visitam sem estados de alma o religioso popular. Que se inspire de João-Paulo II que em 1980 em Paris e em 1996 em Reims aludindo ao batismo de Clovis questionou primeiro “França, és fiel às promessas do teu batismo?” e mais tarde elogiando “a alma francesa para que contribua a fazer progredir os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade”, rematou que o batismo de um rei, tinha o “mesmo significado que qualquer outro batismo”.
  • António Costa
    07 nov, 2016 Cacém 09:44
    O problema é que "A César o que é de César e a Deus o que é de Deus" é uma "máxima" Cristã. Um dos "pilares" do Cristianismo. As diferenças entre o "laico" e o "religioso", está na prática em "rituais religiosos", porque ambos se baseiam no "respeito pelo outro". Todos os homens são iguais perante Deus vai ser uma "pedrada no charco" num Mundo onde até aí os Faraós/Sacerdotes eram os representantes únicos de Deus na Terra. O que é curioso é que os ataques que a Igreja vai sofrer ao longo da História, resultam Sempre da acusação de se afastar dos seus princípios. Mesmo as doutrinas nascidas no Mundo Cristão, e autointituladas de "antirreligiosas" baseiam-se sempre nos princípios básicos Cristãos. Senão o que é a "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" senão uma tentativa de aplicação de Valores Cristãos? Muito diferente, da "Submissão" Incondicional a Deus (ás suas Leis e aos seus representantes terrestres!) do Islão, não é?